“O conceito de divisão sexual do trabalho remete a uma definição ampliada de trabalho, que inclui o profissional e doméstico, formal e informal, remunerado e não remunerado.” Foi com esse direcionamento que a socióloga Helena Hirata, professora da USP e diretora de pesquisa emérita do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da França, convidada especial do Congresso Trabalho e Gênero, coordenado pela socióloga da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA Graça Druck, no dia 30 de agosto de 2021.
O seminário foi promovido pelo Grupo de Pesquisa Trabalho, Precarização e Resistências do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH); pelo Núcleo de Estudos Críticos em Trabalho, Educação e Interseccionalidades (Necti) do IFBa; e pelo Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim). A debatedora foi Élida Franco, mestra em ciências sociais pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da UFBA e atualmente doutoranda em sociologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Helena Hirata participou diretamente da França, onde reside, e trouxe algumas das inquietações acumuladas em quatro décadas de pesquisas, desde 1980, quando iniciou seus estudos de doutorado em Paris. A socióloga abriu o seminário expondo duas teorias da divisão do trabalho: a da “complementaridade entre os sexos” e da “divisão sexual do trabalho enquanto conflito”. Baseando-se na pesquisa da francesa Danièle Kergoat, Hirata afirmou que existem variáveis a ser discutidas na divisão sexual, como a opressão/dominação fortemente presentes dentro de uma divisão social e técnica de trabalho, acrescidas do ponto de vista de relações de poder e de categorias ainda mais recentemente incluídas na sua teorização: as relações de sexo, classe e raça.
A pesquisadora expôs também os novos enfoques dessa pesquisa, observando que a problemática da divisão de trabalho entre homens e mulheres está sendo hoje questionada pelos estudos queer, segundo os quais a “afirmação de uma multiplicidade de pertencimento ao gênero (passagens de um a outro) e sua falta de estabilidade, questionam o conceito de divisão de trabalho entre os homens e mulheres enquanto categorias sociais” afirmou Hirata, falando ainda sobre a categorização biológica de “cinco sexos”, explanada pela autora Anne Fausto-Sterling. “O sexo é uma construção histórica, social e cultural, e não totalmente restrito a biologia” pontuou.
Helena Hirata, com base na leitura de Sterling, acredita que a luta politica das feministas contra a divisão sexual do trabalho não seria alterada por conta dos novos enfoques que vêm sendo dados na atualidade. “A luta continua atual, embora os novos enfoques queer preguem a multiplicidade de pontos de vista do masculino e feminino e não apenas um homem e uma mulher, mas são categorias histórias e sociais que fazem com que haja essa oposição e conflito entre grupos sociais antagônicos (homens e mulheres).”.
As relações de poder e dominação estão inseridas das mais diversas formas na sociedade, observa a pesquisadora. Hirata exibiu duas capas de revistas onde são apresentadas mulheres. Nessas peças publicitárias, o feminismo foi reduzido ao “gênero feminino”, mostrando o interesse e desconstrução do gênero como única categoria explicativa e de ação. Com essa exposição, a pesquisadora remeteu sobretudo às questões concernentes a raça e classe social presentes nas fotos das capas, onde mulheres brancas e burguesas compõem um material de baixo valor aquisitivo, que será consumido por um grande número de pessoas.
O tema interseccionalidade – estudo da sobreposição ou intersecção de identidades sociais e sistema relacionados de opressão, dominação ou discriminação – trouxe alguns tópicos importantes para o entendimento do tema. Nesse tópico, a pesquisadora teceu considerações sobre o Blackfeminism na sociedade, indicando que as mulheres negras dentro do contexto de gênero e trabalho ganham menos que as brancas, têm um tratamento diferenciado e os impactos disso na pesquisa quando se coloca em questionamento um contexto histórico discriminatório aos negros.
“Não é possível falar de desigualdade de gênero como um grupo único”, afirmou Élida Franco, que iniciou recuperando sua trajetória de pesquisa desde o final da graduação até o doutorado na Unicamp, onde vem se debruçando sobre a tríade gênero, raça e sindicalismo. “Sobre trabalhadores mulheres e homens negros: não são iguais entre si, não ocupam igualmente o mercado de trabalho e não tem como os sindicatos estarem fora desse debate”, observou.
Franco lembro que, desde os anos 1980, autoras brasileiras como Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro trouxeram publicações nacionais relacionadas ao tema. A pesquisadora destacou a importância e relevância dessas obras em um cenário restrito na língua portuguesa.
Segundo Élida Franco, Gonzalez enfatizou a importância da discussão de gênero para à sociedade e como sua chegada no Brasil foi morosa por meio das publicações que foram traduzidas de forma bastante tardia no país, dificultando o acesso, para aqueles que não dominam a língua estrangeira, de consumir a informação.
A pesquisadora salientou ainda as transformações que vêm ocorrendo no Brasil com o acesso à informação, por meio de publicações recentes de livros estrangeiros, lançados há anos atrás, de autoras feministas estrangeiras, como por exemplo Angela Davis, que trouxe importantes discussões no ramo da interseccionalidade; e nacionais, como Djamila Ribeiro, que vem ganhando bastante projeção na mídia.