Diante da emergência sanitária causada pela Covid-19, um grupo de pesquisadores de modelagem matemática do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) e da UFBA desenvolveu modelos matemáticos capazes de prever a infraestrutura hospitalar necessária durante a primeira onda da pandemia de coronavírus.
Os resultados foram publicados no dia 11 de janeiro, na revista científica Nature Communications, umas das mais respeitadas pela comunidade científica. O modelo criado na Bahia reúne informações sobre a realidade local da dinâmica de transmissão do vírus e permite avaliar a capacidade de resposta dos serviços de saúde do estado em termos de quantitativo de leitos necessários para atendimento dos casos severos e graves da doença. O estudo foi desenvolvido no âmbito dos esforços conduzidos na Rede CoVida – Ciência, Informação e Solidariedade.
Denominado SEIIHURD, o modelo considera oito estágios da infecção por SARS-CoV-2, o agente causador da Covid-19: 1º indivíduos suscetíveis ao vírus (ou seja, saudáveis); 2º aqueles que serão expostos; 3º os que serão infectados com sintomas; 4º os que serão infectados e serão assintomáticos; 5º hospitalizados requerendo leitos clínicos; 6º os hospitalizados requerendo leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI); 7º recuperados; e, eventualmente, indivíduos que, acometidos por doença grave, foram ao oitavo estágio: o óbito. “O que a gente quis foi incorporar o contexto da Bahia, sabendo que não daria para implementar medidas muito rígidas que levassem a um controle da transmissão em nível ‘ótimo’. Mas sim subsidiar os tomadores de decisão com informações que evitassem o colapso dos serviços de saúde no estado”, explica a líder do estudo, a pesquisadora associada do Cidacs, Juliane Oliveira, doutora em matemática.
A professora titular do Instituto de Física da UFBA Suani Rubim de Pinho, que integra a equipe de autores do estudo, atenta para o caráter dinâmico da modelagem matemática das doenças transmissíveis, capaz de apresentar diferentes cenários, que podem ser testados computacionalmente. “No caso do modelo proposto para a Covid-19, aplicado aos dados da epidemia na Bahia, foi possível mensurar o efeito das medidas de distanciamento social na ocupação dos leitos clínicos e de UTI”, conta.
Suani, que também é pesquisadora do Cidacs, comenta a eficácia do estudo e a contribuição do modelo matemático para efetuar ações na área de saúde. “Uma vez que o número de reprodutibilidade obtido a partir do modelo leva em conta os infectados assintomáticos, não necessariamente notificados, o modelo é capaz de apresentar uma previsão mais realista do que a simples análise dos casos notificados, indicando se o processo epidêmico foi ou não contido no decorrer do tempo. Desta forma, as instâncias governamentais têm mais elementos para decidir com maior segurança quando e se adotar medidas mais rigorosas como o lockdown, ou mesmo, num cenário mais otimista, de relaxar algumas destas medidas.”
Para a pesquisadora, apesar de ter focado numa análise local, tendo como referência o estado da Bahia, o modelo construído pelo grupo de pesquisadores pode ser aplicado em outras regiões do Brasil e do exterior, “desde que se tenha acesso às informações para estimar os parâmetros epidemiológicos associados à dinâmica de hospitalização”, um dos fatores fundamentais do estudo. “Dado que o modelo foi validado, vale ressaltar que temos o tomado para analisar versões complexas levando em conta, por exemplo, sua estrutura etária, a fim de analisar cenários acerca do efeito da vacina sobre a transmissão da Covid-19 na população”, afirma Suani Pinho.
“O esforço interdisciplinar do grupo permitiu a obtenção de um modelo que reflete a complexidade da Covid-19, confirmando o papel fundamental que indivíduos assintomáticos têm na cadeia de transmissão do SARS-CoV-2”, ressalta Pablo Ramos, doutor em modelagem computacional, pesquisador do Cidacs/Fiocruz Bahia e também co-autor da pesquisa.
Por volta de abril de 2020, as medidas de distanciamento foram reforçadas no estado, e esse mesmo grupo já revelava que, quando a mobilidade de pessoas assintomáticas é relaxada, poderíamos notar um aumento de cerca de 50% no número de casos e 37% no de óbitos. Igualmente, as necessidades clínicas e de leitos de UTI aumentariam em 75% e 87,5%, respectivamente.
Os resultados revelam estratégias, informadas pelo modelo, sobre como lidar com cenários onde medidas preventivas são aplicadas para diminuir as taxas de transmissão (em vários níveis) antes e após o colapso do sistema de saúde, demonstrando que medidas tardias requerem intervenções mais severas a fim de retomar a capacidade de atendimento do sistema de saúde. A técnica matemática chama atenção pelo seu potencial para ser adaptada em vários contextos, sendo especialmente útil em regiões com recursos econômicos limitados, e que provavelmente terão que coexistir com a circulação do vírus por maior tempo na ausência de uma vacina aplicada em larga escala.
Questionada se diante do recrudescimento de casos de Covid-19 no início de 2021, o estado deveria retomar as medidas mais intensas de controle, Juliane Oliveira lembrou que resultados obtidos pelo grupo (disponíveis em formato pre-print) mostram que, quando as medidas governamentais são tomadas e há um relaxamento, os efeitos, em termos de adesão populacional, são mais baixos que na primeira vez. “E estamos falando de quase um ano nessa situação, para que o estado possa intensificar as medidas, a essa altura teria que dar um suporte maior à população, considerando as fragilidades socioeconômicas, e uma fiscalização nas ruas ainda maior, o que seria muito difícil agora”, comenta a pesquisadora.
Formado por biólogos, cientistas da computação, estatísticos, epidemiologistas, físicos e matemáticos, o Grupo de Modelagem da Rede CoVida e hoje do Cidacs, integra conhecimentos destes vários campos da Ciência e os aplica ao estudo em tempo real da dinâmica e controle da Covid-19.
Acesse o link do artigo: https://www.nature.com/articles/s41467-020-19798-3