
2014.07.29 – Porto Alegre/RS/Brasil – Motoqueiro na avenida Salgado Filho esquina com avenida Borges de Medeiros. | Foto: Ramiro Furquim/Sul21.com.br
Um entregador por empresa de aplicativo teve o vínculo de trabalho reconhecido, mediante ação impetrada na Justiça do Trabalho pelo projeto Caminhos do Trabalho, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT), que defende direitos de trabalhadores de diversas categorias, como entregadores por aplicativos e trabalhadores de call center.
A decisão judicial, proferida pela 11ª Vara da Justiça do Trabalho de Salvador, que reconheceu o vínculo trabalhista entre um entregador e a empresa Uber Eats, tem grande importância porque “é uma das primeiras na Bahia”, explica a professora de direito e processo do trabalho Gabriela Sepúlveda, que é uma das advogadas que representam gratuitamente, em processos judiciais, o projeto Caminhos do Trabalho, coordenado pelo professor da Faculdade de Economia da UFBA Vítor Filgueiras. Para além da repercussão local, o caso também abre “precedentes em outros Estados, que se aliam à tendência internacional de reconhecimento e proteção dos trabalhadores contratados pelas chamadas plataformas digitais”, entende Sepúlveda.
Além disso, essa sentença é muito importante “pois demonstrar que é possível acionar judicialmente essas grandes empresas sempre que houver violação de direitos”, pontua a advogada, bacharela em direito e mestranda pela UFBA, além de pesquisadora do Grupo de Pesquisa Transformações no Trabalho, Democracia e Proteção Social (CNPq/UFBA).
O texto da decisão determina a assinatura da carteira de trabalho e pagamento de direitos ao trabalhador, que alegou ter sido desligado da empresa de forma injusta. O também advogado e membro do Grupo Caminhos do Trabalho Maurício de Melo Teixeira Branco salienta que a decisão “representa o senso de realização da justiça, pois encontramos pessoas muito fragilizadas, algumas vítimas de acidentes de trabalho, que não conhecem os seus direitos e não dispõem de recursos mínimos para contratação de advogados”. E acrescenta que a maioria desses trabalhadores “tem dificuldade em obter atendimento jurídico, dada a disparidade de forças entre o trabalhador e essas empresas”.
A sentença da juíza Fernanda Carvalho Azevedo Formighieri “foi técnica e apontou os pontos em que a contratação do trabalhador violou a legislação”, avalia Sepúlveda. Nela, a juíza reconheceu o vínculo de trabalho, apontando que o trabalho prestado atendeu aos requisitos do artigo 3° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que determina que toda pessoa física que prestar “serviço de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário, será reconhecida como empregado”.
Nesse caso, o trabalhador foi atendido pelo projeto em abril de 2021, e sua ação foi proposta no final de maio deste mesmo ano. “Entre o peticionamento e a sentença foram menos de seis meses”, salienta Teixeira Branco, que é doutorando em direito do trabalho pela UFBA e pela Universitá di Pisa, na Itália, e mestre em direito privado pela UFBA. “Por envolver ações de valor não muito elevado, a maior parte dos processos tramita sob um rito simplificado, que prevê mais celeridade na conclusão do processo. Por outro lado, a maior parte das provas é documental e já acompanhou a ação desde o seu ajuizamento, o que também contribui para que o julgamento seja mais rápido”, explica.
A decisão determina, ainda, que a Uber Eats assine e aponte a baixa na Carteira de Trabalho de Genilson, com data de admissão e demissão e destacando a última remuneração no valor R$ 879,51. Além do reconhecimento do vínculo, a Uber Eats foi condenada a pagar R$ 9.845,66 ao entregador, além de mais R$ 495,85 de honorários e R$265,62 de custas sobre o valor da condenação.
Por sua vez, a Uber informou, por meio de nota à imprensa, que vai recorrer da decisão, que é de primeiro grau e representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados pelo próprio Tribunal Regional e pelo Tribunal Superior do Trabalho.
No caminho de novas ações
Até o final de 2021, Teixeira Branco acredita que o Projeto Caminhos do Trabalho deve “ingressar com outras cinco ações semelhantes na Justiça. Todavia, eventuais decisões favoráveis devem aumentar a procura pela Justiça, tanto por meio dos núcleos de assistência quanto por escritórios de advocacia. O Caminhos do Trabalho já atendeu dezenas de trabalhadores por aplicativo. Após estudar alguns casos, já foram ajuizadas cinco ações”, contabiliza.
Ao chegar no Caminhos do Trabalho, “os trabalhadores passam por atendimento multidisciplinar no Projeto, oportunidade em que narram a sua rotina de trabalho e as causas de sua insatisfação. Se a narrativa envolve a violação de direitos previstos em lei, é solicitado que o assistido apresente provas do quanto alega, que são checadas cuidadosamente pelos pesquisadores. Somente quando os fatos estão totalmente comprovados é que se ingressa com a ação, pedindo estritamente o que é devido ao caso”, informa Sepúlveda.
O “Caminhos do Trabalho” funciona como projeto permanente de extensão desde 2017 e está voltado para a pesquisa e atendimento de trabalhadores em setores sensíveis, como aplicativos de entrega e teleatendimento (call center). O serviço garante a preservação da identidade das pessoas assistidas, sem qualquer tipo de exposição, como fruto de um termo de cooperação técnica entre o MPT e a UFBA.
O propósito é “crescer e se tornar uma política pública estável de atendimento aos trabalhadores e, complementarmente, subsidiar instituições como a Justiça e a fiscalização do trabalho e outros órgãos públicos para que atuem de forma coletivamente em defesa dos direitos do trabalhador”, afirma o coordenador do projeto, professor Vitor Filgueiras.
Leia mais:
– Parceria entre UFBA e Ministério Público do Trabalho assiste entregadores por aplicativo de Salvador