
O reitor João Carlos Salles apresentou o evento
Com mais de 63 mil visualizações e 8,3 mil curtidas, o ato público nacional Educação Contra a Barbárie já é um importante marco da resistência aos recentes ataques à vida, à democracia e à universidade pública. Realizado na terça-feira, 18 de maio, no canal da TV UFBA no Youtube, o evento foi um sucesso de audiência: mais de 5 mil espectadores, em média, estiveram acompanhando a transmissão ao vivo, que teve mais de 7 mil curtidas, quase a mesma quantidade de visitas ao site do ato – contraabarbarie.ufba.br – ao longo da live. Antes do evento, nas redes sociais, mais de 500 cards com mensagens de apoiadores haviam sido compartilhados.
“Não seremos reféns do absurdo. Nunca seremos cúmplices da destruição. Jamais seremos servos da barbárie”, disse o reitor João Carlos Salles. “Nosso ato, que pretende dar voz a entidades nacionais, representar as várias regiões, e esses principais temas, é um ato organizado. Muitas vozes precisam falar, então que organizemos outros atos, para que as múltiplas vozes, as múltiplas perspectivas apareçam”, observou.
Ainda na abertura, o reitor leu o manifesto que conduz o ato público nacional: Educação ou Barbárie!, onde se afirma que, “com máxima urgência e toda força, temos que mobilizar nossa nação para a escolha pela ciência, pela civilidade, pela democracia e, enfim, pela Educação”.
“Além de exigir recomposição orçamentária e investimentos que garantam o funcionamento de funções estatais relativas a políticas públicas, à educação, à saúde e à cultura, à proteção da vida, aos direitos básicos de nosso povo e ao meio ambiente”, o manifesto conclama a “resistir a todas as manifestações de retrocesso cultural, de violência e embrutecimento das relações sociais”.
O ato nacional foi organizado pela reitoria da UFBA, com aval dos conselhos superiores e parceria da APUB, ASSUFBA e DCE. Reuniu treze entidades nacionais – SBPC, Academia Brasileira de Ciências, Abrasco, Andifes, UNE, ANPG, Fenaj, ABI, OAB, Proifes, Andes, Fasubra e Conif – e recebeu apoio de intelectuais, parlamentares e personalidades da educação, da ciência, da cultura, das artes, em uníssono a favor da educação e contra a barbárie.
Entre os convidados, o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, acredita que a defesa da Ciência e da Universidade é também uma defesa da vida. “A pandemia de fato colocou a Ciência nas manchetes dos jornais, mas ao mesmo tempo colocou em evidência os ataques que têm atingido as Ciências, as Universidades, com cortes de recursos, negação de evidências científicas e perseguições políticas. Aprendemos nessa pandemia que negacionismo mata”. Em sua visão, a política econômica também mata. “O Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia está em vias de colapso. Universidades públicas e institutos de pesquisas estão sendo inviabilizados, afetando diretamente a capacidade de recuperação da economia, a saúde da população, o futuro do país”, afirmou.
O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Moreira, afirma que a liberdade na pesquisa demanda recursos públicos para que ela possa ser cumprida de maneira independente e autônoma. “Estamos enfrentando um negacionismo que mata, uma política deliberada que não se preocupa com a vida e também um terraplanismo econômico que ameaça profundamente o futuro do país”. Para ele, “ é fundamental que façamos desse momento um momento de reflexão, e de pensamento para o futuro. Nós temos que, ao mesmo tempo de resistir a essa onda, a essa política deliberada de desmonte. Nós temos também que pensar um país diferente, menos desigual, sustentável, aproveitando suas potencialidades com muita Ciência e Educação de qualidade”, disse.
Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) expôs os malefícios que a dissociação entre Ciência e saúde trazem à sociedade. Em sua visão, “o Brasil vive a mais grave crise sanitária do século. Com um governo que mostrou sua incompetência deliberada em controlar a pandemia de Covid-19. O quadro sanitário está longe de ser controlado. Realmente estamos vivendo um risco de uma terceira onda gravíssima. A população precisa entender isso e cobrar que medidas de saúde pública sejam estabelecidas pelo governo federal, estados e municípios. E seguidas em todo o país. Num país tão desigual como o nosso quem mais sofre com essa pandemia são as populações vulnerabilizadas. Não há dúvidas que o risco de morte é muito maior entre negros, pobres, indígenas, quilombolas e todos aqueles que vivem nas ruas em péssimas condições de habitação e de vida. Nosso papel é denunciar e mostrar caminhos para essa crise. A educação e a saúde são direitos conquistados em nossa Constituição e dever do Estado. E o que estamos assistindo é o desfinanciamento dessas áreas e o desmonte de políticas que já se mostraram muito exitosas para diminuir a desigualdade do nosso país”.
Redução do orçamento das 69 universidades federais
Primeiro convidado a falar, o professor Nelson Cardoso Amaral, da Universidade Federal de Goiás (UFG), apresentou o orçamento das 69 universidades federais nos últimos anos, que apresenta significativas reduções, sendo, em sua visão, um processo de “desmonte e desconstrução de políticas públicas fundamentais, sobretudo na educação”. Veja aqui a apresentação em pdf.
Em sua análise, Amaral evidencia o descaso orçamentário que a educação superior pública do país enfrenta. E afirma que a situação orçamentária de 2021 é uma grave ameaça, que pode impedir o pleno funcionamento das universidades até o final do ano. Para o professor, um “grito que tem que ser dado pela sociedade brasileira para frear esse processo”.
Amaral exibiu em gráficos os cortes em investimentos na educação nos últimos anos, ainda que o número de estudantes de graduação presencial entre 2005 e 2021 tenha quase duplicado, de 554 mil para cerca de 1,048 milhão. O professor destacou que esse número ainda não atende o Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê, de acordo com a sua meta 12, até 2024, “elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público”.
Amaral explicou sobre as diferentes despesas das universidades. Em relação às despesas correntes, que se referem à manutenção das universidades, a exemplo de água, luz, telefone, internet, terceirizados, material de consumo, entre 2014 e 2021, houve uma redução de R$ 3,5 bilhões. Já o orçamento destinado a investimentos, usado para obras e equipamentos para laboratórios, a perda foi de R$ 2,7 bilhões no mesmo período, sendo que a redução aprovada para 2021 deixa essa verba próxima a zero. No orçamento de pessoal e encargos, professores e técnicos vivem a queda do salário desde 2019, fruto do processo inflacionário e do congelamento no período. De 2019 a 2021, são menos R$ 874 milhões.
A título de comparação, ele exibiu gráfico com investimentos na defesa nacional, que teve acréscimo de 37,6 bilhões entre 2015 e 2019. “Incremento que equivale quase à folha de pagamento das universidades federais”. Amaral concluiu afirmando: “A permanência durante algum tempo desse perfil de investimento vai levar ao sucateamento geral das instituições e uma verdadeira degenerescência de suas atividades”.
Orçamento da UFBA
Assim como as demais universidades federais do país, a UFBA é atingida pelos constantes cortes no orçamento. O pró-reitor de Planejamento e Orçamento da UFBA, Eduardo Mota, descreveu a crítica situação orçamentária da instituição, por isso “precisamos refletir, discutir e nos posicionar”. Veja aqui a apresentação em pdf.
“O custeio responsável pelo dia a dia da Universidade foi reduzido a cada ano, sobretudo entre 2019 e 2020, e mais ainda entre 2020 e 2021. Todos os investimentos que seriam necessários para obras, para reposição de equipamentos, para pesquisas foram desaparecendo. Havia obras não concluídas em 2014, algumas ainda não puderam ser concluídas, ainda remanescentes do projeto Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), que não puderam ser concluídas porque esses recursos de capital foram reduzidos até ficarem nos níveis previstos para 2021.”
Mota lembra que, em 2010, a dotação orçamentária da Lei Orçamentária Anual (LOA) disponibilizava cerca de R$ 133 milhões para a UFBA. Em 2021, são aproximadamente R$ 132 milhões. “É como se estivéssemos voltando a níveis de 10 anos atrás, justamente numa década na expansão do número de alunos”, observou. No mesmo período, as despesas de custeio de capital tiveram corte de mais de R$ 30 milhões e, caso se confirme o veto presidencial sobre valores de capital de R$ 4,4 milhões neste ano, o somatório de perdas alcançará aproximadamente R$ 35 milhões.
O reitor João Carlos Salles também comentou sobre a situação atual do orçamento da UFBA. “Nós temos um orçamento reduzido, que no caso da UFBA recua a 2010, quando nós tínhamos 15 mil estudantes a menos. É muito grave. E vivemos essa situação em plena pandemia”, lamentou.
Homenagens às vítimas da Covid-19 e arte como resistência
Durante o evento, o vice-reitor Paulo Miguez fez a leitura emocionada dos nomes das vítimas da Covid-19 na UFBA: “A cada um desses nomes, as nossas saudades. E a todos eles, o nosso compromisso de que iremos continuar na defesa da casa que eles tanto honraram.”
Com a arte como instrumento de resistência, a Escola de Bela Artes da UFBA fez uma intervenção artística em homenagem a todos que lutam pela vida e contra a Covid-19, no tapume em frente à reitoria da UFBA. O vídeo, sem som, foi também um chamado a um minuto de silêncio em homenagem às vítimas da pandemia no país.
Em outra intervenção, feita pela Escola de Dança da UFBA, a comunidade acadêmica questiona: “Por que, ao invés de atacar o vírus, atacam a universidade pública?”. Também foi exibido o vídeo “Queremos Universidade”, cantado por Margareth Menezes, que afirma “o futuro da nação passa por aqui. Sou da universidade, nunca vamos desistir!”.
Lazzo Matumbi cantou o hino do senhor do Bonfim, em gravação feita no salão nobre da reitoria. Já na capela do Museu de Arte Sacra da UFBA, o Hino ao Dois de Julho foi interpretado pela Orquestra de Violoncelos da UFBA regido pelo maestro José Maurício Brandão, com solo da mezzo-soprano Vanda Otero. A orquestra tocou ainda a Bachiana nº 5, de Villa-Lobos, com solo da soprano Flavia Albano. Ambos os arranjos tiveram a autoria de Wellington Gomes.
A programação artística contou também com Versinhos de bem-querer, enviados pela ONG AJENAI, formada por mulheres do Vale de Jequintinhonha (MG), especialmente para o ato público “Educação contra a barbárie”. O violinista e arranjador Mario Ulloa, professor da escola de Música da UFBA, tocou El Condor Pasa. “Tempos áridos, e sempre encontramos alento em nossas artes”, comentou o reitor João Carlos Salles.