Estudo projeta mais de 4 mil espécies animais ameaçadas de extinção nas próximas duas décadas

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Milhares de espécies de animais vertebrados, entre mamíferos, aves, anfíbios e répteis, podem estar ameaçadas de extinção no presente e no futuro em razão da perda de seus habitats, comprometendo a biodiversidade em escala global. É o que aponta artigo “Perda de habitat, previsibilidade da extinção e esforços de conservação das ecorregiões terrestres”, recém publicado na revista Biological Conservation, disponível na plataforma ScienceDirect, baseado em estudo realizado no Instituto de Biologia da UFBA (Ibio). Foram consideradas mais de seis mil espécies endêmicas em 513 ecorregiões do planeta.

Para quantificar a atual perda de habitats nas ecorregiões, foram observados dados do Climate Change Iniciative Land Cover, projeto da Agência Espacial Europeia, que revela as formas de uso do solo em todo o mundo e quanto resta de áreas de vegetação naturais, regiões de florestas, savanas, etc. Com a análise das áreas de vegetação naturais destruídas e a consequente perda de habitats, considerando a relação entre número de espécies e área, o estudo aponta risco de extinção de 2.073 espécies endêmicas – que estão restritas a determinado local. Os números estão de acordo com o levantamento da lista vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), documento máximo sobre o tema, com grande informação sobre as espécies ameaçadas.

A aplicação de um modelo detalhado de conversão de habitat para o futuro, com projeções até o ano de 2040, baseado em um cenário inercial das taxas de perda de biodiversidade, resultou na projeção de que 4.209 espécies podem estar ameaçadas nas próximas duas décadas. O artigo é assinado pelos pesquisadores Daniel Gonçalves-Souza, Ricardo Dobrovolski (IBIO/UFBA) e Peter H. Verburg da (VU University Amesterdam). Daniel, que é mestrando do Programa de Pós-graduação em Ecologia, iniciou boa parte das pesquisas quando ainda estava na graduação, atuando como bolsista de iniciação científica da Capes, junto ao laboratório de Ecologia e Conservação.

Coordenador do laboratório, Dobrovolski ressalta a importância do investimento em pesquisas e nas universidades públicas, de valorizar o processo de formação e aprendizagem de jovens cientistas que podem ajudar a responder muitas questões necessárias para a sociedade, e contribuir para um outro futuro possível, onde a natureza e as pessoas convivam de forma positiva.

A relação espécie-área trata-se de uma das “leis” mais básica da Ecologia, destaca Dobrovolski. Com a destruição das áreas naturais, muitas espécies são extintas. O artigo chama atenção para a perda de habitats para a áreas de agricultura e aponta que é crucial reconhecer que as atividades agrícolas podem ser combinadas com práticas sustentáveis e de menor impacto ao meio ambiente. Os autores acreditam que é possível equilibrar conservação e crescimento econômico com sustentabilidade, impedindo a expansão das fronteiras agrícolas.

Em entrevista ao Edgardigital, o professor defendeu a campanha de desmatamento zero, proposta de iniciativa popular pelo fim do desmatamento que está tramitando no congresso nacional. Na sua compreensão, é possível outro modelo de agricultura, com a preservação da água, do solo, dos polinizadores, e o uso adequado das áreas já convertidas. Ele critica a grande extensão de terras destinadas para pecuária extensiva, especulação imobiliária, e as regiões degradadas.

Segundo aponta o estudo, apenas 14% de área dessas regiões de vegetação natural é formalmente protegida. Dobrovolski afirma que as áreas protegidas, como os parques nacionais e as reservas ecológicas, tem sido uma ferramenta utilizada nos esforços de conservação. O professor falou sobre as áreas denominadas hotspots de biodiversidade, com grande número de espécies endêmicas e muitas riquezas naturais que precisam ser preservados, mas lamenta que alguns lugares estratégicos e ecorregiões não sejam contempladas com os devidos cuidados. Os achados indicam alta concentração de ameaças em algumas regiões megadiversas. Entre as principais ecorregiões ameaçadas no planeta são citadas a Serra do Mar, que abriga boa parte da Mata Atlântica no Brasil, e diversas outras regiões em Madagascar.

A ameaça às espécies e seus habitats representa também a consequente perda de biodiversidade e de serviços ecossistêmicos fundamentais para o bem estar humano, afirma Dobrovolski, que elenca impactos sociais, econômicos e ambientais. Ele ressalta a relação direta entre as áreas a destruição de vegetação natural e as mudanças climáticas, apontando o desmatamento como uma das causas do aquecimento global.

A seca histórica na região Sul do Brasil, por exemplo, pode estar diretamente relacionada com o desmatamento recorde na Amazônia, pondera. Conforme explica Dobrovolski, em um país como o Brasil, que tem uma matriz hidrelétrica, cuja a produção de energia depende dos rios, a seca provoca também o aumento do custo da energia. Assim, torna-se necessário acionar as termoelétricas, que emitem gases de efeito estufa na atmosfera, responsável pelo aquecimento global que afeta o regime de chuvas. A dificuldade de acesso a água já é um problema em muitas regiões, destaca ele. “Está tudo conectado. Esse é um dos mantras da Ecologia”. “A gente vive uma crise ecológica, sanitária, social e econômica”, constata.

Contudo, o professor avalia que é possível reverter essa tendência com medidas de fiscalização, com a devida atuação de órgãos competentes, e controle do crédito agrícola, com políticas de incentivo às formas de agricultura que respeitem a natureza. Ele recorda do período entre 2005 e 2012, quando o Brasil obteve uma redução de cerca de 80% do desmatamento na Amazônia. “Isso tem que ser um interesse do Estado, mas não é isso o que a gente está vendo”, disse.

“O futuro não está escrito, mas a perda de habitat prevista nos modelos esta acontecendo agora”, alerta Dobrovolski, que aponta o aumento do desmatamento na Amazônia, que bateu recordes no mês de abril deste ano, conforme apontam dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). “Se agirmos, ainda podemos evitar perda dessas espécies, além de outros prejuízos decorrentes dessa atividade que têm nos atingido e que pode se agravar nas próximas décadas”, avalia.

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