Um estudo sobre saúde mental revela um dado em comum entre o Brasil, a Alemanha e Luxemburgo durante a primeira onda da pandemia: crianças e adolescentes experimentaram uma queda significativa na satisfação com a vida. A pesquisa, pioneira por englobar os três países, indica que adolescentes do sexo feminino e crianças de famílias mais pobres são mais vulneráveis em relação ao bem-estar na crise sanitária da Covid-19. O artigo, intitulado “Subjective Well-Being of Adolescents in Luxembourg, Germany and Brazil During the COVID-19 Pandemic” (Bem-estar subjetivo de adolescentes em Luxemburgo, Alemanha e Brasil durante a pandemia COVID-19) foi publicado no Journal of Adolescent Health.
Crianças e adolescentes entre 10 e 16 anos foram o público-alvo do estudo, conduzido por seis pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Presbiteriana Mackenzie, Universidade de Luxemburgo e Universidade de Tübingen, na Alemanha. Foram coletados dados de 1.613 crianças de Luxemburgo, Alemanha e Brasil, entre maio e julho de 2020. Um questionário online capturou informações sociodemográficas dos participantes, suas experiências durante a pandemia da Covid-19, os níveis atuais e anteriores de satisfação com a vida e bem-estar emocional durante a pandemia.
Um dos pesquisadores que assina o estudo é Neander Abreu, coordenador do Laboratório de Neuropsicologia Clínica e Cognitiva (Neuroclic) do Instituto de Psicologia da UFBA. Abreu reflete que a vulnerabilidade entre os grupos de crianças e adolescentes de famílias de baixa renda é um alerta para a comunidade científica, gestores públicos e sociedade.
“Esses grupos de crianças e adolescentes mais pobres se tornam ainda mais suscetíveis aos efeitos negativos da Covid-19 nos contextos de educação, como o enfrentamento da carga referente a execução de tarefas e aos efeitos de estresse, ansiedade e sobre o bem-estar. É importante observar que esses efeitos foram observados nos diferentes países, o que acende o alerta para condições desfavoráveis para crianças e adolescentes”, comenta Abreu, que também é autor de outra pesquisa publicada neste ano que observou o aumento de depressão e ansiedade em pais após início da pandemia.
Em razão das diferentes curvas de infecção e diferentes medidas de combate à pandemia, os cientistas ficaram surpresos com as semelhanças dos resultados nos três países. “Isso sugere que os fatores que influenciam o bem-estar dos adolescentes, apesar dos diferentes contextos, apresentam pontos em comum. Isso pode revelar opções de ação que poderiam ser priorizadas nos planos de resposta global para Covid-19”, diz Sascha Neumann, da Universidade de Tübingen, uma das autoras do artigo.
Para a pesquisa, foram desenvolvidos modelos estatísticos a partir de um conjunto de fatores de risco e de proteção para prever o bem-estar dos adolescentes durante a pandemia. “O medo de ficar doente foi o indicador mais forte de bem-estar emocional nos três países”, afirma Pascale Engel de Abreu, primeira autora do artigo e professora de Psicologia na Universidade de Luxemburgo. Ela citou outros fatores associados ao bem-estar das crianças e adolescentes, a exemplo da maior carga de trabalhos escolares, atividades em casa, a satisfação com a liberdade e com a forma como os adultos as ouvem.
O estudo faz parte do projeto de pesquisa “Covid-Kids” liderado pela Universidade de Luxemburgo. A coordenadora do estudo, Claudine Kirsch, explica as motivações para o projeto: “ Ficou claro que Covid-19 não deixaria nossos filhos incólumes”. O projeto Covid-Kids explorou experiências de educação a distância e o bem-estar em crianças e adolescentes durante a primeira onda da pandemia. Em continuidade, o projeto “Covid-kids II” busca compreender os efeitos de longo prazo da pandemia no bem-estar de crianças e adolescentes. Os resultados podem ajudar a informar o desenvolvimento de intervenções de qualidade que promovam a saúde mental em crianças e adolescentes durante a pandemia global.