
O estudo verificou a deposição de nanopartículas de metais nobres como o paládio na parede celular dos fungos, conferindo a estes microrganismos características singulares, como por exemplo a condutividade elétrica e atividade catalítica
Um estudo multidisciplinar liderado por pesquisadores do Instituto de Química da UFBA resultou em um trabalho inédito ao cultivar fungos em solução de nanopartículas de paládio (Pd-NPs), incorporando-as em sua estrutura celular. A deposição de nanopartículas de metais nobres, como o paládio, na parede celular dos fungos cria uma “carapaça” – espécie de armadura que confere a esses microrganismos características singulares, como por exemplo a condutividade elétrica e atividade catalítica, diferentes das encontradas na forma nativa. Além disso, as reações catalisadas por Pd-NPs também facilitam a síntese de produtos químicos importantes. Os resultados estão disponíveis em artigo publicado na revista Langmuir, editada pela ACS, Sociedade Norte-Americana de Química.
No trabalho, conduzido por pesquisadores do Laboratório de Biotecnologia e Química de Microrganismos (LBQM) da UFBA, observou-se uma deposição preferencial das nanopartículas na parede celular de vários microrganismos isolados de plantas da área de proteção ambiental da Lagoa do Abaeté. O estudo também aponta reações catalíticas relevantes, como a de hidrogenação em álcoois alílicos, importantes na indústria farmacêutica e na química fina. No entanto, no decorrer desse trabalho, os pesquisadores observaram uma internalização inesperada das Pd-NPs no citosol (conteúdo fluído semelhante a um gel aquoso que preenche o citoplasma entre as organelas, núcleo e a membrana plasmática) de uma espécie de fungo do gênero Penicillium(LBQM-07) – o que torna esse biossistema promissor para outros estudos de reações catalíticas in vivo.
“O conceito de catálise in vivo envolve a participação de nanopartículas altamente reativas no processo metabólico de células viáveis, o que pode levar à produção de novas substâncias que podem ser úteis como fármacos, por exemplo” aponta o professor Marcos Malta, do Instituto de Química da UFBA, um dos autores do estudo. Também assinam o artigo as pesquisadoras Adriana Fontes, Camila Oliveira, Pascal Bargiela, Maria da Graça C. da Rocha e Regina Geris, do Instituto de Química, em colaboração com o professor Antônio Ferreira da Silva, do Instituto de Física, e Robert Scott e Mahesh Gangishetty, da Universidade de Saskatchewan, no Canadá.
Um esforço significativo tem sido feito no desenvolvimento de estratégias para a imobilização de Pd-NPs e outros materiais em superfícies microbianas. As características dos microrganismos mudam drasticamente quando nanopartículas são integrados na parede celular. Os estudos foram realizados no LBQM, do Instituto de Química, no Laboratório de Microscopia Eletrônica (LAMUME-IF), do Instituto de Física, em parceria com o Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia). As pesquisas na interface fungo/nanomateriais se iniciaram em 2010 com a integração de nanopartículas de prata em fungos filamentosos. Atualmente o grupo mantem parcerias com pesquisadores de Universidades da França, Noruega e Canadá.
O professor Marcos Malta explica que o paládio foi escolhido para o experimento por ser um catalisador altamente efetivo e ter grande aplicabilidade em catálise e síntese química. No entanto, inicialmente essas nanopartículas se mostraram tóxica para os microrganismos. Por isso, o processo demandou deposição prévia de partículas de ouro nas células fúngicas como estratégia para a incorporação de paládio. Segundo o professor, os fungos desenvolvem bem em meio contendo partículas de ouro, porém esse é um metal nobre muito pouco reativo. Já o paládio apresentou a capacidade de promover reações na parede celular em condições brandas de temperatura
“Convertemos o microrganismo em uma entidade biológica/inorgânica com um trabalho que envolve a interface de muitos conhecimentos de áreas como Química, Física e Microbiologia. É um trabalho conjunto e bastante desafiador”, afirma Malta sobre a atuação dos pesquisadores, que agora buscam entender os mecanismos químicos de integração das nanopartículas, no que elas alteram o metabolismo fúngico e quais novas substâncias poderão ser produzidas diferentes daquelas próprias do microrganismo original. “É isso o que estamos tentando desvendar agora. Esse conceito é original pois agrega-se novas características ao organismo sem mexer no seu genoma. Tem muita coisa ainda a ser feita”, planeja o professor.