A UFBA no Parque Tecnológico: um olho avançado sobre as multidões

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Modernizar a Bahia já significou, nos anos 1950, atrair artistas e cientistas estrangeiros para dinamizar a inteligência local. Já significou, nos anos 1970, atrair indústrias para o nascente polo petroquímico, enquanto novas avenidas davam a Salvador feições de metrópole. Hoje, modernizar a Bahia significa algo bem menos visível e barulhento: o desafio, agora, é engatar o Estado nas grandes cadeias de pesquisa em novas tecnologias em áreas estratégicas, como o desenvolvimento de soluções digitais inteligentes para problemas da vida urbana, o uso de supercomputadores para incrementar grandes políticas de saúde pública, e o estudo de novas modalidades de uso de energia limpa.

Ou seja: modernizar, hoje em dia, significa buscar resolver os problemas que os sonhos de modernidade do passado produziram: cidades inchadas e poluídas, cujo ritmo de vida acelerado obriga à tomada de milhares de decisões por minuto, cada uma com potencial de provocar impactos na segurança, na saúde e na sustentabilidade energética de grandes populações. Imersos nesse contexto, representantes da atual geração baiana de cientistas – capitaneada pela UFBA – e gestores públicos têm buscado desenvolver novas tecnologias em um espaço auspicioso: o Parque Tecnológico da Bahia, uma área de 581 mil metros quadrados na avenida Paralela, concebida pelo Governo do Estado em 2012 com a finalidade de incubar ou abrigar iniciativas tecnológicas que partam de universidades e de empresas baianas.

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O parque: numa área de 581 m2, abrigo para tecnologia de ponta

Ali, atualmente, três grandes projetos inserem a UFBA no Parque Tecnológico: o Fraunhofer Project Center na UFBA (FPC), um centro de projetos, com foco em tecnologias digitais, voltado ao desenvolvimento de soluções inteligentes para os mais diversos tipos de demandas da vida urbana; o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), uma ampla frente de pesquisadores que abraçou a missão hercúlea de integrar diversas bases governamentais de dados socioeconômicos e de saúde pública, visando construir um robusto banco de dados – com informações sobre mais de 100 milhões de pessoas – sobre as condições de vida da população brasileira, a partir da qual se poderá avaliar e incrementar políticas públicas; e o Laboratório de Certificação de Componentes para Energia Solar Fotovoltaica (LabSolar), um centro de pesquisa, formação profissional e certificação de placas geradoras de energia solar, uma das mais baratas e abundantes formas de produzir energia elétrica sem causar grande impacto ambiental.

 

À primeira vista, além da relação com a UFBA, a semelhança entre as três iniciativas parece ser somente o fato de estarem instaladas no Parque, uma vez que os projetos são inteiramente independentes na temática, nos objetivos específicos e nas fontes de financiamento. Mas, vistos de perto, FPC, Cidacs e LabSolar têm bem mais em comum, pois partem de uma concepção semelhante de ciência, cujos pilares são a interdisciplinaridade, que compele não apenas à mobilização de pesquisadores com formações diversas, como à interação entre eles, produzindo novos conhecimentos que transpassam os limites de suas respectivas áreas de origem; a interação contínua, desde a fase de concepção das pesquisas, com os potenciais clientes finais dos produtos e serviços em desenvolvimento, privados (indústria e mercado) ou públicos (governos), porém sempre sob a liderança científica da Universidade; a internacionalização da produção do conhecimento, através do diálogo e da atração de pesquisadores, instituições e tecnologias estrangeiros; e a cooperação interinstitucional com empresas, agências de fomento e outras universidades da região, do país e do mundo. “Vejo a UFBA como líder de todo um ecossistema que visa mudar a forma de fazer pesquisa na Bahia”, resume a professora Vaninha Vieira, do departamento de ciência da computação do Instituto de Matemática da UFBA, coordenadora do FPC na Bahia.

 

Salvar grandes multidões

Dos três projetos ligados à UFBA no Parque Tecnológico, o Fraunhofer Project Center é, atualmente, o mais consolidado. Instalado desde 2012 em três salas contíguas do multifuncional Edifício Tecnocentro, o FPC é uma parceria entre a UFBA, através do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação (ligado ao Departamento de Ciência da Computação, do Instituto de Matemática), e o Fraunhofer Institute, uma entidade privada alemã voltada à pesquisa de tecnologias aplicadas – soluções para problemas concretos da indústria, de empresas e do governo – que tem 67 unidades espalhadas por dezenas de países, entre os quais EUA e países europeus.

O modelo de negócio trazido pela Fraunhofer é tripartite: a UFBA cede a expertise universitária, aí inclusos o tempo de trabalho e a formação acadêmica de seus, e custeia itens básicos, como energia elétrica e serviços de internet e telefonia; e os dois terços restantes são custeados pelos financiamentos dos projetos em desenvolvimento, através de parcerias com entes privados, como indústrias, e entes governamentais. A coordenação do FPC na Bahia está a cargo da professora Vaninha Vieira, que substituiu o também professor da UFBA Manuel Mendonça, idealizador parceria com o instituto alemão, após seu desligamento para se tornar secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Bahia – cargo que deixou no início deste ano.

 

Essa estrutura básica é o ponto de partida para que o time do FPC possa soltar a criatividade. A equipe, que começou com apenas seis pessoas, hoje é um grupo multidisciplinar de mais de 30 profissionais, entre docentes de diversas universidades baianas públicas e privadas, pesquisadores bolsistas e profissionais contratados. Num dia, por exemplo, se está trabalhando na criação de uma fila nacional de transplantes de órgãos, por meio da integração das diversas bases de dados estaduais numa complexa “fila única inteligente” – o sistema e-SNT, encomendado pelo governo federal em 2012, atualmente em fase final de desenvolvimento. No outro, já se está quebrando a cabeça para inventar, do zero, um conjunto de ferramentas eletrônicas inteligentes capaz de compilar, analisar e transmitir informações sobre emergências que impactam grandes multidões, em cenários como estádios de futebol ou plantas industriais – o sistema Rescuer, a menina dos olhos do FPC.

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Um app é ponto de partida do Rescuer, sistema para monitorar acidentes que impactam a multidão

Dito de maneira simplória, a tecnologia do Rescuer tem como ponto de partida um aplicativo de celular que recolhe e direciona todo tipo de registro (foto, texto, áudio e vídeo) feito por pessoas que experimentam situações de emergência (por exemplo, acidentes em grandes eventos, como shows, jogos de futebol ou mesmo no carnaval, ou em locais de alto risco, como plantas industriais). Do outro lado, uma central eletrônica inteligente recebe esses dados e faz uma triagem deles, consolidando informações confiáveis, que são fornecidas em tempo real para que gestores possam tomar decisões, como ordenar a evacuação dos espaços, mobilizar meios de resgate, comunicar-se com pessoas in loco ou informar grandes públicos, como a imprensa e as mídias sociais.

Parece simples, mas uma tecnologia como essa não se cria da noite para o dia: todo o processo de desenvolvimento levou cerca de três anos. Cada funcionalidade do aplicativo, por exemplo, foi definida a partir de uma série de questionários minuciosos, realizados junto a quem atua diretamente com emergências – trabalhadores da indústria petroquímica, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e Polícia Militar, parceiros do projeto Rescuer que, com base nas experiências acumuladas no dia-a-dia, indicaram à FPC que tipo de informações são necessárias para se ter a dimensão exata da magnitude do problema, das condições de acesso às áreas afetadas, da quantidade de pessoas atingidas ou potencialmente expostas a risco, e mesmo do que é razoável informar ao público sobre o acidente, de modo a orientar ações e debelar boatos, sem gerar pânico.

 

Daí que, na prática, o Rescuer é capaz não apenas de transmitir fotografias, mas de detectar nas imagens indícios importantes, como coloração de chamas e fumaça, com base em um algoritmo desenvolvido sob encomenda por uma equipe do Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação da USP, parceira do projeto. É capaz não apenas de transmitir mensagens de texto, mas de triar palavras-chave (como “incêndio” ou “socorro”, por exemplo) e de quantificar as emissões, de modo a indicar rapidamente se se trata de um alerta relevante ou de um alarme falso. É capaz também de determinar a qualidade das informações fornecidas, a partir das credenciais do informante: dados enviados por bombeiros, policiais, equipes de segurança ou profissionais especificamente qualificados (como químicos, no caso de acidentes numa planta industrial) pesam mais do que dados informados pelo público comum.

 

Sozinha, a equipe da FPC-UFBA não teria conseguido desenvolver um software tão eficiente. Daí a importância dos parceiros – além da USP, a empresa baiana de software MTM e o Comitê de Fomento Industrial de Camaçari (COFIC), do lado brasileiro; do lado europeu, a Universidade Politécnica de Madri, o Centro Alemão de Pesquisas em Inteligência Artificial (DFKI), a Vomatec e a FireServ, duas empresas especializadas em incêndios, resgates e gestão de crises na indústria.

 

“É uma ferramenta de extrema importância, porque integra informações e facilita a tomada de decisões e a difusão de informações para fora do ambiente industrial”, afirma Érico Oliveira, assessor de comunicação e desenvolvimento do COFIC, entidade que representa mais de cem empresas do pólo petroquímico de Camaçari. Entre elas estão Braskem, Dow Química, Monsanto e Unigel, empresas que acompanharam de perto o desenvolvimento do Rescuer desde o início, realizando inclusive simulações em uma área de treinamento do pólo.

 

Apresentado a uma equipe de gestores e técnicos da Prefeitura de Salvador, o Rescuer impressionou. Tanto que, em seguida, a Prefeitura encomendou à FPC um projeto à parte: uma tecnologia que ajudasse a otimizar a gestão dos riscos e a concessão de benefícios sociais em casos de desastres urbanos – como, por exemplo, desabamentos causados pelo deslizamento de encostas em períodos de chuva na capital baiana. Sob a condução de Leila Magalhães, coordenadora da FPC no Brasil ao lado da professora Vaninha, o Sistema de Gerenciamento da Defesa Civil (SGDC) foi desenvolvido rapidamente – em grande medida utilizando a experiência acumulada no desenvolvimento do Rescuer.

 

O primeiro teste do sistema foi no período de chuvas do ano passado em Salvador, entre os meses de março e junho. Os impactos foram sensíveis: antes, numa situação de emergência, os técnicos da Defesa Civil coletavam os dados in loco em formulários de papel, ou por telefone, através do número de emergências 156. Os dados levavam, muitas vezes, semanas para serem digitalizados – o que atrasava a abertura de processos para concessão de auxílio às vítimas. “Esse preenchimento agora é automatizado, por meio de tablets e formulários específicos para cada tipo de ocorrência, e já gera, em um ou dois dias, um laudo eletrônico, que acelera a abertura do processo para as famílias que necessitam de abrigo ou benefícios”, explica Leila. Foram criadas também ferramentas que ajudam a prefeitura a mapear previamente áreas de risco, além de um banco de dados de informações sobre o regime de chuvas de Salvador, contribuição dos pesquisadores do Departamento de Ciência e Tecnologia dos Materiais da Escola Politécnica da UFBA Luciene de Moraes e Luis Edmundo Campos.

 

“Um projeto vai puxando o outro”, diz Leila, e assim o FPC não para. O mais novo é o Living Lab: um laboratório físico, ainda em fase preliminar de estudos, que será construído pela SECTI, a um custo de R$ 2,5 milhões, e servirá para ensaiar soluções digitais inteligentes em um ambiente controlado, que simule as condições reais de uma cidade. Uma cidade do presente, com soluções do futuro – um futuro que, a se concretizar o imaginário científico mais otimista atualmente, será marcado pelas noções de crowdsourcing [contribuição colaborativa] e internet das coisas: um mundo em que não apenas as pessoas, mas também os objetos estarão conectados, fornecendo permanentemente informações a uma grande rede inteligente, capaz até de autogerir-se.

 

Nesse futuro, roupas serão capazes de aquecer ou resfriar, conforme detectem frio ou calor; geladeiras informarão quais itens estão faltando, para que as compras possam ser entregues em casa; carros não apenas se autodirigirão, como irão sozinhos à manutenção – e mais tudo o que se puder imaginar desse tipo. Oxalá esse futuro eletrônico seja mesmo libertário, como imaginam os cientistas de hoje – e que os robôs, com seus supercérebros eletrônicos, nunca resolvam se levantar contra os homens, como nos filmes de ficção científica.

 

Saúde em larga escala

No cinema, filmes lançados em diferentes momentos, como “1984” (1984) “Gattaca” (1997), “Eu, Robô” (2005) e “Jornada nas Estrelas” (2013) prenunciam imagens diferentes do futuro; todas, porém, com um traço em comum: será possível, num piscar de olhos, levantar um histórico detalhado da vida de qualquer pessoa. Pela análise da íris, da impressão digital, de um fio de cabelo ou de uma gota de sangue, será possível acessar instantaneamente seu histórico, num banco de dados que contém tudo sobre todas as pessoas. Ainda estamos bem longe disso; mas, se levada ao extremo, a premissa de integração de bancos de dados demográficos, socioeconômicos e de saúde pública que norteia o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) promete nos levar a algo bem parecido.

Ao menos no que toca ao banco de dados: afinal, a audaciosa meta do Cidacs é tornar possível a integração das principais bases de dados sobre o desenrolar da vida dos cidadãos brasileiros: basta que eles tenham sido atendidos por algum tipo de serviço público uma vez na vida. Ao contrário dos filmes, a pretensão é de que essa integração será para fins benignos e estritamente socio-epidemiológicos. A ideia é poder relacionar o impacto das diferentes políticas públicas – ou da ausência delas – umas nas outras e na vida dos cidadãos. Ou seja: saber se um grupo de pessoas cujas famílias foram beneficiárias de programas sociais, como o Bolsa Família, avançou, de fato, nas condições materiais e de saúde; ou se os moradores de determinada região de uma cidade apresentam maior percentual de contaminação por uma tal ou qual doença; ou se os pacientes tratados com um determinado medicamento apresentaram, anos depois, alguma sequela imprevista; ou se os filhos de mães subnutridas apresentam desempenho escolar abaixo do esperado.

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Barreto no Cidacs: big data para montar uma megabase sócio-epidemiológica sobre uma coorte de 100 milhões de brasileiros

O mentor da ideia é o professor Maurício Barreto, titular aposentado de epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (ISC) e pesquisador da Fiocruz Bahia. Após realizar um estudo sobre os impactos do Bolsa Família na saúde pública, em 2013, Barreto cogitou ampliar a base de dados, para esticar o alcance da análise. Conseguiu junto ao Ministério do Desenvolvimento Social o acesso aos dados do CadÚnico (sistema que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, para que possam ter acesso aos programas sociais do Governo Federal). Era o que ele precisava para propor talvez a maior pesquisa de tipo coorte (um tipo de pesquisa que abrange grandes grupos de pessoas atingidas por um mesmo evento) já feita no Brasil, com os dados de mais de 100 milhões de pessoas.

 

Sob a coordenação de Barreto, o Cidacs chegou ao Parque Tecnológico em novembro do ano passado. A equipe de trabalho conta aproximadamente 50 pesquisadores e profissionais – a metade, mais ou menos, ligada à UFBA, de áreas tão diversas quanto saúde coletiva, economia, nutrição, física e computação. Prova de que não se trata de um projeto pequeno são os aportes de parceiros internacionais ao Cidacs, como o Newton Fund e o Welcome Trust (importantes fundos britânico de financiamento científico), a Fundação Bill & Melinda Gates (do casal de milionários dono da plataforma Windows) e a Organização Mundial da Saúde.

 

O objetivo do Cidacs é integrar tantas bases de dados quantas for possível, adotando o conceito de big data, ou seja, estudos a partir de grandes bases de dados, permitindo inverter a lógica tradicional da pesquisa: em vez de estudos amostrais localizados, a aposta passa a ser no trabalho com grandes áreas, grandes contingentes populacionais e variáveis de larga escala. “Isso muda a forma de fazer ciência na área da saúde”, acredita o professor Barreto. Aos dados do CadÚnico, a equipe do Cidacs pretende integrar os dados de outras bases, como as de atendimentos pelo Sistema Único de Saúde, dos programas de Saúde da Família e de contaminações por doenças como dengue, zika, hanseníase, leishmaniose e tuberculose, entre outras.

 

Tecnicamente, porém, essa não é uma tarefa nada simples – não é à toa que apenas países pequenos e ricos, como Bélgica e os da Escandinávia possuem sistemas bem integrados de saúde pública. Em primeiro lugar, não é algo que se faça usando qualquer computador, razão pela qual o Cidacs adquiriu o supercomputador Omolu, com capacidade equivalente à de centenas de PCs normais somados, que fica localizado no Senai/Cimatec (instituição parceira, que reúne as condições de refrigeração e de segurança adequadas) e é ligado por mais de 3 quilômetros de cabos de fibra ótica aos terminais de consulta que estão sendo instalados no Parque Tecnológico.

 

Segundo, porque, no jargão da ciência da computação, nem sempre as diferentes bases de dados “conversam” – ou seja, por terem sido concebidas em momentos distintos e por diferentes entres públicos, as bases geralmente utilizam linguagens computacionais diferentes, o que demanda a criação de algoritmos para que a integração seja feita de forma precisa, evitando perdas, conflitos ou trocas de dados. E aí entra a necessidade do trabalho interdisciplinar: se não conhecer um mínimo de áreas diferentes da sua, como epidemiologia, por exemplo, nem mesmo o melhor dos engenheiros de computação conseguirá criar os tais algoritmos. “Quem não sair do ‘modo especialidade’, não vai conseguir”, observa o cientista da computação Roberto Carreiro, pesquisador conveniado à Fiocruz, coordenador da área de informática do Cidacs. Após analisadas, as bases poderão ser integradas por semelhança total dos campos de informação (como nome, filiação, números de documento etc) ou por probabilidade (que permite a integração dos dados mesmo que sejam identificados erros de preenchimento, como letras ou números trocados, desde que a maioria dos outros dados seja igual).

 

O terceiro desafio do Cidacs é de natureza ética: uma vez realizada a integração, a disponibilização pública dos dados à comunidade de pesquisadores – uma das premissas do projeto – suscita delicadas questões: como, por quem e com que grau de profundidade essas informações serão manipuladas? Nesse sentido, é justamente para impedir a invasão da privacidade (cerne dramático, aliás, de muitos filmes de ficção científica) que o Cidacs está desenvolvendo toda uma engenharia e protocolos de segurança para o acesso aos dados.

 

Os terminais de acesso às bases de dados armazenadas no supercomputador ficarão em uma sala especial do Parque, cuja entrada será hiper-restrita e controlada, com direito a análise de impressão digital, portas com travamento eletrônico, CPUs protegidas por cadeados, paredes de chumbo super-reforçadas e câmeras de vigilância que filmam o rosto de cada usuário. Do protocolo de segurança, o essencial, segundo Carreiro, é o seguinte: 1) nenhum pesquisador terá acesso direto ao computador central, que armazena os bancos de dados; 2) só será possível consultar as bases mediante encomenda prévia e sem o acesso a dados que permitam individualizar a pesquisa, como nome, números de documentos ou outras informações que identifiquem um indivíduo; e 3) uma vez selecionados pelo pesquisador, os dados deverão passar por uma curadoria, que aprova ou não a cessão das informações,  que só então poderão ser disponibilizadas para uso. Afinal, para evitar que o futuro seja como o dos filmes de ficção científica, toda precaução é bem-vinda.

 

Energia limpa, futuro azul

 

Qualquer que seja a imagem de como o mundo será no futuro, o certo é que ele será cada vez mais movido a energia elétrica. O cenário será desolador se as principais matrizes energéticas continuarem sendo a hidrelétrica, o petróleo ou o carvão – que ou são escassas, ou provocam severos danos ambientais, ou as duas coisas juntas. Mas, no que depender do professor do Instituto de Física da UFBA Denis David e da equipe do Laboratório de Certificação de Componentes para Energia Solar Fotovoltaica (LabSolar), coordenada por ele, a principal fonte de energia do futuro será limpa e abundante.

LabSolar

LabSolar, muito trabalho em prol de energia limpa e abundante

Prestes a ser inaugurado, em março, o LabSolar será um laboratório de verificação de placas solares, uma mescla entre centro de pesquisa de novas tecnologias e uma espécie de “Inmetro” desse segmento – o chiste não é à toa, pois, segundo o professor David, o credenciamento junto ao órgão, para realizar procedimentos de certificação das placas, é uma das metas do projeto. Isso porque o aporte de aproximadamente R$ 3,5 milhões feito pela Coelba, fruto de uma exigência de investimento em pesquisa da Agência Nacional de Energia Elétrica, destinou-se à construção do espaço físico – um prédio de 600 m², anexo ao edifício principal do Parque Tecnológico – e à aquisição dos equipamentos, mas não ao custeio da operação do laboratório, de modo que o LabSolar terá que buscar fontes de recursos próprios, como certificações, cursos de formação para técnicos em energia solar e serviços de calibração de sensores e fontes de luz solicitados por indústrias e laboratórios.

 

Certificar uma placa solar não é um processo simples: é preciso demonstrar quea energia gerada é compatível com a tensão da rede elétrica, e que a placa resiste a todo tipo de intempérie, como variações de temperatura e níveis de exposição à erosão pela água da chuva, por vento e areia e mesmo pela sombra – se exposta por tempo prolongado à sombra, uma placa solar pode queimar, pois “se quando expostas ao sol as células fotovoltaicas funcionam como geradores, na sombra, elas funcionam como resistências, e isso pode danificá-las”, explica o professor David.

 

Esses testes requerem equipamentos caros e importados, como o simulador solar flash (uma lâmpada fabricada na Suíça e custa entre R$ 700 mil e R$ 800 mil, que acende por alguns milissegundos, para medir quanto de energia um painel solar pode produzir), o simulador solar contínuo (uma câmara de exposição à luminosidade por várias horas seguidas, para verificar a durabilidade das placas solares) e a câmara climática (que usa tecnologia chinesa e consegue simular variações de temperatura entre – 40 e + 80 graus celsius).

 

Francês radicado no Brasil há quase duas décadas, o professor Denis David trocou o emprego de pesquisador do Ofício Nacional de Pesquisa Aeroespacial da França pela pesquisa em energias renováveis na Bahia – primeiro na Universidade Estadual de Feira de Santana e, a partir de 2004, na UFBA. A motivação, segundo ele, foi a “vontade de trabalhar com energias renováveis”, no bojo das “ideias de ecologia e ambientalismo que tomaram força a partir dos anos 1980”. O professor David há de ter feito a escolha certa – e, ao contrário dos distópicos cenários cinzentos dos filmes de ficção científica, o céu do futuro há de continuar sendo azul, feito o céu da Bahia.

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