Livro revisita a trajetória de David Bohm, um físico preocupado com questões sociais

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Livro foi lançado recentemente e convida a uma reflexão atual e relevante sobre a história da física.

Aspectos importantes, mas pouco discutidos, da vida acadêmica do cientista David Joseph Bohm estão reunidos no livro David Bohm A life dedicated to Understanding the Quantum World (David Bohm Uma vida dedicada à compreensão do mundo quântico), do professor do Instituto de Física e pró-reitor de Pesquisa e de Pós-Graduação da UFBA, Olival Freire Jr., lançado recentemente pela editora alemã Springer, uma das mais importantes do mundo em publicações na área de história da ciência.

A obra, que traz um resumo da atuação de Bohm contextualizada em diferentes momentos históricos, mostra como o físico norte-americano passou a maior parte de sua vida buscando aprimorar a pesquisa sobre os fundamentos da mecânica quântica e por quais motivos tornou-se um dos mais importantes físicos do século XX.

Freire ressalta que as contribuições das ideias e obras de David Bohm ampliaram-se para vários outros campos científicos. “Por isso, a obra é uma tentativa de lidar com as tendências conflitantes deste que foi um dos mais importantes cientistas do campo da física”, afirma o autor.

O volume é destinado a estudantes, físicos, historiadores e filósofos da ciência interessados em enquadrar as ideias e a vida de Bohm na história do século XX. Com 258 páginas divididas em 8 capítulos, pode ser visto como um desdobramento do livro The Quantum Dissidents Rebuilding the Foundations of Mecânica Quântica 1950 –1990, publicado por Freire, em 2015, que apresenta importantes personagens da história da física.

Escrito em inglês, o texto é de fácil leitura, já que evita expressões técnicas do campo da física e enfatiza a narrativa no campo da história da ciência. O autor destaca reflexões filosóficas de Bohm que extrapolaram a física moderna e estabeleceram um diálogo com a sociabilidade humana, somada a uma aguda consciência social preocupada com as desigualdades existentes, principalmente, no Brasil.

Como relato histórico, o livro analisa fatos do mundo sócio-econômico e revela como, ainda na adolescência, nasceram as preocupações de Bohm com questões políticas e sociais, observando que, nesse período, ele vivia nas proximidades de uma mineradora de carvão no estado da Pensilvânia (EUA), que funcionava em condições de trabalho opressivo e com uso generalizado de trabalho infantil e sistemas de subcontratação injustos.

Olival Freire, pró-reitor de Pós-Graduação: “A expectativa é de contribuir para a racionalização das atividades e a economia de tempo”

Olival Freire Jr. estudou aspectos da obra de Bohm em diferentes momentos de sua vida acadêmica.

Olival explica que a escolha pelo personagem teve origem em seu doutorado na Universidade de São Paulo (USP), quando fez uma pesquisa sobre a recepção da interpretação causal que Bohm fez da mecânica quântica.

O professor estudou aspectos da obra de Bohm em diferentes momentos de sua vida acadêmica. “Em meu doutorado, entre 1991 e 1995, estudei a recepção na década de 1950 de sua proposta de reinterpretação da teoria quântica. Mais tarde, em 2005, publiquei um artigo particularmente focado no seu período no brasileiro, entre 1951 e 1955”. Desde 2015, Olival “trabalha de modo sistemático, mas não continuado no projeto da biografia”. Para concluir a escrita do texto, “foi essencial, um período de afastamento da UFBA, por um semestre, em 2018”.

Para escrever a biografia, Olival recorreu aos já existentes estudos e recursos sobre a vida e as obras de Bohm, publicadas nas últimas quatro décadas. Como já existe uma primeira biografia de Bohm, escrita por David Peat, o autor preocupou-se em construir um texto que apresentasse pontos relacionados mais à “vida de Bohm do que [às] idéias de Bohm. Ser mais preciso em pontos-chave no desenvolvimento de sua busca por entender a teoria quantum e suas implicações filosóficas”.

“O fato de David Bohm, quando perseguido pelo macartismo nos EUA (perseguição anticomunista liderada pelo senador norte-americano Joseph McCarthy, nos anos 1950), ter se exilado no Brasil, tendo então ensinado na USP, foi essencial na minha aproximação. Quando fiz mestrado e doutorado na USP, em história social, convivi com pessoas, como Amelia Hamburger e Alberto da Rocha Barros, que o tinham conhecido em São Paulo e que mantinham intercâmbios com ele, então já em Londres”, revelou. Olival confessa ser “impressionado com a vida dele, pois espelha alguns dos dramas do século XX: afinidade inicial com o comunismo, vítima do marcatismo e exílio dos EUA”.

Além disso, chama atenção a inclinação de Bohm “pela interpretação heterodoxa da mecânica quântica, que ainda conduzia às mesmas previsões experimentais obtidas pela teoria quântica ortodoxa”. O autor acrescenta também que ficou “fascinado com a existência de interpretações alternativas, mas empiricamente equivalentes, da mais fundamental das teorias físicas, a mecânica quântica. Isto desafiava qualquer visão simplista sobre a natureza da ciência e estimulava-me e pensar a ciência na complexidade da sua produção”.

Caso o leitor perceba no texto alguma coincidência com o cenário político atual brasileiro, o professor Olival explica que sua aproximação com o tema “é bem mais antiga”. “Certamente, a obra de David Bohm nos leva a refletir sobre o papel da liberdade política para a produção e a autonomia das ciências, valores sob forte ameaça, especialmente no Brasil”.

Trajetória de Bohm

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O físico David Joseph Bohm.

O físico David Joseph Bohm nasceu nos EUA, em 1917 e morou no Brasil, Israel e Reino Unido, onde faleceu em 1992. Sua singularidade é notável porque ele interpretou com sucesso a teoria da física quântica, especificamente a mecânica quântica, por 40 anos. Bohm avançou na visão de que a física quântica significava que o antigo modelo cartesiano de realidade era muito limitado e também alertou para os perigos da razão e da tecnologia desenfreadas.

Bohm é considerado um dos físicos teóricos mais importantes do século XX, pois contribuiu com ideias não-ortodoxas à teoria quântica, neuropsicologia e filosofia da mente. Sua vida foi marcada por duas das grandes tendências intelectuais que prevaleceram no século XX: o comunismo e as tradições orientais.

Devido a suspeitas de comunismo durante a era McCarthy, o físico foi alvo de uma investigação do governo federal em 1949 e deixou os Estados Unidos para seguir sua carreira científica em vários países. No Brasil, tornou-se professor na Universidade de São Paulo de 1951 a 1955, chegando a obter a cidadania brasileira – a única que possuiu até 1986, uma vez que a norte-americana lhe foi cassada.

A principal preocupação dele era entender a natureza da realidade, em geral, e da consciência, em particular, como um todo coerente, que, segundo o cientista, “nunca é estático ou completo”. O legado de Bohm é imprescindível, pois ele tinha a esperança de “reconciliar a mecânica quântica com o realismo científico” – dialogando, muitas vezes com o também físico Albert Einstein.

 

 

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