Tese da UFBA une dança e preocupação com o bem-estar e leva prêmio Capes

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Diego Pizarro

O recém doutor Diego Pizarro, autor da tese vencedora do Prêmio Capes 2021, na área das artes.

Com uma abordagem sobre composição em dança a partir da somática – campo de estudos que se funda na percepção do corpo sob a perspectiva da experiência vivida -, a tese “Anatomia corpoética em (de)composições: três corpus de práxis somática em dança”, do recém doutor Diego Pizarro, foi a vencedora, na categoria artes, do Prêmio Capes de Tese 2021 – anualmente, a premiação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior elege os melhores trabalhos de doutorado defendidos no país.

Elaborado sob orientação das professoras Bete Grebler (orientadora) e Viga Gordilho (co-orientadora), do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC/UFBA), o trabalho utiliza várias linguagens – como ilustrações, imagens, narrativas, abstrações e guias para realização de sessões de vivências -, a fim de que a leitura do conteúdo seja acessível a “vó, vizinha, avaliadora, leigos e iniciantes”, como afirma o autor.

O campo da somática foi o objeto de estudo do doutoramento de Pizarro, que, desde o início da pesquisa, valeu-se de recentes traduções de “textos importantes sobre a área [que foram] difundidos no meio acadêmico. Também foram editados dois números da Revista Repertório sobre a Somática no Brasil, além de publicações no periódico inglês Journal of Dance and Somatic Practice”, explica a professora Bete Grebler, acrescentando que “aprendeu muito com essa orientação”.

A notícia sobre a conquista do Prêmio Capes de Teses 2021 foi recebida com exultação e surpresa. A orientadora acreditava que “o trabalho tinha tudo para ser escolhido, mas a certeza só veio após o recebimento do e-mail de confirmação da Capes”. Já Pizarro foi tomado pela surpresa: “Mesmo sabendo que estava concorrendo, a informação foi impactante para mim, pois, como é uma tese sobre dança e somática, campos de conhecimento relegados às beiras, dentro da academia e dentre as próprias artes, esta é uma vitória não só minha, mas também da dança e da somática, que se veem representadas, acho que, pela primeira vez, neste prêmio”, contou.

A premiação consagra uma defesa regada a lágrimas, em dezembro de 2020, e significa o “reconhecimento pela dedicação intensiva e extensiva para a dança, o teatro, a somática e o movimento, há mais de 20 anos”, informou o vencedor. A professora Bete Grebler confirma que foi um esforço conjunto de Diego, que escreveu a tese com o método inovador da pesquisa performativa; do PPGAC, que acolheu o projeto; e dela, que encontrou, mais que um orientando, um parceiro de trabalho, ao longo de quatro anos e meio de pesquisa.

Bete Grebler

Professora Bete Grebler, orientadora da tese vencedora.

A somática e sua importância para a dança e bem-estar

A somática é um campo de conhecimento que se fundamenta na experiência da vida e sua potência. “A partir de nossas estruturas anatômicas, fisiologia e embriologia, nosso percurso pessoal de desenvolvimento sensoriomotor, intensificamos a relação com o mundo, com outras pessoas, animais, plantas, minerais e etc”, explicou Pizarro.

A tese aponta que quando há a oportunidade de intensificar esses processos minuciosamente, favorece-se a possibilidade artística de abrtura para caminhos inusitados, que antes não pareciam existir. A somática favorece a criatividade, a saúde, a recuperação ao postular que o corpo em movimento – isto é, o corpo vivo – já tem tudo em si, basta darmos uma oportunidade para que os processos orgânicos aconteçam.

Entretanto, observa Pizarro, “é difícil fazer isso, porque somos socialmente formatados, porque temos traumas variados e nossa percepção de alguns sentidos adormece ao longo da vida, já que o tempo está cada vez mais acelerado e cobrando produtividade e racionalizações imediatas. Definitivamente, não dá para compreender este campo só lendo um texto dissertativo, não porque é complexo, mas porque exige uma mudança de comportamento, por isso comecei a lançar mão de outros recursos”.

Desse modo, foram incluídas na tese dez sessões de somatizações, descritas como sessões guiadas, fundamentadas no sistema somático Body-Mind Centering. Trata-se de dinâmicas que pedem para realizar movimentos como deitar-se no chão por uma hora, ficar ali descansando, soltando o peso corporal, respirando em cada tecido, em cada célula, iniciando movimento e voz desde cada pedacinho, sequenciando, articulando, enumerou o pesquisador.

“As somatizações escolhidas lidam com o tema do tópico ou do capítulo em questão e, apesar de ser um pouco desconexo fazer esta prática lendo um texto, foi o modo que encontrei de convidar os leitores a imergirem no tema da tese, porque a somática é para ser vivenciada mesmo, seguindo sua tendência à oralidade, conectada com a prática”, explicou o autor.

O objetivo das sessões guiadas é envolver o leitor numa experiência breve para ajudá-lo a se envolver com o tema com a profundidade que ele pede. “Cada sessão guiada pode mover mundos, e o mais importante é a pessoa e suas descobertas pessoais, para integrar-se coletivamente. Cabe a nós, profissionais da somática, mostrar as possibilidades e abrir o convite”, disse ele.

“Recursos como os desenhos referentes, a narrativa e o texto dissertativo complementam razoavelmente um modo particular de compreender a somática. Definitivamente, não dá para compreender este campo só lendo um texto dissertativo, por isso comecei a lançar mão desses elementos. Inclusive, porque a própria metodologia da pesquisa envolveu esses procedimentos”, finalizou.

Tempo suspenso e adversidades da pandemia

Diego não contou com bolsa para realizar a pesquisa, mas obteve o apoio do Instituto Federal de Brasília, onde atua como docente desde 2010, que o liberou numa licença à capacitação para que se dedicasse inteiramente aos estudos. Por isso, o pesquisador pôde vivenciar a experiência do doutorado-sanduíche, durante sete meses na Universidade da Carolina do Norte (EUA), com bolsa da Capes.

No último ano da pesquisa, em 2020, “o tempo suspenso, imposto pela pandemia de Covid-19, deslocou o calendário da pesquisa”, lembrou a professora Bete Grebler. “Estávamos com a qualificação marcada para o final de março, e a defesa em agosto, mas a qualificação foi postergada para junho e a defesa passou para dezembro”, contou.

Para Pizarro, esse “tempo suspenso” deu-lhe mais quatro meses para finalizar o trabalho, o que possibilitou que o texto ganhasse a forma e conteúdo desejados por ele. “De fato, quando tudo foi suspenso, em março de 2020, eu já tinha quase a tese toda escrita em diversos artigos, notas, fichamentos, etc. Então, o desafio era ter o tempo para que a tese encontrasse a forma desejada, na articulação de tantos elementos ilustrativos, desenhos, poesias, narrativas e etc.”

Mas, nos últimos dois meses da finalização da tese (outubro e novembro de 2020), toda a família do doutorando testou positivo para Covid-19. “Foi um choque, porque todos estávamos na mesma casa. Enquanto escrevia a tese dia e noite, eu também cuidava dos meus pais, que estavam lutando contra as mazelas da doença. O medo de perdê-los, o medo de pegar Covid e não conseguir fazer mais nada e o cansaço emocional envolvido foram uma prova de fogo, justo na reta final”, lembrou.

No momento da apresentação da defesa, não foi possível segurar o choro, “engasgado, desde março de 2020! Morri de vergonha porque geralmente não choro em público. Mas foi bom. Lavei a alma”, revelou.

Desdobramentos para o futuro: somática e voz

“Os desdobramentos da pesquisa deram um ótimo impulso para iniciar o pós-doutorado”, contou Pizarro. “Eles estão ao longo da tese, mais especialmente na conclusão, que na verdade é uma carta de despedida, onde aponto desdobramentos possíveis da pesquisa”, indicou.

Dentre os que interessam está uma pesquisa sobre a dimensão somática da voz. “Lendo os textos de pioneiros da somática, percebi que voz e respiração são temas sempre presentes. Como nas artes cênicas em geral a somática foi relegada à preparação para cena – isto é, não à cena em si -, pretendo continuar desenvolvendo minha tese de que a somática pode ser também utilizada como procedimento de composição cênica”.

Diego avalia que enquanto na tese foram desenvolvidos procedimentos de composição em dança a partir da somática, agora ele pretende aprofundar-se na somática da voz, como procedimento de composição. “Mas nada disso está separado, é só um recorte específico que precisa de aprofundamento. E o tema da voz é uma ‘caixa de marimbondos’. Sinto o desafio se aproximando”, vislumbra.

Foto da capa: Imagem integrante da Tese de Diego Pizarro (Arcervo Pessoal – Fotógrafo Tom Lima )

 

 

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