Intensa vibração de distintos sons e sotaques encheu a Praça das Artes

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Reitor da UFBA convocou a todos para defender universidade pública, gratuita, inclusiva e de qualidade

João Carlos Salles: convite à defender a universidade pública, gratuita, inclusiva e de qualidade

O campus da UFBA em Ondina acolheu a maior parte das atividades da 11ª Bienal da UNE que, entre os dias 6 e 10 de fevereiro, reuniu cerca de 10 mil estudantes de todas as partes do país. Graduandos, pós-graduandos e até secundaristas fizeram vibrar a Praça das Artes, ponto central do evento, onde se pode acompanhar tanto debates fundamentais da agenda dos estudantes, políticos, inclusive, quanto as mais diversas manifestações culturais trazidas à cena pelo evento da União Nacional dos Estudantes.

Políticos conhecidos nacionalmente, como os ex-candidatos à presidência da República Ciro Gomes e Guilherme Boulos, a ex-candidata a vice-presidente, Manuela D’Ávila, e o governador do Maranhão, Flávio Dino, cientistas, como a presidente de honra da SBPC, Helena Nader, e personagens da cena cultural, como a poeta Elisa Lucinda e a produtora Paula Lavigne, participaram de debates acalorados com os estudantes na tenda Refazenda, alusão evidente ao artista homenageado do evento, Gilberto Gil, ou em outros espaços em torno da Praça das Artes.

Nessa tenda, por exemplo, no fim da tarde da quinta-feira, 7, o reitor João Carlos Salles foi um dos conferencistas da mesa “Os desafios para uma educação crítica e emancipadora no século XXI”, ao lado do professor Boaventura de Sousa Santos, diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e coordenador científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.

O reitor lembrou que foi um dos delegados da UFBA no encontro de refundação da UNE, há 40 anos, após o desmantelamento da entidade pela ditadura civil-militar de 1964-1985. Diante do gigantesco desafio proposto de pensar a educação para o século XXI, explicou que deliberadamente ia se ater ao cenário da educação no Brasil para os próximos quatro anos, e especialmente ao cenário do ensino superior, concentrando sua análise no que considera ser a maior ameaça atual para a universidade, ou seja, a noção de que ela não deve ser para todos. “A universidade deixou de ser tida como um valor universal e patrimônio da sociedade para certas elites, e os próximos quatro anos podem comprometer todo o século XXI”, alertou.

“A universidade pública está sob ameaça”, insistiu João Carlos Salles em referência às ideias de que a instituição já não pode se expandir e de que os centros de excelência de pesquisa devem estar restritos a poucas delas. As restrições orçamentárias foram por ele destacadas como desafios que precisam ser superados para a expansão do sistema de ensino superior no país. Criticou o recuo previsto na assistência estudantil e convocou a todos para impedir que seja destruído o projeto de universidade pública, gratuita, inclusiva e de qualidade.

Milhares de estudantes lotaram a Praça das Artes, ponto central do evento, onde se pôde conferir o que há de melhor na produção cultural das universidades brasileiras

Milhares de estudantes acorreram ao campus de Ondina e lotaram a Praça das Artes na Bienal da UNE

João Carlos Salles voltou ao tema da quebra da aura da universidade, que tem examinado nos últimos dois anos, inclusive em textos intelectualmente sofisticados, relacionando os recentes casos de intimidação a seus dirigentes, um deles, pelo menos, com desdobramento fatal — o suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina, em outubro de 2017 —  e ameaças às suas instâncias democráticas. Citou ainda a burocratização e o produtivismo artificialque faz com que pesquisadores tenham que se preocupar mais com o número de publicações do que com  relevância dos conteúdos de suas pesquisas.

“Para recuperar a sua aura, a universidade, que por tanto tempo serviu às elites, deve dar voz aos excluídos e não fechar os olhos a toda forma de autoritarismo e preconceito”, afirmou o reitor, que apontou ainda a importância do movimento estudantil, com suas lutas e criatividade, para ajudar na recuperação dessa aura. Ele também destacou a necessidade do acolhimento dos movimentos sociais que vocalizam interesses que precisam ser discutidos na universidade e podem determinar novos horizontes.

João Carlos Salles criticou a ideia de educação como uma mercadoria e defendeu a universidade como lugar de produção de conhecimento socialmente relevante. Ressaltou a importância da autonomia da universidade e de seus processos democráticos. “Estamos maduros o bastante para escolhermos os nossos representantes”, exemplificou.

“A universidade é vocação, é entrega, destino”, disse, ao reafirmar a universidade pública como espaço de ampliação de direitos, de resistência, acolhimento, arte, cultura, alimentado pela energia da sociedade. “Um espaço progressista que tem na sua essência a emancipação humana”, pontuou.

“Não podemos aceitar que mãos não generosas toquem o nosso espaço, nos humilhem, interditem a nossa fala e nos impeçam de produzir o conhecimento mais elevado”. E, por fim, desejou: “que nós sejamos capazes de recuperar a aura da universidade fazendo com que ela se banhe da liberdade, da emancipação e da força de todos os que ela já incluiu e dos que ainda devem ser incluídos”.

 

“No Brasil, é trágico que essas fábricas (de medo, insegurança e mentiras) se transformaram em políticas públicas educacionais”, declarou o professor Boaventura

Boaventura: “É trágico no Brasil essas fábricas de medo, insegurança e mentiras que se transformaram em políticas públicas educacionais”,

“Por que a educação é sempre o primeiro alvo dos governos autoritários? ”, questionou o professor Boaventura de Sousa Santos, da Universidade de Coimbra, na conferência que se seguiu à do reitor da UFBA na tenda Refazenda.

Esse processo resulta, disse ele, da disciplina que se tenta aplicar à sociedade para impor gravíssimas medidas econômicas, “que vão destruir as expectativas de vida de grande parte da população brasileira”. Pautas culturais, comportamentais e religiosas são utilizadas para desviar o foco das ações na economia. Assim, a educação e a sociedade de maneira geral passaram a sofrer com uma ideologia que Boaventura considera ser “fábrica de ódio, medo e mentira”.

De acordo com ele, é o ódio que leva alguém a querer destruir o adversário, é o medo que produz uma sensação de insegurança nas pessoas, e são as mentiras que se utiliza para tentar não confrontar a realidade que as revela. Tudo isso se potencializa nas redes sociais, disse.

“No Brasil, é trágico que essas fábricas — de medo, insegurança e mentiras — tenham se transformado em políticas públicas educacionais”, ressaltou Boaventura, que criticou duramente o atual ministro da Educação Ricardo Vélez Rodriguez, que recentemente acusou brasileiros de vandalizar e roubar coisas em viagens fora do país. “A gente brasileira é boa e solidária”, avisou ele.

O professor português considera que a universidade foi por muito tempo um projeto excludente, que desconsiderou boa parte da população, e defendeu que é preciso valorizar os notórios saberes dos indígenas, quilombolas e populações ribeirinhas. Em seu olhar, as ações afirmativas ajudaram a dar um novo colorido à universidade, que está muito mais diversa. Contudo, afirmou, “é necessária uma atualização dos currículos, que ainda são eurocêntricos e precisam abrir espaço a outros saberes”.

 

Informação e Poder

Manuela D’Ávila, vice-candidata nas últimas eleições presidenciais, participou de um dos debates da Bienal da UNE

Manuela D’Ávila participou de um dos debates na tenda Refazenda

“Censura, liberdade de expressão e fakenews” foram temas de um importante debate cultural também na tarde do dia 07, com a participação de Manuela D’Ávila, candidata a vice-presidente nas últimas eleições presidenciais e ex-deputada federal (PCdoB-RS), Paula Lavigne, produtora cultural e representante do Movimento 342, Laura Capriglione, fundadora do grupo Jornalistas Livres, a atriz e diretora Cecilia Boal e a atriz e poeta Elisa Lucinda. O evento contou ainda com a presença do ator Antônio Pitanga, homenageado durante a Bienal.

Manuela D’Ávila falou sobre o uso das novas tecnologias para a disseminação de notícias falsas, especialmente na disputa presidencial no ano passado. Ela mesma disse ter sido vítima de campanhas difamatórias, muitas delas com conteúdos machistas. Em sua fala, apontou a importância do Marco Civil da Internet, aprovado em 2012 durante o governo da então presidenta Dilma Rousseff, e sinalizou a ameaça de quebra da neutralidade da rede, o que permite a prevalência do poder econômico em detrimento dos direitos dos cidadãos e o impulsionamento de mensagens para influenciar artificialmente a opinião pública.

Diante de tantas fake news disseminadas em aplicativos de mensagens – muitas delas tomadas como verdades por parte da população – Manuela defendeu que é preciso exercer algum controle, identificar quem são os responsáveis por disseminar essas informações, e também encontrar estratégias para esclarecer mentiras como o “kit-gay”.

Paula Lavigne falou sobre sua experiência pessoal de ter sido também alvo de ofensas nas redes sociais por conta de seu relacionamento com o cantor Caetano Veloso, em uma ação orquestrada por perfis falsos e grupos de extrema direita. Ela disse que campanhas para disseminar notícias na Internet têm um alto custo financeiro e que é preciso identificar quem são os seus responsáveis e quais os seus interesses. Com certeza, conforme avalia ela, ações como essas interferiram no resultado das últimas eleições presidenciais no país, com o acesso a dados pessoais e direcionamento de mensagens.

Elisa Lucinda e Laura Capriglione ao lado do ator Antônio Pitanga, que homenageado nesta edição do evento

Laura Capriglione e Elisa Lucinda ao lado do ator Antônio Pitanga, um dos homenageados da Bienal

Elisa Lucinda condenou o racismo e o machismo estrutural da sociedade brasileira, lembrando dos inúmeros casos de feminicídio no país, assim como os episódios de intolerância religiosa. Para Laura Capriglione, dos Jornalistas Livres, toda a esquerda, democratas e movimentos sociais devem se unir para enfrentar as forças reacionárias, ciente de que o seu maior poder é a verdade. Para tanto, acredita que é preciso utilizar as novas tecnologias para se conectar às pessoas e fazer chegar a elas a informação.

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