O bioquímico Néstor Guerrero, espanhol de Tenerife, nas Ilhas Canárias, escolheu a Bahia como mais uma parada de sua “vida nômade” de estudos no campo da imunologia. Na estrada há 16 anos, ele chegou à UFBA no ano passado, para colaborar com uma pesquisa já em desenvolvimento do Serviço de Imunologia do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (Hupes), que busca encontrar mecanismos de regulação da resposta do corpo humano contra doenças como a asma. A aventura científica e pessoal de Guerrero também acontece na pós-graduação em imunologia do Instituto de Ciências da Saúde (ICS).
Guerrero é o segundo personagem da série “As voltas que a pesquisa dá” do Edgardigital, que traz perfis de professores visitantes estrangeiros de três diferentes áreas – matemática, imunologia e música. Na semana passada, contamos a história do matemático russo Vladimir Pestov, que desembarcou em terras baianas para desenvolver estudos nas complexas áreas de aprendizado de máquina e dinâmica de grupos de dimensão infinita.
Um bioquímico espanhol na pesquisa em imunologia da UFBA
O bioquímico espanhol Néstor Adrián Guerrero Gutiérrez, de 36 anos, dedica sua carreira acadêmica à pesquisa em imunologia. Desde novembro de 2018, ele faz parte do grupo de professores visitantes na UFBA e atua na pós-graduação em imunologia do Instituto de Ciências da Saúde (ICS), com contrato de dois anos, prorrogável pelo mesmo período.
“Considero uma oportunidade na minha carreira em que aprendo a gerenciar projetos acadêmicos fora da Europa, e é uma excelente oportunidade para colaborar”, diz Guerrero, que realizou pesquisa na Universidade Autônoma de Madrid, onde se formou, na Universidade de Londres, na Inglaterra, e no Centro de Fisiopatologia Toulouse-Purpan, na França.
Atualmente, ele trabalha na pesquisa que busca a implementação de técnicas para o estudo de mediadores lipídicos – prostagladinas, leucotrienos e outros – a serem utilizadas para resposta imune de algumas enfermidades.
Guerrero trabalhou com esses mediadores lipídicos durante seu doutorado. Agora, colabora com pesquisadores do Serviço de Imunologia do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (Hupes). “O grupo já vem trabalhando há algum tempo com a avaliação do potencial modulatório dos antígenos recombinantes do Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, nas doenças de base imunológica”, explica.
Os professores Edgar M. Carvalho, Luciana Cardoso, ambos do Serviço de Imunologia, e o professor Sérgio Costa da Universidade Federal de Minas Gerais tiveram as ideias originais do projeto, que conta com diversos artigos publicados, um deles, na Mucosal Immunology do renomado grupo da revista científica Nature. É por meio da proteína de uma doença bem conhecida no Brasil, a esquistossomose (ou “barriga d’água”), que o grupo do SIM e o pesquisador da UFMG anseiam encontrar, se não uma cura imediata, ao menos uma forma de reduzir a gravidade dessas doenças. O grupo identificou pela primeira vez um antígeno originado da esquistossomose, o Sm29 – uma molécula que modifica a resposta do sistema imune. Trata-se da proteína que o próprio verme utiliza para modular o sistema imune de seu hospedeiro e permanecer nele.
Essa molécula, explica Guerrero, que agora colabora com a pesquisa, possui um potencial regulatório da resposta imune em algumas enfermidades, como a asma, doença respiratória que causa falta de ar e tosse e é responsável por cerca de 350 mil internações no Brasil, anualmente. “Modular a resposta imune exacerbada por meio da proteína Sm29 poderia ajudar muito o quadro clínico desses pacientes”, diz.
Guerrero realiza o que chama de trabalho de bancada no Serviço de Imunologia (Sim) do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (Hupes), onde foi aceito pelo chefe do setor Paulo Machado para trabalhar na pesquisa, ao mesmo tempo que atua no Instituto de Ciências da Saúde (ICS). Guerrero vê como bastante positiva a proximidade entre pesquisa e atendimento de saúde na UFBA e se diz feliz e surpreso com o interesse dos pacientes do serviços de saúde da Bahia em colaborar, cedendo informações sobre exames e amostras. Em sua opinião, a relação Sistema Único de Saúde (SUS) e pesquisa só traz benefícios à população.
Além da pesquisa, ele também atua em outras frentes acadêmicas, dando aulas e apoio a pesquisas, em especial de mestrado e doutorado. Atualmente, leciona em duas disciplinas do programa de pós-graduação: uma que aborda técnicas de imunodiagnóstico, e outra de desenho experimental, na qual os problemas de pesquisa de cada estudante discutidos. Na segunda disciplina, ele utiliza metodologias de sua formação amadora em teatro para auxiliar os estudantes a falar em público e discutir ideias científicas com mais segurança.
“Eu estou usando estratégias de ensino em que não apenas os alunos estão aprendendo conteúdo, eles também desenvolvem sua capacidade de resolver problemas científicos e ganham confiança ao discutir e falar em público suas próprias ideias. Temos uma atmosfera de empatia muito boa na sala de aula, da qual tenho muito orgulho. A ideia é continuar oferecendo essa disciplina a cada semestre”, afirma o professor, que assinala ainda o interesse em expandir a disciplina para estudantes de ciências da saúde de outros programas de pós-graduação da UFBA. “Por mais diferentes pontos de vista que existam no grupo, o mais enriquecedor é a experiência de todos.”
Acostumado a vida nômade, que começou cedo, aos 20 anos, e o tirou da bela Tenerife, nas Ilhas Canárias, onde nasceu, ele fala dos desafios dos recomeços – sobretudo os da vida social, que se agravam ao longo do tempo, em especial “após a passagem dos 30 anos”, brinca. “Sempre morei fora, não foi tão difícil vir ao Brasil. Mas, na Europa, é só pegar um trem e visitar um amigo, um familiar. Aqui, a distância é um pouco maior”. Contudo, sua mãe já tem planejado uma visita para compartilhar a experiência em terras baianas ao lado do filho.
Para o bioquímico, fazer ciência passa longe do imaginário do cientista que se isola e, então, “eureka!”. Em sua opinião, construir conhecimento só é possível através do trabalho em rede. “A internacionalização é fundamental. Mesmo numa comunidade pequena, aparentemente fechada, o diálogo com outros pesquisadores se faz necessário à produção do conhecimento.” Do período no Brasil, ele espera fortalecer o trabalho em rede e desenvolver aplicações de seu estudo na área de saúde.