A tabela periódica e a conexão da química alemã com a América do Sul

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Mendeleiev: consagrado com o pai da tabela periódica

A tabela periódica que conhecemos hoje e é utilizada nas universidades e escolas de todo o mundo foi construída depois de muitas tentativas, diante da necessidade de sistematizar os elementos químicos que iam sendo descobertos passo a passo. Sua história foi contada pela professora Gisela Boeck na terceira e quarta aulas do curso Descobertas Científicas na Química: Alguns casos históricos, que aconteceu no Instituto de Geociências, Auditório Yeda de Andrade, entre os dias 1º e 10 de fevereiro passado, quando ela também abordou a conexão do químico alemão Justus Von Liebig com a América do Sul.

O sistema tríade, proposto pelo cientista alemão Johann Wolfgang Döbereiner, foi uma das primeiras tentativas de esquematizar os elementos químicos. Ele agrupou, sempre em grupos de três, elementos com propriedades químicas semelhantes, mas não obteve sucesso pois era muito restrito e só atingia alguns elementos.

Alexandre-Émile Béguyer de Chancourtois, químico inglês, foi primeiro a colocar os elementos por ordem de massa atômica, assim como está na tabela atual, mas não foi aceito pois a massa dos elementos estava errada e foi considerado impreciso. A terceira tentativa mais importante foi a realizada por John Alexander Reina Newlands, professor de química e industrial inglês. Ele criou o sistema de oitavas: arrumou todos o elementos, da menor massa atômica até a maior, em sete grupos de oito, como as oitavavas musicais; dessa forma, os elementos que estavam na mesma coluna tinham propriedades semelhantes. Esse sistema também não foi bem sucedido, apesar de ser mais parecido com a versão atual da tabela, e continha erros.

A versão conhecida foi idealizada por dois químicos no século XIX. Julius Lothar Meyer produziu uma tabela com 28 elementos organizados pela valência, a capacidade que um átomo tem de se conectar com outros átomos. Ele fez um segundo rascunho, que ordenava os elementos por peso atômico e, nas colunas, estavam os elementos de propriedades químicas semelhantes. Ele produziu essa segunda versão em 1968 mas só publicou em 1870.

Apenas um antes, o químico russo Dmitri Ivanovich Mendeleiev, publicou o primeiro sistema periódico, que seguia os mesmos princípios do de Meyer mas deixava um espaço em branco para os elementos que poderiam ser descobertos no futuro. A descoberta não chegou rapidamente aos outros países porque estava em russo e isso criou uma barreira linguística. Apenas com o estabelecimento da Sociedade Química Alemã na Rússia, a informação foi traduzida e chegou mais rapidamente na Europa.

A disputa da prioridade surgiu: quem criou a tabela? Meyer ou Mendeleiev? Os dois discutiram fervorosamente o assunto, através de publicações em periódicos da área. Mas a história decidiu por eles. Mendeleiev ficou conhecido como o grande criador da tabela periódica. As contribuições de Meyer foram esquecidas devido à sua complexidade e a forma não didática que o químico explicou em seu livro-texto. Mendeleiev fez previsões muito acertadas sobre os elementos que ainda não tinham sido descobertos, além de ser um assunto mais visível para o público geral, explica a professora.

Juston von Liebig e a conexão com a América do Sul 

Juston von Liebig cresceu na Alemanha e desde cedo esteve sempre em contato com a química; seu pai preparava tintas e pigmentos e vendia em sua farmácia. Liebig foi um dos maiores químicos do século XIX e suas descobertas permitiram a criação de fertilizantes, alimentos desidratados, sabão e explosivos. A professora conta que Liebig não era um bom aluno e quando reitor do colégio que estudava perguntou o que ele queria ser quando crescesse, ele respondeu: “Quero ser um químico”. A sala inteira riu pois, além dele ser um aluno mediano, a profissão não era bem-quista pela sociedade.

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Justus von Liebig: contribuições para a química orgânica e para química aplicada

O pai de Liebig mantinha uma conexão com Karl Wilhelm Gottlob Kastner, um importante químico da época. Ele ajudou Liebig a ingressar na Universidade de Giessen, que hoje leva o seu nome. Depois, conseguiu uma bolsa, foi estudar em Paris e trabalhou no laboratório do físico Louis Joseph Gay-Lussac e do químico Louis Jacques Thénard. Liebig recebeu o título de doutor pela Universidade de Giessen já vivendo em Paris e retornou à sua cidade natal para lecionar como um professor extraordinarius. Recebia um salário muito baixo e não tinha laboratório ou acesso aos espaços na universidade devido a essa condição “extraordinária”.

Liebig queria um instituto para farmácia e química, no qual ele pudesse realizar experimentos e lecionar. A universidade, inicialmente, não aceitou mas passou a financiar o projeto, com ajuda do governo, e a cada ano o laboratório expandia. O químico alemão foi um dos primeiros cientistas a combinar aulas com pesquisa e trabalhou com os estudantes dentro do laboratório. A partir daí, Liebig ganha notoriedade nacional, conta Gisela. Ele mudou-se com sua família para Munique e tornou-se o conselheiro científico do Rei Maximiliano II da Bavaria mas ,pela idade avançada, parou de dar aulas para uma grande plateia de estudantes e concentrou-se em aulas públicas esporádicas, muitas com a participação de mulheres.

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Propaganda do extrato de carne Liebig

Liebig ficou famoso pela sua contribuição para a química da agricultura e pelo aperfeiçoamento do método de análise de compostos químicos. Na química aplicada, sua produto mais notório foi o  liebig fleisch-extrakt, numa tradução literal, extrato de carne liebig. Ele estava preocupado com a nutrição da população alemã e idealizou um extrato nutritivo e concentrado, que seria uma forma mais barata e fácil de consumir a carne. Inicialmente, o projeto não foi bem sucedido pois o custo para comprar a carne e produzir o extrato era muito alto.

Foi apenas através da parceria estabelecida entre Liebig e George Christian Giebert, um engenheiro de estradas Belga, que o projeto deslanchou. Giebert estava visitando a Europa, leu um artigo de Liebig e convenceu-se de que era possível industrializar a produção do extrato. A conexão com América do Sul configura-se dessa forma. A carne foi comprada no Uruguai, por um terço do valor europeu. Giebert, com o apoio de Liebig, estabeleceu a Sociedade de Fray Bentos Giebert e Co, em Villa Independencia, cidade do Uruguai.

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Gisela Boeck com o pró-reitor de Pesquisa, Criação e Inovação Olival Freire Junior e alunos

O extrato foi um grande sucesso na Europa e acabou sendo vendido como um produto nutritivo e com poderes curativos. Algumas pesquisas sobre o extrato foram realizadas e questionarem essas qualidades vendidas. Depois disso, passaram a vendê-lo como comfort food, uma espécie de comida caseira. A professora convida todos os alunos a experimentarem o extrato de carne, que é tomado como uma sopa, misturado à água quente. “Eu só encontrei ele em uma loja em Berlim e foi muito caro. Não é tão comum como antigamente”, explica.

Ao final da aula, o professor Olival Freire, pró-reitor Pesquisa, Criação e Inovação agradeceu a participação de Gisela e frisou que o curso serviu como uma motivação para o estudo da história da química. “Com o final do curso, queria agradecer a participação de vocês, a UFBA e a Universidade de Rostock, que possibilitaram a minha vinda. Eu acredito que o mundo precise de momentos como este, de interação entre culturas”, completa a professora.

Um comentário em “A tabela periódica e a conexão da química alemã com a América do Sul

  1. Muito interessante o trabalho, contudo o que não se fala é sobre também o papel central das mulheres como construtoras do conhecimento, descobridoras e na consequente ausência dos seus nomes nas patenteação e ou marcas, junto aos cientistas homens, desde as pesquisas iniciais dos elementos químicos até aos seus usos para a sociedade. Quando são citadas são como participantes de grupos de estudos, e só.

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