“Temos que ter a igualdade racial como meta”, defende Wlamyra Albuquerque, no mês da Consciência Negra

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Wlamyra Albuquerque é professora de História do Brasil, do departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA

Wlamyra Albuquerque é professora de História do Brasil, do departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA

Em uma conferência no dia 24, por ocasião do mês da Consciência Negra, a historiadora Wlamyra Albuquerque, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, abordou o tema “Raça como problema de pesquisa”, em evento online realizado pelo Programa de Pós-Graduação em História em parceria com a Pró-reitoria de Pesquisa e de Pós-Graduação.

Wlamyra enfatiza o racismo cotidiano no país e lamentou o bárbaro assassinato de João Alberto Silveira Freitas, homem negro de 40 anos, por dois seguranças da rede de supermercados Carrefour em Porto Alegre. “Temos que ter a igualdade racial como meta”, afirmou a professora, que avalia que essa é uma questão que deve ser enfrentada pelo poder público, através de políticas antirracistas, e também pelas universidades.

O pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, Sérgio Ferreira, que mediou o evento, destacou a pertinência da fala de Wlamyra, que atesta o comprometimento da universidade com a pauta antirracista. O encontro foi uma oportunidade para reunir pesquisadores de diversas áreas do conhecimento que puderam acompanhar toda reflexão em tempo real, através do evento realizado por meio da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RPN), que atingiu o número máximo de 75 participantes permitidos na webconferência, recorde de audiência para a disciplina do programa de pós-graduação durante o semestre suplementar, segundo o pró-reitor.

Wlamyra compartilhou conceitos e análises sobre a discussão racial que contribuíram com o debate realizado nas últimas décadas. Conforme destacou, o ponto de partida para a sua reflexão é compreender que “raça é algo em construção”. “Não trabalhamos com a ideia de determinação biológica de raças. Negros e brancos não existem essencialmente, mas são construções políticas refeitas ao longo do tempo”, disse.

Compreendendo raça como uma construção social, cultural e política, apontou as diversas contribuições para pensar o tema a partir de ensaístas e etnólogos, como Sílvio Romero, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque, Edison Carneiro, entre outros; da escola paulista de sociologia, representada por Florestan Fernandes; dos estudos contemporâneos da área das ciências sociais, com Kabengele Munanga, Antônio Sérgio Guimarães, Angela Davis, Lélia Gonçalves, dentre outros; dos estudos culturais de Stuart Hall, Benedict Anderson e Edward Said; e da História das ideias e teorias raciais, com contribuições de Lília Schwarcz, Mariza Correia, dentre outros.

Sobre as várias possibilidades de abordar raça como problema de pesquisa, comentou ainda a História Social que abarca a história da escravidão e os estudos sobre as populações no Brasil e a Diáspora Africana, e temas como alforria, liberdade e pós-abolição. Destacou, entre outros, os trabalhos de Pierre Verger, Kátia Mattoso e João José Reis. Falou também sobre a história do racismo pensada a partir da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, do GT Emancipações e Pós-Abolição da Associação Nacional de História (ANPUH), e da Rede de Pesquisadorxs Negrxs.

“O debate vai se condensando e se tornando mais complexo”, analisa Wlamyra, que faz questão de ressaltar as contribuições do ativismo negro, dos movimentos sociais e da articulação político-partidária. “Racialização” está entre os conceitos apresentados pela professora, para designação do processo social de distinção de populações a partir de determinadas características fenotípicas. Também citou o conceito de “comunidades imaginárias”, compartilhado por Paul Gilroy e Edward Said, que ajuda a entender a lógica política de demarcação de fronteiras e grupos nacionalmente. E o conceito de “necropolítica”, que dá conta de estruturas discursivas e políticas utilizadas pelos estados contemporâneos para promover o extermínio de determinadas populações, entre as quais as populações negras. Apresentou os estudiosos Achille Mbembe e Michel Foucault como principais referências para pensar esse conceito.

Na segunda parte de sua apresentação, Wlamyra Albuquerque propôs uma investigação acerca das origens e razões para o surgimento da ideia de raças humanas. Ela aponta estudos que sinalizam os conceitos de nação e raça como sobrepostos e dados pela genealogia na Inglaterra do século XVII, citando estudos de Michael Banton. “A ideia do negro como escravo é uma construção que se dá ao longo do tempo nas sociedades escravistas”, afirma.

No Brasil, conforme avalia a professora, populações tão diferentes entre si foram agrupadas enquanto negros. Ela falou sobre o debate de projetos nacionais após a independência da colônia em relação à Portugal e a formação do estado brasileiro. “O Brasil se constitui como uma nação com uma separação muito clara do que é nação, povo e populações”, avalia Wlamyra, sinalizando que índios e negros não eram vistos como cidadãos plenos de direitos, inclusive sendo segregados espacialmente e impedidos de ter acesso à educação. Até mesmo o pensamento de estancar o escravismo no Brasil não contemplava, necessariamente, a ideia de igualdade racial. O racismo científico e a ideia de raça como algo biológico sustentou todo um plano de desigualdade, conforme explica a professora.

Ela destacou Manoel Quirino, Ismael Ribeiro e Domingos da Silva, homens negros que contribuíram, a partir da Bahia, com o debate sobre projetos para a fundação da república após a abolição no Brasil, em 1888, e estiveram entre os poucos os que incluíram a igualdade racial em suas pautas. Wlamyra resgatou ainda a citação de uma crônica de Lima Barreto, em que o autor questiona: “Se a feição, o peso, a forma do crânio nada denotam quanto a inteligência e o vigor mental entre indivíduos da raça branca, porque excomungar o negro?”

A professora questiona qual é o sentido político de justificar a desigualdade racial e acredita que há um empreendimento político no sentido de manter essa desigualdade. Ela lembra que o próprio estado brasileiro sabotou diversas possibilidades de educação após a abolição para população escravizada .”Não foi uma falha. Foi um projeto político. O estado brasileiro foi constituído a partir do racismo”. E finalizou desejando “que o racismo não seja mais a lógica que nos estruture”: “O estado precisa ser antirracista para desmontar essa lógica.”

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