Há exatos cem anos, uma pequena cidade do sertão cearense entrava para a história da ciência mundial. Fotografias do eclipse solar de 1919, tiradas em Sobral (a cerca de 230 quilômetros da capital Fortaleza), por duas expedições científicas internacionais, subsidiaram a comprovação da teoria da relatividade geral, que tornou o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) famoso no mundo inteiro.
Em voga neste ano por conta do centenário dessa comprovação, no dia 29 de maio, o famoso “eclipse de Sobral” foi tema da palestra da professora do Cefet-RJ Andreia Guerra, no XXIII Simpósio Nacional de Ensino de Física, realizado em Salvador pela Sociedade Brasileira de Física, na UFBA e no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA).
Defendida por Einstein desde 1905 e postulada finalmente em 1916, a teoria da relatividade geral afirmava que a massa de grandes corpos deforma o espaço próximo a eles, e que essa deformação provoca desvios na trajetória dos raios de luz. Era o prenúncio de uma verdadeira revolução na física, que, até então regida pelos postulados newtonianos, não admitia tal hipótese.
Mas, para que os físicos passassem a aceitar a validade daquele postulado, era preciso comprová-lo, por meio de um experimento que consistia em fotografar as estrelas próximas à borda do sol durante um eclipse solar, e, posteriormente, comparar as imagens com fotografias do céu em uma noite comum. Se a diferença de posicionamento da luz daquelas mesmas estrelas ficasse perto da prevista pelos cálculos de Einstein, era sinal de que os raios de luz sofriam mesmo um desvio, o que confirmaria a nova teoria.
Esse experimento aconteceu em Sobral, em 1919, após anos de tentativas frustradas em várias partes do planeta, inclusive na cidade mineira de Passa Quatro, em 1914. Duas expedições internacionais, lideradas por físicos ingleses e norte-americanos, com a presença de físicos brasileiros, utilizando-se dos mais modernos telescópios e câmeras fotográficas da época, e favorecidas pela bela manhã de céu limpo do serão cearense, conseguiram produzir as perseguidas fotografias – através das quais, meses depois, a teoria foi validada.
Pesquisadora da relação entre história e ensino das ciências, Andreia Guerra enfatizou a importância de que as novas gerações cresçam conhecendo a história do eclipse de Sobral, não somente por causa da curiosa relação entre o sertão nordestino e uma das maiores descobertas da física, mas, também, por se tratar de um exemplo de como a ciência está inserida na teia de acontecimentos históricos de seu tempo. E, principalmente, para que os jovens entendam, desde cedo, que a produção de conhecimento depende de redes de colaboração de grande escala (como a articulação com governos para consecução de verbas e apoio logístico) e de pequena escala (como a articulação com a população local, cuja amistosidade para com um grupo de ‘gringos’ forasteiros era fundamental).
A título de exemplo, Guerra chamou a atenção para as dificuldades de transporte dos equipamentos até uma então remota localidade do sertão cearense, operação que contou com a rede ferroviária local e o apoio logístico do governo federal brasileiro. Uma vez transportados, os equipamentos careceram de ajustes e da construção de proteções de alvenaria, que mobilizaram, meses antes do eclipse, as expertises de pedreiros e carpinteiros locais. Os cientistas, por sua vez, necessitaram não apenas de hospedagem, viabilizada por políticos e lideranças locais, como de apoio da população para obter desde coisas básicas – como, por exemplo, bons chapéus, para proteger-se do sol sertanejo – até outras mais complicadas – como, por exemplo, acesso ao jornal local, para informar à população de que, para o sucesso da empreitada, era fundamental que não houvesse tumulto e barulho provocados por animais e crianças durante os preciosos minutos do eclipse.
“Não é simplesmente ‘natural’ que o experimento tenha dado certo em Sobral”, observou Guerra, enfatizando que, para além do dia de céu limpo, foi fundamental não só a atuação dos cientistas, mas, também, a contribuição de atores aos quais a história da ciência costuma dar menos importância, como governos e população local. Crítica do silenciamento desses atores secundarizados, a pesquisadora sintetizou: “A ciência não é um mero desvelamento de fatos, mas sim o resultado de práticas. A ciência seria muito mais poderosa se houvesse maior multiplicidade de atores, incluindo mais os negros, as mulheres, os mais pobres”, dentre outros grupos sociais marginalizados.