Niko-niko é uma onomatopéia japonesa para o ato de sorrir. Niko-niko é o nome da marca de brinquedos que estimulam e auxiliam no tratamento de crianças com o espectro autista, resultado do trabalho de conclusão de curso da estudante de design da Escola de Belas Artes da UFBA Nicole Passos, orientado pela professora Tamires Lima e defendido neste mês.
Nicole conta que sempre se interessou por design de brinquedos, e que teve certeza de que queria trabalhar com o tema quando participou de um projeto de iniciação tecnológica no Instituto de Física sobre criação de brinquedos científicos. Decidida, ela uniu a preocupação de “suprir alguma demanda social” com o desejo de ajudar o sobrinho Gabriel, que tem sete anos e diagnóstico de autismo, a brincar e sorrir.
Os brinquedos criados por Nicole vêm com uma cartilha explicativa contendo o sentido para qual foi pensada a estimulação e a melhor forma de brincar com a criança. Normalmente, são lembrados os cinco sentidos – visão, audição, paladar, tato e olfato – e também outros três, chamados interocepção, propriocepção e vestibular, que articulam os cinco tradicionais e são responsáveis por proporcionar consciência espacial e corporal. Nas pessoas autistas, há um problema justamente nessa integração sensorial: é como se os sentidos estivessem “embaralhados” e essa é a origem do comportamento típico do autismo.
A interocepção é responsável por sensações como fome e dor, sensações internas do corpo. Um exemplo usado por Nicole para descrever a propriocepção é o ato de colocar uma colher na boca: não precisamos olhar a colher para que saibamos onde está nossa boca, pois o sistema proprioceptivo é o responsável pela recepção de posições corporais. Já o vestibular é responsável pelo equilíbrio, por manter nossa postura e controlar o movimento dos olhos.
Durante a pesquisa, ao perguntar por produtos especialmente voltados para crianças autistas em lojas convencionais de brinquedos, Nicole observou que os vendedores ou não sabiam o que responder, ou a direcionavam para brinquedos de bebê ou quebra-cabeças. Ela diz que, embora existam os chamados “brinquedos educativos”, há muito poucas de produtos pensados especialmente para autistas – e, quando existem, costumam ser muito caros para a maior parte da população, chegando a custar até R$ 200.
Os protótipos desenvolvidos por Nicole são chamativos, com bolas coloridas penduradas, texturas e muito cor-de-rosa – esse último, um detalhe que agrada ao gosto da estudante mesmo. O objetivo de Nicole é que os brinquedos sejam uma forma de levar a terapia para casa sem perder o brilho do brincar.
A família no trabalho
Nicole encontrou na própria família uma forte motivação para desenvolver seu projeto. Sua prima Luciane Fabrise é mãe de uma criança autista de sete anos, Gabriel, a quem a estudante é muito ligada. Luciane conta que gostou da ideia de Nicole justamente por sentir na pele a dificuldade de encontrar brinquedos que estimulem o aspecto sensorial, mesmo que não sejam direcionados para autistas.
Luciane conta que começou a perceber algo de diferente no filho quando ele tinha um ano e oito meses: como professora, ela observava que crianças da mesma faixa etária falavam palavras como “papai” e “mamãe”, mas seu filho permanecia calado. Além disso, ele apresentava alguns comportamentos que ela não compreendia, como esfregar repetitivamente a testa na parede.
Gabriel tinha um ano e dez meses quando Luciane teve o primeiro diagnóstico: ele é um autista hipossensível (com pouca sensibilidade) em nível severo, um diagnóstico fechado apenas recentemente, após ele completar sete anos de idade. A mãe explica que, por conta da disfunção provocada pelo autismo, Gabriel não experimenta, por exemplo, a sensação de tontura após girar em torno de si mesmo muitas vezes seguidas. Isso faz com que ele queira testar esses aspectos sensoriais, podendo até se expor a acidentes e situações de perigo.
“Acho que a principal mudança foi o olhar dela” disse Luciane sobre a postura de Nicole após a realização do trabalho. Segundo ela, um dos primeiros momentos em que a estudante demonstrou interesse no brincar do sobrinho foi quando perguntou a Luciane de que tipo de brinquedo Gabriel gostava e, desde então, cada interação entre eles foi uma fonte para criação dos brinquedos.
Luciane conta que, apesar da tristeza e do sentimento de luto quando o autismo do filho foi diagnosticado, a família logo começou a se mobilizar para o tratamento de Gabriel. Inicialmente foram realizadas sessões de terapia ocupacional, psicologia e fonoaudiologia, mas essa última não surtiu efeito. A mãe diz que o tratamento ideal para o autismo de Gabriel seria terapia ocupacional com integração sensorial, um método recente e ainda muito caro. Atualmente, eles estão na lista de espera do Centro de Referência Estadual para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista, para que a terapia seja feita pelo SUS, mas a longa fila faz com que o tratamento ideal demore ainda mais de começar.