Através das narrativas de histórias de vida de 11 mulheres e 20 homens, Natasha Maria Wangen Krahn, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA, escreveu a tese “Uma vida atrás das grades: Histórias de vida entrecortadas por internações e prisões”, um dos três trabalhos de doutorado da UFBA que venceram o Prêmio Capes de Tese 2021. Orientada pelo professor Luiz Claudio Lourenço, do Departamento de Sociologia, a doutora, premiada na categoria sociologia, buscou compreender as trajetórias que levaram à entrada dessas pessoas no que chamou de “porta giratória do encarceramento”, internação e prisão, revelando vivências de persistência criminal e criminalização.
Krahn buscou compreender as principais dinâmicas sociais nos diferentes espaços que as pessoas entrevistadas percorreram e os processos de derivação de um espaço a outro: a casa, a rua e a cadeia. Esse itinerário se transforma em uma trajetória circular – a partir da porta giratória do encarceramento – onde os três tipos de espaços se alternam e se atravessam. “Esta tese, resume, teve por objetivo descrever e compreender as dinâmicas sociais que permeiam trajetórias de vida que são entrecortadas por múltiplas experiências de privação de liberdade desde a adolescência.”
O principal método de pesquisa adotado, informa a pesquisadora, foi o método biográfico, através de entrevistas de histórias de vida e penal. A partir das narrativas, buscou analisar como homens e mulheres com experiências reiteradas de privação de liberdade e interação com os processos de criminalização apresentavam e compreendiam suas trajetórias.
Nas unidades prisionais onde a pesquisa foi realizada, quase 40% dos homens e 20% das mulheres que estavam aguardando julgamento já haviam sido presas anteriormente, assim como mais da metade das pessoas sentenciadas. Além disso, cerca de 10% dos homens presos provisoriamente, 6,7% dos sentenciados já haviam sido apreendidos quando adolescentes, assim como pouco mais de 8% das mulheres em ambas as situações.
“As entrevistas com as pessoas privadas de liberdade permitiram que se apreendesse a diversidade das trajetórias e das compreensões sobre essas trajetórias. Todas foram permeadas de múltiplas situações de violência sofridas e perpetradas, de injustiças, de sofrimento e de desejo de que suas trajetórias tivessem sido diferentes e que sejam diferentes. No entanto, há muitas particularidades na forma de enxergar suas próprias vidas, as pessoas que as rodeiam e a sociedade na qual vivemos. E foi essa diversidade de trajetórias e olhares sobre elas que busquei apresentar na tese”, explica Krahn.
Para a pesquisadora, conclui-se que a cadeia acaba sendo parte de um continuum de violações, violências e injustiças na trajetória de vida dessas pessoas, acrescentando complexidades e ambiguidades específicas a elas. “Para mim – revela – , a fala mais marcante, pensando de onde parti para realizar a pesquisa, foi a de uma das minhas interlocutoras: ‘eu não me acostumei, eu me adaptei’. Essa fala traduz o que apareceu de diversas formas no decorrer das narrativas de todas as pessoas com quem conversei: essa sutil distinção entre a naturalização de uma situação que não deve nunca ser naturalizada e as formas encontradas pelas pessoas entrevistadas de sobreviver e encontrar sentidos nessas trajetórias (passado, presente e futuro).”
Trabalho humano e zeloso
Natasha Krahn tem uma trajetória como pesquisadora em prisões que vem desde a graduação, o que é atestado pelo orientador Luiz Claudio Lourenço, que a conheceu no final da graduação, e desde então trabalham juntos. Na graduação, mestrado e doutorado, os trabalhos da pesquisadora sempre se debruçaram sobre temas ligados à reincidência criminal, gênero, políticas públicas, exclusão e violência. Em todos esses anos de estudos e produção acadêmica, Lourenço pôde perceber o amadurecimento da aluna como pesquisadora e socióloga.
Para o orientador, a tese de Krahn “é diferenciada, em especial pelo imenso volume de informações com que ela teve que lidar e pelo lado humano que ela conseguiu colocar na sua escrita. Ela soube transmitir muito bem esse lado humano. É impossível ler a tese e não ver as pessoas com quem ela teve contato, compreender aspectos de suas vidas e vivências. É importante que se diga que ela fez isso com zelo ao compromisso ético de não expor as pessoas com quem teve contato.”
O professor acredita que o prêmio é importante “pois mostra não só o mérito de Natasha como pesquisadora ou nossa exitosa relação de orientação, mas joga luz sobre o tema do encarceramento e as questões que levam pessoas a viver transitando por prisões. Também é muito importante por fortalecer nossa linha de pesquisa dentro da pós-graduação e o nosso programa, em especial, num contexto tão adverso para o ensino superior”.
Krahn, por sua vez, confessa que, para ela, além da surpresa da premiação, “o desejo é que reverbere em visibilidade e atenção política para as questões sensíveis que acabam fazendo com que pessoas específicas tenham trajetórias de vida tão perversas: racismo estrutural, seletividade penal, a enorme desigualdade social, violência de gênero, que estão intrinsecamente ligadas a todas as trajetórias apresentadas na tese.”
A pesquisadora lamenta, entretanto, que “incentivos indispensáveis para o fortalecimento da ciência estejam sendo minguados nesse atual cenário em que estamos vivendo, em que as universidades públicas vêm sofrendo tantos ataques e que, após uma crescente de acesso às universidades, em especial às universidades públicas, esse está sendo novamente cerceado e voltando a ser um privilégio de pouquíssimos.”
Natasha lembra ainda que, em 2021, a UFBA teve cinco trabalhados selecionados pela Capes, entre premiados e menção honrosa, fato que demonstra “a enorme potência desta Universidade e das pesquisas que estão sendo realizadas nela. Dentro desse espaço também é muito gratificante fazer parte do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade (Lassos), que foi se construindo e vem se consolidando enquanto lugar de construção do conhecimento sobre pesquisas e metodologias de pesquisa na área de crime, punição, segurança pública e direitos humanos, dando visibilidade a estas questões no contexto da Bahia e do Nordeste brasileiro.” Leia mais sobre o Lassos.
A autora premiada
Natasha Maria Wangen Krahn é Doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia – UFBA com período sanduíche no Departamento de Sociologia da Universidade de Toronto – UofT (Canadá). Mestre em Ciências Sociais pela UFBA. Graduada em Ciências Sociais – Licenciatura e Bacharelado com habilitação em Sociologia pela UFBA. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia da Punição e Sociologia do Crime. As principais áreas de interesse são: prisão, reincidência criminal, gênero, políticas públicas, exclusão e violência. Pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade (Lassos) da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA.