Em duas palestras proferidas recentemente, o reitor João Carlos Salles oferece-nos uma espécie de “manual” para o caso de precisarmos, eventualmente, identificar um tirano; e renova o alerta quanto aos estragos que uma tirania – como, por exemplo, a nazista, na Alemanha – pode causar a valores civilizatórios (como as instituições democráticas, a ciência, os direitos humanos) por vezes dados como garantidos e a salvo de qualquer retrocesso.
Em “Com tiranos não combinam brasileiros corações”, roda de conversa no dia 13 de setembro, na 7ª Semana Freiriana do Cariri – iniciativa da Escola de Políticas Públicas e Cidadania Ativa da região cearense -, Salles revisita a antiguidade clássica e, citando Arisóteles, elenca os traços fundamentais do tirano e de seu comportamento. O tirano seria, assim, aquele que “oprime sistematicamente toda rebeldia”, preocupando-se em “proibir as circunstâncias de convívio, os espaços de discussão, estudo e educação”. É também aquele que “empobrece o povo” – que assim se desinteressa da política – “e enriquece sua guarda”. O tirano, enfim, “procura o conflito”, forjando a “necessidade de alguma guerra, seja contra algum sistema, algum inimigo externo ou interno”. Em suma, “o tirano vive da fantasia de se apresentar como líder das guerras que o fabricam (…) pois não há ameaça maior ao tirano do que, em meio a tudo, vermos prosperar a amizade”.
Três dias depois, na aula inaugural da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Salles falou sobre “Cassirer e o nazismo”, recuperando do filósofo alemão Ernst Cassirer (1874-1945) a preocupação com a preservação das “grandes obras da cultura humana”. Para o filósofo – que vivenciou toda a ascensão do nazismo alemão, tendo falecido sem ver decretado o fim da Segunda Guerra Mundial -, tais obras “não são eternas nem invulneráveis. A nossa ciência, a nossa poesia, a nossa religião, são apenas a camada superior de um estrato muito mais velho que atinge uma grande profundidade. Devemos estar sempre preparados para convulsões violentas que podem abalar o nosso mundo cultural e a ordem social nas suas fundações”. Salles apresentou, então, a trajetória do filósofo, cuja “solução” contra o nazismo expressa-se no conjunto de sua obra, “uma resistência de princípio ao nacionalismo, ao irracionalismo, ao romantismo conservador, ao nazismo. Resistência de um cosmopolita, defensor dos direitos humanos, da república, da ilustração”.
O Edgardigital convida a comunidade universitária a assistir a essas duas palestras, não por coincidência complementares e, certamente, oportunas à audiência de quem esteja disposto a refletir sobre a grave crise política e social que atravessam nosso país e o mundo na atualidade.