Pesquisadores debatem implicações do uso de assistentes digitais na sociedade contemporânea

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Para o professor Marco Aurélio de Castro Júnior (ao centro), “é preciso dar atenção para essa tecnologia nova, pois ainda não dá para antever as complicações que virão a partir de seu uso”.

As implicações relacionadas ao direito à privacidade, sigilo da informação e apropriação de dados diversos, que são depositados nas nuvens computacionais, mediante o uso crescente dos assistentes virtuais, marcaram as discussões do I Congresso Internacional Multidisciplinar de Assistentes Digitais, promovido pelo Grupo de Estudos em Inovação, Tecnologia e Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (FDUFBA).

De acordo com o coordenador do evento e professor da FDUFBA, Marco Aurélio de Castro Júnior, “é preciso dar atenção para essa tecnologia nova, pois ainda não dá para antever as complicações que virão a partir do uso dessas aplicações, apesar das facilidades e vantagens que a utilização desses assistentes traz, como o controle do tempo, temperatura; organização de tarefas, arquivos; provisão de suprimentos, gerenciamento de compras, entre outras atividades pertencentes a várias áreas”.

Castro Júnior enfatizou que “a comunicação entre homem e máquina, na modalidade dos assistentes digitais – sistemas compostos, equipados com caixas de som, telas de LCD, óculos, anéis, smartphones e capacidade de se conectar a uma base de dados, acessada por programa de inteligência artificial, como o Cortana, da Microsoft; o Siri, da Apple; o Google Assistente do Google e a Alexa, da Amazon – será cada vez mais crescente e ampliada na sociedade contemporânea, a fim de atender às mais diversas demandas”.

“A atualidade desses sistemas de inteligência artificial (Artificial Intelligence – AI) e aprendizagem de máquina (machine learning) e sua forma ampla de aplicação é que o há de mais moderno no mundo da tecnologia e exige uma abordagem multidisciplinar”, disse o professor. Por isso, nos últimos dias 18 e 19/11, o encontro reuniu acadêmicos das áreas do direito, educação, comunicação, filosofia, medicina, tecnologia, inovação, engenharias, psicologia e psicanálise, arquitetura, marketing e negócios a fim de aprofundar as reflexões já realizadas pelo grupo de pesquisa em inovação, tecnologia e direito da FDUFBA.

No campo do Direito, o docente salientou que a repercussão da AI e da machine learning é direta, pois “exige-se contratos específicos e altamente especializados, visando proteção da privacidade e obediência à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018), proteção aos idosos e crianças, redução da exposição das empresas aos novos riscos jurídicos que se apresentam, uso de dados extraídos dos dispositivos para provas judiciais, controle social pelo acesso a um volume gigantesco de dados e etc”.

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Cláudio Cardoso chamou atenção para “possíveis impactos psíquicos e emocionais, causados pela comunicação direta e fluente entre homem e máquina”.

Áreas como o varejo, a saúde, os serviços públicos, o ensino e a pesquisa serão as mais impactadas, assinalou o especialista em comunicação e marketing, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA, Cláudio Cardoso. Ele também chamou atenção para “possíveis impactos psíquicos e emocionais, causados pela comunicação direta e fluente entre homem e máquina e a crescente dependência nossa em relação a eles”.

Além disso, haverá impactos do uso dessas tecnologias no mundo do trabalho. Castro Júnior crê que “os assistentes desempenharão funções que hoje são realizadas pelos humanos, enquanto a tomada de decisões e realização de tarefas mais complexas caberão às pessoas, por isso, ainda restarão postos de trabalho para os mais qualificados”. Já Cardoso vislumbra que “os trabalhadores serão substituídos aos poucos, pelas máquinas inteligentes”.

Por sua vez, a professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação (ProfNIT) e do Instituto de Ciências da Saúde (ICS/UFBA), Angela Machado Rocha, aponta previsões com base estatística para o ano de 2021, segundo as quais 25% dos trabalhadores usarão assistentes virtuais diariamente. “Ainda estamos nos acostumando à invasão dos robôs, e os assistentes digitais são uma inovação que nos deixa perplexos devidos ao desconhecimento dos desdobramentos, já que se utilizam do processamento da linguagem natural humana e são capazes de realizar interpretação, imitação e simulação, gerando a despersonalização”, alertou.

Cláudio Cardoso advertiu que “é preciso estar atento aos limites entre a tecnologia e sua aplicação e entender como funciona a machine learning – que se dá pela apreensão dos padrões de comportamento, coleta sistematizados traçando correlações e construção de conhecimento através de algoritmos”. Ele também apontou para a tendência de transparência e rastreabilidade que deve ser embutidas nas novas tecnologias, as quais que deverão trazer todo o seu histórico de usabilidade.

O pesquisador falou sobre os desdobramentos no data-driven (processos orientados pela coleta de dados e análise da informação) e referiu-se aos atuais espaços inteligentes (smart spaces) das subnuvens (subclouds), onde são realizadas diversas operações de comunicação em dispositivos tecnológicos – como por exemplo, o reconhecimento da digital de acesso por terminais caixas rápidos – ressaltando a necessidade de esclarecimentos sobre o que acontece, principalmente, em relação aos pedidos de autorização, feitos aos usuários.

O uso de assistentes de voz na medicina também não é algo novo, informou o médico e professor da Pós-Graduação em medicina da Faculdade de Medicina da UFBA, Ubirajara de Oliveira Barroso Júnior. Para ele, “o que mais choca é a privacidade de dados dos pacientes, pois todas as informações serão depositadas na nuvem”.

“O desaparecimento de áreas como radiologia e dermatologia e maior frequência das cirurgias robóticas, utilizando realidade aumentada, serão as maiores implicações na saúde”, acredita o médico, que é Chefe do serviço de urologia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES-UFBA). Barroso Júnior também afirmou que o data-driven servirá para a personalização dos planos de saúde, além de facilitar um possível “projeto de unificação de prontuários médicos nas redes pública e privada para facilitar o cesso à saúde”.

Todos os pesquisadores concordaram que o uso dos assistentes digitais não será um fenômeno paulatino, mas sim exponencial. Para Castro Júnior, “no início, pode até parecer suavemente crescente, mas em certo momento, todos nós usaremos assistentes digitais. Eles estão em todos os smartphones vendidos atualmente, e é bom lembrar que já existem mais celulares no Brasil do que pessoas”.

Diante da possibilidade desses assistentes de “ouvir, gravar, monitorar, induzir à tomada de decisões e reduzir a capacidade de escolha das pessoas, mediante à influência que exercem”, surgem várias questões relacionadas à segurança e privacidade dos dados que estarão na nuvem e quem poderá ter acesso, como empresas e grandes grupos, e se tais informações serão usadas de forma responsável.

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Angela Rocha: “O quê essa tecnologia dos assistentes digitais fará em relação à apropriação dos dados?”

Neste sentido, a maior questão ética do congresso foi colocada por Rocha, que é a chefe do Núcleo de Transferência de Tecnologia da Coordenação de Inovação da Pró-Reitoria de Pesquisa, Criação e Inovação (NIT/PROPICI-UFBA): “o quê essa tecnologia dos assistentes digitais fará em relação à apropriação dos dados?” A professora enfatizou que “quem detiver esse conhecimento, estará com um poder muito grande nas mãos”.

Cuidados com a privacidade e superexposição

Dados como localização, identidade da voz, nome, endereço, número do CPF, preferências sobre os mais variados temas, luminosidade, temperatura, umidade, pressão atmosférica, velocidade de deslocamento e sua direção, e-mails, mensagens, fotos, filmagens e et,  já são rotineiramente coletados, quase sempre sem o real consentimento dos usuários. Mas com o crescente uso dos assistentes, o professor Castro Júnior defende que  “é preciso dar mais atenção para a proteção da privacidade e, principalmente, da intimidade das pessoas, evitando a superexposição e compreendendo bem quais informações estão sendo coletadas e transmitidas”.

Outro cuidado deve ser com os termos de uso que permitem a coleta dessas informações, “quase sempre em linguagem incompreensível para quem não é especialista no tema”, ressaltou Cardoso. Para minorar tais danos, “o Estado precisa atuar com seu papel de organizador do uso desses dispositivos, sem cercear a liberdade, o empreendedorismo, a inovação e a livre iniciativa, sugeriu o docente de Direito.

Além disso, “as empresas devem cuidar para proporcionar serviços e produtos crescentemente seguros e os cidadãos devem adotar meios para proteger sua privacidade, intimidade, liberdades, inclusive contra o próprio Estado e contra os grandes conglomerados que são os que têm maior potencial de causar danos aos cidadãos”, complementou Castro Júnior.

O sigilo de informações também fica ameaçado, já que os assistentes ouvem, processam e gravam as conversas. “Existe também o recurso da pós-escuta humana para uma maior compreensão do contexto em que foi dito. No caso dos escritórios de advocacia, o procedimento ético será informar claramente para o interlocutor/cliente que alguém está ouvindo o que está sendo dito e analisar possíveis ameaças com muito cuidado”, afirmou. Nas diversas áreas das profissões regulamentadas – do entretenimento ao estudo; da segurança ao conforto domiciliar e empresarial – e não apenas as pessoas, mas também as empresas vão usar crescentemente a voz para se comunicar com as máquinas, acredita Castro Júnior.

Grupo de pesquisa DITUFBA

O Grupo de Estudos em Inovação, Tecnologia e Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (DITUFBA) funciona há cerca de dois anos, na FDUFBA e reúne pesquisadores de várias áreas do conhecimento, além de professores de universidades estrangeiras como o Massachussetts Institute of Tecnology (MIT-EUA).

O professor Marco Aurélio, coordenador do grupo, afirma que “estamos fazendo pesquisa contemporânea aos fatos e não estudando o que já passou e ser contemporâneo de nós mesmos é um grande desafio”. No caso dos assistentes digitais, “estamos estudando e pesquisando concomitantemente com a chegada oficial deles no Brasil”, afirmou.

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