Dezesseis professores da Escola de Administração da UFBA (EAUFBA) e membros do Comitê de Assessoramento do Coronavírus da UFBA assinam os catorze textos do relatório intitulado “Economia, Micro e Pequenas Empresas e a Pandemia do Covid-19”, que busca refletir sobre o contexto da pandemia e sua relação com a crise econômica nacional. O trabalho foi apresentado na Reunião Extraordinária do Sebrae-BA, realizada no dia 15 de março. Em geral, os artigos condenam o falso dilema entre vida e economia ou entre saúde e economia e reconhecem ainda a relação entre o agravamento da pandemia no Brasil e o negacionismo e a falta de articulação e de liderança do governo federal em meio à grave crise que o país atravessa.
Nesses trabalhos, elaborados em resposta a uma demanda feita pelo Conselho Deliberativo do Sebrae-BA, os autores apontam aspectos fundamentais da pandemia e oferecem análises e recomendações que possam contribuir com as micro e pequenas empresas baianas no cenário da pandemia. Nos artigos, os professores apresentam, de forma sucinta, mas robusta, propostas de ações concretas para que governos, bancos, Sebrae e demais entidades do Sistema S, universidades, instituições internacionais, empresários e organizações da sociedade civil se articulem para o enfrentamento da crise e o fortalecimento de micro e pequenas empresas. O relatório, na íntegra, está disponível aqui.
Os artigos apontam ainda que países que adotaram medidas rigorosas de distanciamento social foram aqueles que mais conseguiram diminuir o número de mortes e que mais rapidamente conseguiram restabelecer as suas atividades econômicas. Destaca-se, ainda, o papel fundamental da vacinação universal para superação, em definitivo, da pandemia.
“Interessante é o fato de que, alguns dias após a publicação do relatório pela UFBA, centenas dos mais importantes economistas e empresários do Brasil assinaram uma carta pública cobrando do poder público federal ações de enfrentamento da pandemia e condenando, com veemência, o falso dilema entre salvar vidas e a economia”, afirma o diretor da Escola de Administração e representante da UFBA no Conselho do Sebrae-BA, professor João Tude.
Parecer do Comitê
“A maneira segura de se proteger contra a infecção pela Covid-19 é manter distanciamento social, “ficar em casa”, e somente circular em qualquer área se for para atender a necessidades essenciais e inadiáveis, na vigência de intensa transmissão da doença que se revela no número diário crescente de casos e óbitos, como ocorre agora no Brasil”. Tal parecer encontra-se no documento elaborado para o relatório pelo Comitê de Assessoramento do Coronavírus da UFBA.
Além disso, o uso de máscara, embora represente uma medida adicional de proteção contra a transmissão viral, não será, isoladamente, suficiente para evitar a transmissão quando o tempo de exposição das pessoas for prolongado, sobretudo em locais sem ventilação natural e com aglomeração de pessoas, sem contar o lento processo de vacinação contra a Covid no Brasil. Ainda segundo o texto, a insuficiência de vacinas requer que se mantenham por mais tempo as medidas não farmacológicas de controle da pandemia.
Sobre a questão do fechamento do comércio como medida de contenção da pandemia, o parecer do comitê é que as medidas de distanciamento social e de restrição de circulação de pessoas que resultem em “fechamento do comércio” podem ser necessárias em uma dada situação da evolução da pandemia.
Vida feita de escolhas
“A vida é essencialmente feita de escolhas”, escreve o professor Horácio Nelson Hastenreiter Filho, na abertura do seu artigo “Pandemia: escolhas, perspectivas e intervenções no suporte a Micro e Pequenas Empresas – Contexto e Perspectivas Iniciais”. O artigo cita como referência, entre outras, o economista Ricardo Giannetti, que, em “O Valor do Amanhã”, apresenta o processo de uma decisão sob a perspectiva dos juros, mostrando que somos levados a opções entre o prazer e o ganho imediato e os seus adiamentos, recompensados “com um pagamento adicional”.
“A situação que vivenciamos no Brasil, ao pensarmos em termos empresariais e econômicos no combate à pandemia de coronavírus, pode se beneficiar desse ponto de vista”, acredita o professor. E exemplifica: países que adotaram medidas restritivas rígidas, como o lockdown e a suspensão das atividades, permitiram uma retomada mais rápida da economia do que países que “agiram tibiamente”, adotando medidas parciais e restritas territorialmente, as quais trouxeram ônus imediato com reduzido bônus futuro.
Perseguindo a mesma linha de raciocínio, Hastenreiter afirma: “A dura realidade e o desespero empresarial levam os empresários à defesa de uma agenda que converge com os seus interesses de curtíssimo prazo, mas que, muitas vezes, pode contrariar os seus interesses mais à frente”. Este seria o ponto de resgate do “Valor do Amanhã”, de Giannetti, afirma.
Também para o professor Antonio Sergio de Araújo Fernandes é essencial que as atividades não essenciais permaneçam fechadas e que os toques de recolher continuem até que as taxas de contágio diminuam. “Além disso, ele destaca, é necessária uma campanha mais intensa dos governos estadual e municipal para que a população se conscientize que isso (o fechamento das atividades) é essencial para salvar vidas e também a economia”.
No artigo intitulado “Os Efeitos da Segunda Onda da Pandemia em um Contexto de Escassez de Vacinas: O que nos mostram as experiências de diminuição de velocidade de contágio”, o professor Antonio Sérgio escreve que, depois de certo tempo, a população parece não suportar mais as medidas de isolamento e distanciamento sociais, e os comerciantes e prestadores de serviço pressionam os governos e as pessoas, ante a possibilidade de desemprego, desafiando a racionalidade e a ciência, porém a consequência vem logo à frente, cobrando um preço cada vez maior em vidas e prejuízos”.
Vidas e empregos
“Sobre o falso dilema preservar vidas versus preservar empregos” é o título do artigo do professor Sandro Cabral para quem, “como crianças mimadas, que se negam a ver os problemas e buscam soluções simples para problemas complexos, nos apegamos ao falso dilema preservar vida versus preservar empregos”.
Este é um dilema falso, na opinião do professor, pois trazidos “a valor presente”, os anos abreviados dos indivíduos que morreram por conta da exposição ao vírus, são de valor infinitamente superior aos custos econômicos de uma interrupção das atividades. As evidências de pandemias passadas mostram, segundo Cabral, que o isolamento social acelera a recuperação econômica futura.
Já para o professor Genauto Carvalho de França Filho, a atual crise pandêmica tem sinalizado que não estamos diante de um impasse entre parar ou não a economia, e sim diante de uma reflexão sobre como dar outra forma a nossa economia. “Para superar o divórcio entre economia e saúde: papel e condição das micro e pequenas empresas” foi o tema escolhido pelo professor. “Nesta hora, os princípios de planejamento e coordenação do Estado são fundamentais. Se podemos aprender com a história, reabilitar a solidariedade não pode ser um mero recurso emergencial. Ela é a base de outro paradigma em termos de institucionalidade econômica, de organização da sociedade e de preservação da vida. Nesse outro paradigma as práticas de mercado precisam ser ressignificadas e o papel das micro e pequenas empresas parece decisivo diante da sua importância na geração massiva de trabalho, além do seu vínculo com a territorialidade”.
A professora Maria Elizabete dos Santos abordou “O falso dilema entre vida e economia” em seu artigo. Para ela, ainda são muitos os desafios, hoje, para superamos a crise que vivemos: universalizar o acesso ao principal recurso produzido pela ciência – sendo a vacina um deles. “Vacina é ciência. Vacina é vida”, enfatiza. “Precisamos manter, paralelamente, o distanciamento social, para evitar a propagação do vírus e reduzir as suas chances de mutação, consequente nos prevenir do surgimento de novas variantes; Precisamos que as pessoas façam um esforço coletivo com o objetivo de reduzir o contágio – para isso precisamos escutar a ciência e mudar de atitude”.
“Não se trata de ser previamente favorável ao fechamento da economia”, afirma a professora Elizabete. “A economia precisa funcionar e queremos, todos, nossas vidas de volta. É preciso lembrar que a economia, nossas práticas econômicas, devem ter como objetivo e motivação a satisfação das necessidades individuais e coletivas”.
Na mesma trilha, o professor Roberto Brasileiro começa assim o seu artigo, intitulado “Controle da Pandemia para impulsionar a Economia”: “Questionar as ações dos governantes, por si só, não é um problema. Faz parte do jogo político. Diferentes visões sobre uma mesma questão é algo até desejado. Nos faz pensar “fora da caixa”. Mas quando há uma enxurrada de fake news e falsos dilemas, o problema agrava-se sobremaneira. O dilema Lockdown X Economia é um deles”.
Os pseudo argumentos, diz ele, são que o lockdown estaria, supostamente, matando os trabalhadores, sem que haja provas científicas de que as atividades comerciais abertas ampliam a circulação da Covid-19. “Para começar, a ciência já provou que existe maior propagação do vírus quando há maior circulação de pessoas e aglomerações. Por consequência, as atividades comerciais abertas implicam sim no aumento de circulação de pessoas, consequentemente, na circulação do vírus. Não há qualquer estudo minimamente sério que indique que a manutenção presencial das atividades empresariais não contribua para o aumento de casos da Covid-19. E continua: “Não existe dilema Lockdown x Economia. O que existe é a necessidade de controlar o vírus para melhorar a Economia. O controle pandêmico é parceiro da Economia, não inimigo.