Facom lidera parceria Brasil-França que pesquisará história do audiovisual com financiamento francês

Download PDF

tvPesquisadores das áreas de comunicação e história do Brasil e da França uniram forças para investigar o panorama audiovisual dos dois países. Dessa união resultou um projeto aprovado em edital do Centro Nacional de Pesquisa Científica (Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS), maior instituição pública de pesquisa da França. Intitulado Arquivos-Mídias-Imagens-Sociedades (AMIS), o trabalho terá duração de cinco anos e cerca de 450 mil reais no orçamento total.

A pesquisa tem o objetivo de ampliar o debate sobre a valorização do patrimônio audiovisual no Brasil e na França. Questões relacionadas à identidade e à natureza de documentos audiovisuais em circulação nos dois países – movimento que alcança diversas etapas, entre a produção e a recepção social – também serão investigadas. Para isso, serão desenvolvidas novas ferramentas operacionais e de análise para a comunidade internacional de pesquisa, que contribuirão para a investigação de imagens e sons e seus sentidos. A ação pretende ainda colaborar para as políticas patrimoniais franceses e brasileiras relacionadas aos arquivos audiovisuais. O projeto se divide em três áreas de pesquisa: mídia e contexto socioeconômicos; formatos e temporalidades da mídia; e busca de ferramentas de análise de novas mídias.

Do lado francês, o projeto é conduzido pelo Laboratório de pesquisa histórica Rhône-Alpes (LARHRA), que reúne pesquisadores de diversas instituições de pesquisa. A coordenação é feita por Isabelle Gaillard, da Universidade Grenoble Alpes, com a colaboração de Evelyne Cohen, da Universidade de Lyon. No Brasil, pesquisadores de diversas instituições somam forças à investigação, sob coordenação de Itania Gomes, professora titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e coordenadora do Centro de Pesquisa em Estudos Culturais e Transformações na Comunicação (TRACC) – vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, reconhecido nacionalmente na área.

A pesquisa é um desdobramento de estudos interdisciplinares realizados na França e no Brasil sobre mídia, documentos audiovisuais e circulação de produtos de imagem e som. Entre eles, o programa de cooperação Patrimoines-Images-Médias-Identités (PICS-PIMI-CNRS), desenvolvido entre 2014 e 2017, no qual foram observados a dimensão patrimonial do setor audiovisual em ambos os países, sobretudo as diferenças de abordagem entre a radiodifusão pública e empresas privadas do setor.

História e conservação

“O interessante da pesquisa comparativa entre os dois países, e com pesquisadores da Comunicação e da História, é que estamos sempre conformando nossos olhares para observar as tradições, disputas, linguagens, que constroem a multiplicidade experiências audiovisuais no Brasil e na França. Do ponto de vista do patrimônio audiovisual, o que mais salta aos olhos são as diferenças nas políticas públicas de preservação e de acesso de patrimônio audiovisual nos dois países”, avalia Itania.

A pesquisadora explica que, enquanto a França se vê como centro da modernidade europeia – lugar a partir do qual constitui uma longa tradição de defesa e conservação do seu patrimônio – , o Brasil vive uma relação paradoxal com o patrimônio, “pois embora políticas de preservação do patrimônio cultural tenham se consolidado desde os anos 1930, em sintonia com as preocupações internacionais sobre preservação, marcadamente em relação à Unesco”, elas foram “bastante limitadas ao reconhecimento formal do patrimônio, sem que esse reconhecimento se faça acompanhar de políticas consistentes de preservação, constituição e manutenção de acervos e, ainda menos, de acesso público”.

Itania também traça diferenças entre os processos de popularização da televisão e da cultura audiovisual nos dois países. “Apesar das muitas matrizes historicamente compartilhadas, a França e o Brasil compõem paisagens audiovisuais e midiáticas com características muito distintas. Se olharmos para o caso da televisão, o sistema de radiodifusão pública constituiu não só a base histórica, mas a legitimidade e a força da televisão francesa, enquanto, no nosso caso, só viemos a ter uma TV pública de caráter nacional, a TV Brasil, em 2007, no segundo mandato de Lula. A nossa televisão é marcadamente comercial, mesmo que sempre tenha caminhado de braço dado com os poderes públicos”

A pesquisadora explica que quando a televisão chega em cada um desses países, ela encontra uma ambiência midiática com conformações distintas. “No caso do Brasil, o rádio era o meio mais forte, enquanto na França a referência mais legitimada era o cinema. Essas diferenças marcam nossas expectativas em relação aos programas, ao modo de lidar com as promessas quanto a informar, educar e entreter, e se evidenciam nas formas culturais que a televisão assume em cada país.”

Essas diferenças de origem, observa Itania, “dizem de nossa preferência pela telenovela (as radionovelas estavam no auge quando a TV surge no Brasil), da nossa relação com os festivais de música, com a naturalização com que encaramos a interrupção dos programas pelas peças publicitárias”, ao passo que, na França, “a tradição do cinema configurou a forte presença do documentário na televisão e a presença da publicidade é bem mais regulada e conflituosa do que a nossa.

A preservação do audiovisual é, segundo a pesquisadora, “um tema praticamente ausente das políticas públicas para cultura no Brasil, e no mais das vezes limitam-se à produção e difusão”. “Não há, no Brasil, nem política pública nem prática institucional de  preservação e acesso, tais como vemos na França, que desde 1992 ampliou a obrigatoriedade de guarda e acesso do patrimônio à produção de televisão e de rádio e, desde 2006, da produção da internet”, compara.

Exemplo emblemático é o caso da Cinemateca Brasileira, órgão de política pública do governo federal, que “está fechada já há quase um ano, com todo seu acervo sob risco de incêndio e de deterioração”, observa Itania. “Em que pese a importância que o audiovisual tem na cultura brasileira, pesquisadores e estudantes temos que recorrer ao youtube ou a bases de dados amadoras, incompletas, ou demandar acesso, nada garantido e sob condições às vezes pouco claras, aos acervos privados das emissoras comerciais.” A pesquisadora avalia que “as condições que temos no Brasil impossibilitam o reconhecimento e a avaliação das historicidades das formas culturais brasileiras, dificultam a produção de conhecimento sobre o audiovisual, a análise histórica e a compreensão de seus vínculos com as transformações históricas, sociais, políticas e institucionais e com os movimentos estéticos e tecnológicos”.

 

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*
*
Website