“A mecânica quântica, criada em 1925-1927, aproxima-se do seu centenário com um recorde impressionante. Ela se tornou a espinha dorsal da maioria das pesquisas em física, levou a aplicações como o transistor e o laser e gerou uma revolução na filosofia da ciência. Seu escopo e sua precisão têm crescido constantemente e agora ela está prometendo computadores mais poderosos, criptografia mais segura e dispositivos de detecção mais sofisticados.”
No inicio de apresentação do “Oxford Handbook of the History of Interpretations of Quantum Physics” (Manual Oxford da História das Interpretações da Teoria Quântica, em tradução livre), cuja edição está sendo coordenada pelo pesquisador do Instituto de Física Olival Freire Jr., o historiador da ciência e ex-pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFBA recorda que o século XX foi de avanços, mas também um período de debates contínuos sobre os fundamentos e a interpretação da teoria quântica, que tem sido chamado de “controvérsia quântica”.
O ‘handbook’ – que integra uma série da editora da universidade britânica – é dedicado a esses debates, afirma Olival, que tem a seu lado, como coeditores, Alexei Kojevnikov (Universidade de British Columbia), Olivier Darrigol (Universidade Paris VII), Guido Bacciagaluppi (Universidade de Utrecht), Christian Joas (Universidade de Copenhagen), Thiago Hartz (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Osvaldo Pessoa Jr (universidade de São Paulo). O livro acaba de ser entregue à Oxford University Press, com expectativa de ser publicado ainda este ano.
Já na obra “Teoria quântica: estudos históricos e implicações culturais”, coeditado com O. Pessoa e J.L. Bromberg – que, em 2011, ganhou o Prêmio Jabuti na categoria ciências exatas – o professor Olival, atual representante da UFBA no Capes Print (Programa Interinstitucional de Internacionalização) abordava essa controvérsia. Dizia ele naquela ocasião que “em que pese esse sucesso científico e tecnológico, persistem entre os cientistas incertezas sobre a interpretação dos próprios fundamentos dessa teoria científica. As incertezas derivam do fato de que ela desafia as nossas intuições não só de senso comum, mas mesmo aquelas enraizadas no desenvolvimento da física nos últimos séculos.”
O Manual
Olival explica que o manual de Oxford pode servir a físicos, veteranos ou não, e estudantes de física que estão contemplando as interpretações da mecânica quântica, além de ser particularmente útil para aqueles que estão engajados ou atraídos pelas pesquisas atuais no campo da informação quântica. O livro também ajudará a mapear os caminhos já percorridos e as questões já tratadas, bem como as que ainda estão em aberto, interessando ainda a muitos filósofos da ciência que trabalham com a filosofia da mecânica quântica. “Por último, mas não menos importante, deve interessar aos historiadores da ciência e, particularmente, aos historiadores da física que lidam com a física quântica e os debates que se seguiram, suas condições culturais e seu impacto tecnológico”, informa.
O livro reúne artigos de historiadores da física, mas também físicos e filósofos da física sensíveis à tarefa de escrever textos com objetivos historicamente informados. Apesar do grande número de colaboradores, os organizadores estão cientes de que alguns tópicos não foram adequadamente tratados. Outros, como os campos quânticos, mereceriam um tratamento mais completo do que foi possível oferecer, até então. Alguns capítulos são dedicados a sintetizar estudos anteriores, e muitos outros tratam de assuntos ainda não abordados na literatura da história da ciência. Embora a colaboração de historiadores, filósofos e físicos em um único projeto não seja uma prática comum, assim foi decidido para que se pudesse oferecer uma história abrangente e multifacetada das interpretações e fundamentos da física quântica, explicam os editores. O livro é, portanto, um levantamento desta história.
Participação brasileira
O professor Olival Freire Junior menciona o crescimento no Brasil, ao longo das últimas décadas, do número de pesquisadores dedicados a trabalhos históricos e/ou filosóficos sobre a teoria quântica, sem que se houvesse realizado um evento científico de maior envergadura integralmente dedicado ao tema, embora pesquisadores brasileiros estejam sempre presentes em eventos nacionais e internacionais com importantes comunicações e participações.
O desenvolvimento da pesquisa sobre história da teoria quântica no Brasil também se beneficia da sua relação com a história da física brasileira, acrescenta Freire. “Se é verdade que a pesquisa em física moderna no Brasil só recebeu um momento intelectual e institucional a partir da criação da USP, em 1934, já passada a fase áurea da criação da teoria quântica, também é verdade que aspectos relevantes da pesquisa e da controvérsia sobre os fundamentos dessa teoria tiveram como cenário a física brasileira”, ressalta.
Olival lembra que, quando, no início da década de 1950, o físico David Bohm – personagem de uma biografia que publicou recentemente – passou três anos na Universidade de São Paulo, fugindo da perseguição do macarthismo, muito da pesquisa e dos debates sobre a interpretação causal da teoria quântica proposta por ele ocorreram naquela universidade. O trabalho conjunto com Jayme Tiomno e os embates com Mário Schenberg, físicos brasileiros, são parte dessa história, como relembra o professor.
Citando outros exemplos, recorda que Mario Bunge, Jean-Pierre Vigier e Ralph Schiller vieram ao Brasil para trabalhar com Bohm, enquanto Léon Rosenfeld veio para estabelecer o contraponto entre a interpretação causal e a visão da complementaridade patrocinada pelo físico dinamarquês Niels Bohr. Ainda na década de 1960, foi a vez de Klaus Tausk, professor da USP, envolver-se em acirrada controvérsia com físicos italianos e com Rosenfeld sobre o problema da medição na teoria quântica.
Pouco depois, o físico brasileiro José Leite Lopes, então exilado em Estrasburgo, na França, junto com o físico francês Michel Paty, promoviam evento, que gerou o livro “Quantum mechanics – a half century later”, que contribuiu para criar um espaço favorável à pesquisa sobre os fundamentos da teoria quântica. Em 2009, o Programa de Ensino, Filosofia e História das Ciências (UFBA/UEFS) organizou em Campina Grande evento internacional dedicado ao tema, o qual gerou o livro agraciado com o premio Jabuti.
Recentemente, em 2019, o russo Alexei Kojevnikov esteve em Salvador, onde ministrou um workshop sobre fundamentos da teoria quântica, parte de um esforço da publicação aceita pela Oxford University Press.
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Ficha técnica do “Oxford Handbook of the History of Interpretations of Quantum Physics”
Editorial team
Olival Freire Junior (Editor); Guido Bacciagaluppi, Olivier Darrigol, Thiago Hartz, Christian Joas, Alexei Kojevnikov, and Osvaldo Pessoa Jr.
Introducion
Olival Freire Junior; Guido Bacciagaluppi, Olivier Darrigol, Thiago Hartz, Christian Joas, Alexei Kojevnikov, and Osvaldo Pessoa Jr.
PART I – QUANTUM PHYSICS – SCIENTIFIC AND PHILOSOPHICAL ISSUES UNDER DEBATE
Franck Laloë and Wayne Myrvold
PART II: HISTORICAL LANDMARKS OF THE INTERPRETATIONS AND FOUNDATIONS OF QUANTUM PHYSICS
Anthony Duncan, Michel Janssen, Massimiliano Badino, Helge Kragh, Martin Jähnert, Christoph Lehner, Christian Joas, Guido Bacciagaluppi, Klaus Hentschel, Daniela Monaldi, Osvaldo Pessoa Jr., Michel Paty, David Kaiser,Thiago Hartz, Alexander Blum, Bernadette Lessel, Alexei Grinbaum, Olivier Darrigol, Klaas Landsman, Fabio Freitas.
PART III: PLACES AND CONTEXTS RELEVANT FOR THE INTERPRETATIONS OF QUANTUM THEORY
Don Howard, Anja Skaar Jacobsen, Elise Crull, Climério Paulo da Silva Neto, José G. Perillán, Flavio Del Santo, Jean-Philippe Martinez, Kenji Ito, Josep Simon, Indianara Silva, Sebastián Murgueitio Ramírez, Thomas Ryckman.
PART IV: HISTORICAL AND PHILOSOPHICAL THESES
Stefano Osnaghi, Olival Freire Junior, Kristian Camilleri, Paul Forman, Alexei Kojevnikov, Richard Staley, Giora Hon, Bernard R. Goldstein.
PART V – THE PROLIFERATION OF INTERPRETATIONS
Jeffrey Bub, Jeffrey Barrett, Hervé Zwirn, Karen Barad, Carlo Rovelli, Jean-Jacques Szczeciniarz Joseph Kouneiher, Valia Allori, Decio Krause, Jonas Arenhart, Otavio Bueno, Dennis Dieks, Gustavo Rocha, Dean Rickles, Florian Boge, Jean Bricmont, Alexander Pechenkin, Emilio Santos.
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Uma ideia sobre a serie de Handbooks da Oxford você encontrará em: https://www.oxfordhandbooks.com/ ou https://www.oxfordhandbooks.com/page/about
O Link para o livro do professor Olival Freire Júnior que ganhou o prêmio Jabuti, em 2010 e o http://books.scielo.org/id/xwh15