“Populismo é forma desviada da democracia que saiu dos trilhos”, diz alemão Christoph Horn

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O debate faz parte do “Fórum de Democracia Europa-Brasil”, série de eventos organizados pela Embaixada da Alemanha em diversas cidades brasileiras

O debate faz parte do “Fórum de Democracia Europa-Brasil”, série de eventos organizados pela Embaixada da Alemanha em diversas cidades brasileiras

O debate “Sobre a crise da democracia em tempos de populismo”, promovido em parceria pela Embaixada da Alemanha em Brasília, com apoio do Instituto Goethe na Bahia, e pela Universidade Federal da Bahia, reuniu o filósofo e professor Christoph Horn, da Universidade de Bonn, a socióloga e professora Graça Druck, da UFBA, e o advogado e presidente da comissão de estudos constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA), Marcos Sampaio, na última quarta-feira, dia 21 de agosto, no Auditório Raul Chaves da Faculdade de Direito.

Na abertura do evento, o vice-reitor da UFBA, Paulo Miguez, ressaltou o tema do debate, muito significativo para a vida brasileira no momento atual, e defendeu a universidade pública e seu papel na construção de um projeto de país. “Essa casa não abrirá mão da democracia e do seu compromisso com o futuro”, declarou. Miguez lembrou a importância do Goethe para a resistência democrática durante o período da ditadura militar no país, um espaço de valorização da cultura, onde se podia respirar ares libertários: “Lugar absolutamente fundamental na luta que travamos pela democracia”, definiu.

O professor da Universidade de Bonn, Christoph Horn, abordou as características do populismo e as suas ameaças à democracia

O professor da Universidade de Bonn, Christoph Horn, considera que o populismo é uma forma desviada da democracia que “saiu dos trilhos”

O professor da Universidade de Bonn, Christoph Horn, abordou as características do populismo e a ameaça que ele representa à democracia. Apontou como característica central do populismo a alegação de que um partido ou indivíduo supostamente representaria a vontade do povo. No contexto atual, líderes carismáticos e sem experiência política colocam-se como porta-vozes das vontades do povo e se comunicam através das novas mídias e das redes sociais, com discursos demagógicos que exploram paixões políticas e promovem a desinformação, ideias paranoicas e teorias conspiratórias. Negam o “politicamente correto”, a ciência, o mundo acadêmico e os alertas sobre o aquecimento global.

Horn constata que esses líderes são apoiados por eleitores ideologizados, que atacam a mídia crítica, as instituições democráticas, as pessoas que pensam diferente e a oposição política. São indivíduos que se informam através da Internet e falsificam informações em uma retórica alimentada pela raiva. Ele apontou o surgimento de movimentos nacionalistas radicais da extrema direita que pregam a xenofobia, o racismo e o ódio às minorias. São comuns também o protecionismo nacional e o intervencionismo, apelos pela liberação da posse de armas de fogo e discursos anticorrupção – ainda que muitos desses líderes populistas estejam envolvidos em casos de corrupção.

“O populismo é uma forma desviada da democracia que saiu dos trilhos”, avalia o professor, que falou de uma “vontade popular distorcida” e comparou o populismo contemporâneo aos totalitarismos do século XX, entre os quais o fascismo.

Segundo a socióloga e professora da UFBA, Graça Druck, com a eclosão da crise do capitalismo em 2008 e diante das graves condições de vida que o neoliberalismo impõe à população mundial, há um crescimento dos movimentos neofascistas em vários países. Ela falou sobre uma nova forma de ser, pensar e agir, pautada pela concorrência generalizada de todos contra todos. “É um novo modo de vida em que todos têm que agir e pensar como uma empresa”.

Avanços tecnológicos extraordinários, observa a professora, têm propiciado uma concentração de riqueza material e financeira que é inédita no mundo. “Tanto nos países centrais como nos periféricos, essa concentração se reverte em desemprego, desmoralização das instituições democráticas e criminalização da política”, afirma Druck, sinalizando elementos que ajudam a explicar o surgimento do neofascismo e o fortalecimento de expressões de xenofobia, racismo e misoginia.

“O neoliberalismo não tem a capacidade de resolver os problemas sociais e econômicos criados por esse tipo de política nas últimas décadas”, afirma ela, que acredita que muitos indivíduos, desesperados por causa da falta de trabalho e de perspectivas por melhores condições de vida, viram nos movimentos neofascistas o lugar para depositar as suas frustrações, transferindo para o outro, o imigrante, o diferente, todos os motivos da sua raiva e desesperança.

Graça Druck: “O neoliberalismo não tem a capacidade de resolver os problemas sociais e econômicos criados por esse tipo de política nas últimas décadas”

Graça Druck: “O neoliberalismo não tem a capacidade de resolver os problemas sociais e econômicos criados por esse tipo de política nas últimas décadas”

Graça Druck criticou o avanço de legislações antissociais aprovadas em benefício do mercado. No caso do Brasil, país periférico em relação ao capitalismo mundial, apontou o avanço de uma agenda imposta pela comunidade financeira internacional, a partir de entidades como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para subordinar o país aos interesses do mercado.

Nesse contexto, estão sendo destruídas conquistas fundamentais dos trabalhadores, o patrimônio e a soberania nacional. A aprovação da Emenda Constitucional (EC 95/2016), que congelou gastos sociais por 20 anos, tem resultado no estrangulamento das políticas públicas em áreas fundamentais como saúde e educação. Somada à crise econômica, a atuação político partidária de parte do sistema judiciário e a manipulação da mídia corporativa foram fundamentais para impulsionar as manifestações neofascistas no Brasil.

Druck lamentou as recentes ações que promovem o desmantelamento de instituições científicas, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Também criticou o corte de recursos financeiros para as universidades federais e o programa do governo que busca subordinar as instituições às entidades privadas e desresponsabilizar o Estado para como o financiamento das universidades. “Estamos em uma situação muito grave”, concluiu.

O presidente da comissão de estudos constitucionais da Ordem dos Advogados (OAB/BA), Marcos Sampaio, falou sobre o acirramento do debate atual na sociedade brasileira que tem dificultado a construção racional de argumentos e de um projeto para o país. Segundo ele, há um maniqueísmo e um binarismo típicos das disputas políticas que contaminaram a sociedade. Na era da pós-verdade, com a difusão das fake news, a atividade cognitiva estaria prejudicada, e as emoções passam a ser utilizadas em substituição à racionalidade, influenciando posições políticas e o voto, avalia ele.

Para Sampaio, esses apelos ganham força na era das mídias sociais e diante da descrença das pessoas na capacidade da política de resolver os problemas demandados – são, ele afirma, discursos preparados para dividir as pessoas e silenciar o debate. Dessa maneira, a cultura do ódio e da perseguição têm gerado a fragmentação da sociedade brasileira. “Cada um se torna prisioneiro de suas próprias ideias, que são defendidas como verdades sacrossantas”. Diante de guerras de narrativas, tem lugar um modo de governar que defende a exclusão dos derrotados.

“Parece ser esse o desafio da democracia: conviver com posições conflitantes”, afirmou o representante da OAB, para quem a conjuntura atual exige que cada brasileiro seja “um guerreiro flexível” que, sem abrir mão de seus valores, lute pela reconciliação do país.

O debate “Sobre a crise da democracia em tempos de populismo” fez parte do “Fórum de Democracia Europa-Brasil”, série de eventos organizados pela Embaixada da Alemanha em diversas cidades brasileiras, em cooperação com importantes instituições do país, entre as quais USP, TSE, PUC-RS, FGV-Rio e a UFBA. O propósito é discutir pautas do Estado de Direito e democracia, de relevância tanto na Europa quanto no Brasil.

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