Palestras, debates, rodas de conversas, atividades vivenciais e acolhimento estão entre as ações realizadas por vários segmentos da Universidade Federal da Bahia, como medidas de prevenção ao suicídio na comunidade universitária. Profissionais da Pró-reitoria de Assistência Estudantil e Ações Afirmativa (Proae) e do Serviço Médico Universitário Professor Rubens Brasil (SMURB) participam de vários eventos, ao longo do mês de setembro, conversando com trabalhadores e estudantes sobre o tema, aproveitando a campanha do Setembro Amarelo – iniciada no Brasil, desde 2015, pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) com o objetivo de promover eventos e espaços para debates, divulgação e importância da discussão, durante esse mês que abriga, no dia 10, o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio.
O Plantão de Acolhimento do Programa de Saúde Mental – PsiUFBA, que funciona há quase dois anos, na sede da Proae, apresenta uma estatística favorável: “entre todas as pessoas da Universidade que nos procuraram, não tivemos nenhum óbito por suicídio”, revelou o coordenador do serviço, o psiquiatra Marcelo Veras. Para ele, o êxito se dá, devido ao formato do acolhimento que é de “fácil acesso e sem burocracia, para qualquer pessoa na comunidade universitária que esteja num momento de urgência de um sofrimento subjetivo. Raras vezes, alguém voltou sem atendimento. Somos uma verdadeira brigada anti-suicídio”.
Esse modelo contribui de maneira ativa nas políticas desenvolvidas pela UFBA para a prevenção do suicídio, diz o médico, alertando que “é preciso dar atenção à questão no ambiente da vida acadêmica”. De acordo com o psiquiatra, o “crescimento do número do suicídio entre jovens, no mundo e, principalmente no Brasil – que teve um incremento de 1,8%, no último ano – é um fator preocupante, já que a população universitária é composta, predominantemente, dessa faixa etária”, frisou.
Além disso, Veras ressalta que “há questões específicas que configuram-se como motivos de preocupação, tanto para a UFBA como para outras universidades públicas, como uma ‘certa inquietação’ diante de fatores como a perda”. O especialista acentua que “não é possível dissociar o mal-estar que permeia atualmente, a vida universitária como a suspensão de recursos, ameaças de cortes, retirada de bolsas, agressões ao pensamento psíquico, redução das liberdades individuais. A cada momento, que se percebe oscilações nesses elementos, os impactos são automáticos nos atendimentos que são realizados no PsiU”.
Ele explica que momentos de perda, ou marcados por ameaças de perdas, são inquietantes e, ao longo da história e registram as maiores taxas de casos em que pessoas tiraram suas próprias vidas, por não saber como lidar com a ausência. “Nesses períodos, em que foram anunciados vários cortes, o aumento no fluxo de atendimento com queixas relacionadas é uma constante entre os estudantes”, contou.
“Não se trata de um pessimismo global, mas um pessimismo real sentido. Por exemplo: quando se tira uma bolsa de R$ 300 de um jovem, está retirando dele, a fonte de sustento, para se alimentar, então, de repente, em que vê que não vai ter como comer”, racionalizou o médico. O suicídio e situações de angústia onde a palavra não é falada explicitamente, mas que pode ser o clímax, é uma constante.
“Muitos estudantes ficam frustrados diante de retrocessos que estão sendo obrigados a fazer em suas vidas universitárias”, revelou a psicóloga plantonista, Regina Raposo. Cotidianamente, ela recebe jovens lamentando perdas de bolsas e imaginando o retrocesso de ter que voltar a morar no interior, retornar à sua cidade natal, morar com família e trabalhar no mercadinho local”, exemplificou.
“Além disso, há as queixas de falências dos ideais, de formação. Pois muitos chegam mudando seu caminho, dizendo que vão abandonar os cursos que escolheram, diante da falta de possibilidades no mercado. Eles passam a pensar em outras formações, em prol de um ideal liberalista, de garantir apenas o ganho financeiro. São angústias muito fortes, a ponto de pensarem que não tem saída”, completou.
São situações preocupantes, disse Veras, pois “a pobreza e o não ter não aumentam as taxas de suicídio, mas as situações onde há perdas podem levar a aumentar as taxas de suicídio. O perder é mais forte do que o não ter”. Por isso, é importante que o conhecimento de uma rede de apoio esteja bem disseminado na comunidade universitária. E apesar do trabalho intenso, o PsiU tem dado conta da demanda e atende a todos que o procuram. Alguns estudantes vêm por iniciativa própria ou trazidos por outros colegas e os professores procuram o serviço pedindo para realizar palestras e orientar como lidar com os estudantes, conta a psicóloga.
Modelo inovador

Coordenadores da equipe do Acolhimento do PsiU: o psiquiatra Marcelo Veras entre as psicólogas Regina Raposo e Martha Macedo.
Devido ao caráter inovador do PsiU, o psiquiatra Marcelo Veras é convidado a falar em várias instituições em todo o Brasil, principalmente universidades que desejam implantar serviços parecidos com o Plantão de Acolhimento. Segundo Veras, a inovação se dá porque “busca o foco principal, que é o encontro e acolhimento de alguém em sofrimento subjetivo, onde for possível. Por isso, não ficamos preocupado se teremos uma sede, um ambiente, espaço e etc…”, disse o médico. Esse modelo facilitou o acesso da pessoa em situações de emergência, pois temos um plantão no Whats App bem ativo e atendimento presencial com dois psicólogos de 9 às 17h, todos os dias.
O programa funciona em regime de extensionismo e muitos psicólogos desejam participar da equipe. Na última seleção para compor 12 vagas, no final do ano passado, houve 140 candidatos interessados, apesar de saberem que não seriam remunerados dentre eles, profissionais experientes e até professores universitários. “Todos queriam pegar a experiência de participar do nível dos debates que são realizados pelo grupo, sempre nas tardes das quartas-feiras. Temos um nível atento de reflexão teórica e psicanalística que, além do atendimento se constrói um saber sobre isso”, pontuou Veras.
Funcionando como um acolhimento pontual e não um tratamento a longo prazo, o médico ressalta que o PsiU “quebra a ideia” de que tudo que tem a ver com o sofrimento psíquico é longo e demorado. O PsiU já atendeu mais de 2.500 pessoas, em menos de dois anos. Por ano, mais de 1.200 estudantes, cerca de 3% de toda a UFBA e o perfil de atendimento tem se mantido – mais de 50% são jovens e do interior.
O volume aumentou a dinâmica pois a média inicial projetada era de 100 atendimentos por mês, mas já superou 120, um aumento de 20%. Pois os estudantes não vêm uma vez só, ficam entre 3, 4 até 8 vezes. Dá para gerenciar uma crise, mas não para ficar atendendo muito como um ambulatório de saúde mental. Um papel não psiquiatrizante, mas conecta o sofrimento ao seu histórico de vida. Longe do rótulo de doença mental.
Esse modelo segue um caminho natural e está dando o tamanho do projeto, que vai se adequando à cultura da UFBA. E o principal está cada vez mais sendo aperfeiçoado: a escuta e o saber clínico. O eixo mais importante é o de formar um saber de como acolher na universidade.
Apostamos na ideia de que é um espaço para participação de todos numa verdadeira brigada de acolhimento do sofrimento psíquico por isso trabalhamos com a dinâmica de um grupo permanente e ativo no Whats App. Pelo grupo, todos os 24 plantonistas estão envolvidos permanentemente por 24 horas e assim, todos ficam sabendo de tudo que está acontecendo. O psicólogo não está solitário, todos são acompanhados e fazem análise também.
O Plantão de Acolhimento do PsiU funciona na sede da Proae/UFBA, na rua Caetano Moura, Federação, de segunda a sexta-feira das 9 às 17h; nas quartas, até as 12h e também pode ser acessado via WhatsApp: 71 98707-1041.
Atividades do Setembro Amarelo na UFBA:
Data/Hora | Evento | Local |
23/09
10 às 12h |
Roda de Conversa:
Quando morrer parece uma alternativa – o que fazer para ajudar? |
Auditório do CPPHO |
25/09
15h |
Palestra:
Desafios do estudante universitário da UFBA: qualidade de vida e saúde mental.
|
Auditório Maria José Zezé de Oliveira – IME, em Ondina. |
30/09
8 às 12h15 |
Palestras e mesas redondas: – Suicídio é uma emergência psiquiátrica?- Comportamento suicida em crianças- Novas abordagens terapêuticas da depressão.- Suicídio: atuação multiprofissional na prevenção e abordagem do comportamento. |
Anfiteatro do HUPES |