Entre as comemorações do mês da Consciência Negra na UFBA estão discussões sobre a importância de defender critérios para garantir a lisura no acesso à Universidade através da política afirmativa de cotas raciais. Um debate sobre o assunto será realizado na mesa “Heteroidentificação, controle social, política racial e serviço público em defesa das ações afirmativas”, que acontece no dia 29 de novembro, às 14h, com as presenças da pró-reitora de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil da UFBA, Cássia Virgínia Maciel; da atual presidente da Comissão Permanente de Heteroidentificação Complementar à Autodeclaração de pessoas negras para os processos seletivos na UFBA (CPHA/UFBA), Juliana Marta Oliveira; de sua antecessora e primeira presidente da comissão, a professora Wlamyra Albuquerque, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas; e da pró-reitora de Ações Afirmativas da Universidade Estadual de Feira de Santana, Sandra Nivia Oliveira.
Além de celebrar o Novembro Negro, a atividade, que será transmitida pelo canal da TV UFBA no Youtube, “tem a intenção de ratificar a importância de celebração das lutas desse mês e apresentar as ações executadas pela CPHA, na promoção de ações afirmativas”, informa a presidente da CPHA, Juliana Marta. “A mesa tem como objetivo discutir a importância da manutenção e controle das políticas de ações afirmativas, que são estratégicas para o desenvolvimento social e o combate ao racismo e outras violências estruturais”, pontua a pró-reitora Cássia Maciel.
Esse debate “é mais um investimento necessário que a comunidade acadêmica da UFBA faz, no sentido de marcar a importâncias das políticas de ações afirmativas para a universidade brasileira”, destaca a professora Wlamyra Albuquerque. Ela enfatiza que “a ideia é reiterar a importância dessas políticas para qualificar a Universidade, [evidenciando] o quanto as políticas de ações afirmativas têm trazido ganhos e qualificação para UFBA”, já que, como observa a pró-reitora Cássia, “por outro lado, a diversidade é elemento indispensável na produção e circulação de saberes acadêmicos”.
Nesse sentido, a professora Wlamyra aponta que “já temos dados que mostram o bom desempenho dos alunos que entram pela política de cotas e, por isso, nosso trabalho é garantir a manutenção [dessa modalidade de] ingresso junto com a permanência desses alunos. Consequentemente, vem a valorização da educação pública e do desenvolvimento científico com qualidade nas universidades brasileiras”.
Propor um debate sobre a CPHA é importante porque “a comissão tem sua atividade precípua implementar as bancas de heteroidentificação, para os optantes por cotas para negros”, afirma Juliana Marta, que é assistente social da UFBA. “[A CPHA] implementa, fiscaliza e ratifica o que está previsto na lei 12.711, verificando se os optantes pela lei são, de fato, pessoas negras (pretas e pardas), além de apurar as denúncias de possíveis fraudadores desta política junto à UFBA”, informa a nova presidente da CPHA, empossada no dia 17 de setembro.
“A comissão heteroindentificação é muito importante, pois garante a fiscalização da Lei Brasileira de Cotas, para que as vagas sejam ocupadas pelo público ao qual se destina: a população negra. Funciona também como elemento didático e fomentador de importantes debates sobre relações raciais no Brasil”, defende Cássia Maciel.
Primeira presidente da CPHA, Wlamyra Albuquerque explica que “a instituição dessa comissão foi uma necessidade que se impôs diante de um cenário de tentativa de fraude numa política pública, aprovada por lei e fundamental para as universidades brasileiras. Então, a comissão foi uma resposta que a UFBA deu às frequentes tentativas de fraudar a política de cotas”. A docente afirma que a CPHA “foi o resultado de uma sequência de debates envolvendo setores do movimento negro na Universidade e servidores de outras instituições públicas de ensino superior, onde existem comissões com esse mesmo objetivo. É o resultado de um amadurecimento da comunidade acadêmica, acerca da importância de termos mecanismos de controle que resguardem as políticas de acesso à universidade”.
Desafios da CPHA durante a pandemia e para o futuro
Em 2020, com a propagação da pandemia da Covid-19, “tivemos o grande desafio de ajustar os padrões de heteroidentificação”, lembra Wlamyra. “Isso exigiu uma relação de maior proximidade, tanto com as mídias digitais e também com os sistemas disponíveis e acessíveis pela Superintendência de Tecnologia da Informação (STI) da UFBA, para que garantíssemos a manutenção dos processos de heteroidentificação na Universidade.”
Juliana Marta relembra que “com a portaria institucional de suspensão das atividades presencias da UFBA, a CPHA debruçou-se na construção de uma plataforma virtual que possibilitasse a execução das bancas. Compreendendo a importância institucional e política de respeito à lei e a luta da população negra na construção da lei de cotas e de mecanismos para a sua atuação, a equipe da CPHA, num primeiro momento, realizou bancas recepcionando a documentação, fotos e vídeo dos discente por e-mail”.
Ao mesmo tempo, “junto com a STI, adaptavámos o sistema do Siscon para receber a documentação, vídeo e fotos dos discentes, começamos realizar as bancas de forma telepresencial”, recorda Juliana. “Em relação aos recursos que asseguram os procedimentos, continuamos nos baseando nas normativas que regulamentam as bancas de heteroidentificação como etapa para a confirmação do fenótipo negro (preto ou pardo) do candidato”, explica. No começo do ano passado, foram realizados dois procedimentos presenciais, totalizando mais de 1.600 discentes convocados. E após o início da pandemia, no mesmo ano, foram realizados cinco procedimentos telepresenciais, com o recebimento de fotos e vídeos por e-mail.
Outro desafio do ano de 2020 foi a verificação das muitas denúncias de fraudes por alunos que tinham ingressado antes que a comissão tivesse sido instaurada. “Nos debruçamos sobre essa questão porque julgamos que é importante dar uma resposta à sociedade civil. Não só aos denunciantes, mas também a todos aqueles que teriam direito a essa vaga, caso ela não tivesse sido alvo de fraude”, explica a ex-presidente da comissão.
No começo de 2021, o grande trabalho da CPHA foi se organizar para desenvolver “metodologias que nos permitissem fazer averiguação, montar as bancas de forma remota, obedecendo as diretrizes e protocolos sanitários estabelecidos pela UFBA”, conta Wlamyra. Neste ano, já foram realizados dois procedimentos via Siscon e com realização de videoconferência.
No âmbito das capacitações, em 2021 foram ofertadas duas turmas online, com cerca de 60 pessoas capacitadas, entre as quais servidores efetivos da UFBA e, como parte de uma estratégia de transparência em relação ao controle social do mecanismo, outras 12 pessoas de órgãos externos à UFBA, como UFRB, IFBA, UFES, Coletivo de Entidades Negras, UNEGRO-BA, Defensoria Pública da União e Prefeitura Municipal de Salvador.
Juliana Marta, que assumiu há pouco, entende que, para o futuro, o “maior desafio é conseguirmos realizar as bancas de todos os processos seletivos de ingresso (bancas da graduação, graduação a distância, pós-graduação e concursos para técnico administrativo e docentes). Para isso, precisamos compor a equipe da secretaria administrativa, com mais servidores, pois atualmente só contamos com três servidoras”.
Procedimentos da verificação da CPHA
A CPHA é responsável por implementar os processos de bancas de heteroidentificação; recepção de denúncias e processos formativos sobre o tema; e formar as bancas de heteroidentificação para os três campi (Salvador, Camaçari e Vitória da Conquista) da UFBA, visando ao ingresso nos cursos de graduação, pós-graduação e EAD; processos seletivos internos de estágios e concursos de ingresso de servidores docentes e técnico-administrativos.
“A verificação presencial da autodeclaração no acesso aos cursos de graduação na UFBA se baseou na consolidação da universidade pública, gratuita, inclusiva e de qualidade, considerando que esta tem sido uma construção que envolve demandas internas e externas às de sua comunidade, bem como interesses sociais diversos”, afirma a pró-reitora Cássia Maciel em documento que reúne considerações sobre o tema.
Nas primeiras edições, a verificação foi realizada conjuntamente pelas pró-reitorias de Ensino de Graduação (Prograd), Assistência Estudantil e Ações Afirmativas (Proae) e de Desenvolvimento de Pessoas (Prodep), utilizando como procedimento de heteroidentificação o “Método Oju Oxê” (Olhos da e para a Justiça), desenvolvido pela professora do Instituto Federal da Bahia (IFBA) Marcilene Garcia de Souza, doutora em sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) com pesquisa sobre cotas raciais em concursos públicos e também especialista em história da África, cultura africana e afro-brasileira, educação e ações afirmativas.
O método utiliza a seleção visual de características do fenótipo, mediante uma observação que leva em conta a presença de traços negroides, como cor da pele, formatos do rosto, nariz e lábios, textura dos cabelos etc. “Quando as bancas de heteroidentificação começaram a ser organizadas em 2019, na UFBA, elas se baseavam nessa metodologia inspirada no trabalho da professora Marcilene Garcia de Souza. Mas, ao longo do tempo, a metodologia foi sendo aperfeiçoada e modificada, de acordo com as necessidades que temos na UFBA”, explica a nova presidente da CPHA.
A equipe que participou da primeira aferição fez um curso de capacitação com duração de oito horas, ministrado pela professora Garcia. Nessa capacitação, os participantes obtiveram conhecimentos sobre as políticas públicas de ações afirmativas e reparação e orientações sobre como identificar características fenotípicas referentes às raças.
“A CPHA foi instituída pela Portaria nº 169 de 2019, mas ainda em setembro de 2017 foi constituído um Grupo de Trabalho para implementação de mecanismos de combate às fraudes nos processos seletivos da UFBA, composto por 14 membros, representando órgãos da administração central, unidades acadêmicas e corpos docentes, discentes e coletivos, como Proae (Coordenação), Prodep, Prograd, Propg, Supac, Assufba, Apub, DCE, Estudantes Indígenas e Quilombolas, FFCH, Faculdade de Direito e Comitê de Combate às Fraudes da UFBA. O grupo realizou reuniões periódicas, diálogos com especialistas, buscando ampliar análises dos processos seletivos para acesso à Graduação e Pós-Graduação.
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