2º lugar no Prêmio Abeu, coletânea organizada por Waldomiro Silva Filho discute filosofia e democracia

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Nos últimos anos, surgiu um importante debate sobre a crise e declínio das democracias liberais. Alguns eventos na Europa e nos Estados Unidos com a emergência de governos de extrema-direita pelos meios legítimos do voto e o impacto das novas mídias sociais sobre o processo de formação da opinião pública ligaram um sinal de alerta. Ademais, o assustador crescimento das desigualdades econômicas entre classes e nações em conflito com a consolidação de movimentos pelos direitos de minorias, negros, mulheres e LGBTQIA+ tem elevado a temperatura das tensões sociais.

A explicação é do professor de filosofia da UFBA Waldomiro José da Silva Filho, organizador do livro Porque a Filosofia Interessa à Democracia, que acaba de conquistar o segundo lugar no premio da Associação Brasileira das Editoras Universitárias (Abeu) 2021, na categoria de Ciências Humanas. Para ele, a publicação editada e lançada em abril (2021) pela Edufba, não é um livro panfletário que defende uma posição política à esquerda ou liberal, mas procura ir ao âmago da própria natureza da atividade filosófica e da forma de vida democrática. O Prêmio ABEU é a mais importante honraria da produção literária acadêmica, dando destaque a produções que, de outro modo, poderiam passar silenciosas pelo mercado editorial nacional. Assista ao vídeo da cerimônia em: https://www.premioabeu.com.br

Para o professor Waldomiro “Os textos reunidos se destinam tanto à leitora e ao leitor bem informados e que não têm formação acadêmica em filosofia, mas estão interessados no debate intelectual sobre política e sociedade contemporâneas, quanto ao estudante, pesquisadora e pesquisador de filosofia. Escritos em uma linguagem que não exige um domínio prévio de teorias filosóficas, acrescenta o professor, procura evitar, sempre que possível, os jargões esotéricos, mas sem ceder ao discurso fácil e panfletário, os textos procuram apresentar aquilo que caracteriza a peculiaridade da filosofia na discussão sobre democracia”, adianta.

Sobre a premiação da Abeu, Silva Filho ressalta o seu duplo significado do prêmio: “Em primeiro lugar, mostra a excelência do trabalho da Editora da Universidade Federal da Bahia”. Isso tem envolvido um trabalho técnico de elevadíssimo nível, na seleção dos manuscritos, na atividade de editoria, revisão e realização gráfica, algo que tem sido feito sob condições precárias. Em segundo lugar, esse Prêmio demonstra que o tema do nosso livro tem grande relevância para a nossa comunidade acadêmica. Em geral, as pessoas imaginam a filosofia como um castelo afastado das coisas da vida, ideias obscuras e alheias à vida comum. Sabendo da competência acadêmica do corpo da Abeu e só podemos concluir que, de fato, o trabalho da Edufba e do grupo de autores reunidos nesse livro teve seu valor reconhecido no cenário da excelente produção acadêmica brasileira”.

A diretora da Edufba, Flávia Goulart Roza, afirma que recebeu com alegria e orgulho a premiação do livro e que o fato ganha relevância em meio à adversidade que atravessamos: “somos resistência e através das publicações dialogamos com a sociedade. Representamos a produção da nossa Instituição. Este prêmio vem se juntar a outros já recebidos em anos anteriores, numa demonstração da importância e da posição ocupada pela Editora da UFBA. Ressalto que a parceria com os Programas de Pós-Graduação da UFBA tem sido de fundamental importância para a nossa atuação”, declarou a diretora.

Bebendo na fonte

“Nas suas origens europeias, na Grécia Clássica, lembra o professor, o nascimento da filosofia coincidiu com o advento de uma forma de vida inédita, a pólis – uma forma de vida baseada na palavra e na disputa por razões entre iguais na condução dos negócios humanos. Para entender Porque a Filosofia Interessa à Democracia, foram convidados filósofos e filósofas para refletir sobre como o cultivo dessa inclinação da filosofia a defender o espaço público das razões é fundamental para a forma de vida democrática. Abordando diferentes autores de diferentes tradições, fazendo o cruzamento de vários campos da investigação filosófica, Porque a Filosofia Interessa à Democracia faz um convite para nos alinharmos na defesa do desacordo legítimo e do diálogo”.

Os capítulos reunidos abordam temas como liberdade, equidade e desigualdade social, liberalismo e deliberação, autoritarismo e tirania, virtudes intelectuais e justiça epistêmica, direito à educação e à informação, Estado de direito e o papel da verdade e o ensino e transmissão da filosofia. Esses temas são explorados a partir de filósofos de diferentes épocas e tradições e de distintos ângulos, como a filosofia política, ética, filosofia da linguagem, história da filosofia, epistemologia e psicanálise, e organizados em cinco seções.

A primeira seção do livro reúne três textos que colocam o filósofo na arena democrática. O capítulo que abre essa primeira seção foi escrito pelo filósofo e reitor da UFBA João Carlos Salles e se intitula Máscaras do Filósofo: ou o não lugar da Filosofia, e que trata do papel do filósofo, especialmente daquele que também é professor de filosofia. Algumas das perguntas que conduzem o ensaio são: “O que, afinal, seria o ser filósofo? Qual a tarefa, quais as obrigações do profissional da filosofia?”.

O segundo capítulo dessa seção foi escrito por Renato Lessa, professor da PUC-Rio, e tem o título de Filosofia, democracia, abstração, formas de vida. Este capítulo vai direto à interrogação que motiva o livro: “É possível estabelecer relações de implicação mútua entre filosofia e democracia?”.

Encerrando essa primeira seção, Adriano Correia, da Universidade Federal de Goiás, trata do grande fardo que acompanha o filósofo e o impõe ser alguém condenado “a pensar a pólis”. Ele faz isso a partir de uma leitura de Hannah Arendt, em O projeto de Sócrates: Hannah Arendt sobre a relevância política da filosofia.

“O desafio de pensar o presente” é a proposta da segunda seção do livro, que aborda o presente de um modo específico: como ressalta Eunice Ostrensky, da USP, no capítulo que abre a segunda seção, Democracia na era da desumanidade. “escrever sobre o presente é, por si só, um desafio à coerência.”

Na sequencia, a racionalização da vida cotidiana, nas suas diferentes esferas nas sociedades democráticas, é o tema de texto escrito por André Berten, da Université Catholique de Louvain (Bélgica), Racionalização do mundo da vida e democracia deliberativa.

A filosofia está em perpétuo confronto com sua tradição, especialmente, como suas origens antigas. Isso aparece nos vários capítulos deste volume, mas recebe uma formulação ainda mais forte no capítulo escrito por Juliana Aggio, da USP, Filosofia como modo de vida democrático.

A filosofia, a democracia e a produção do mundo, o quarto capítulo dessa seção, é um texto escrito a oito mãos, por Hilton Leal da Cruz (IFBA), Tiago Medeiros Araújo (IFBA), Pedro Lino e Carvalho Jr. (UFBA) e José Crisóstomo de Souza (UFBA). Além de representar um trabalho cooperativo, o capítulo se realiza como um “trabalho em progresso”, como um programa de investigação sem disfarçar a ansiedade de intervir, propor, contribuir para um debate aberto.

No último capítulo dessa seção, Rafael Azize, ca UFBA, e Renata Nagamine, pesquisadora visitante no Laureate Program in International Law, da Universidade de Melbourne, na Austrália, assinam Fala, identidade, democracia, abordando de um ponto de vista da filosofia contemporânea, a posição da pessoa que fala.

No primeiro texto da terceira seção – o tempo da democracia – Aldo Dinucci e Carlos Enéas de Moraes Lins da Silva, ambos da Universidade Federal de Sergipe, apresentam uma tradução inédita em português direto do grego de um texto do filósofo grego Epicteto, no capítulo Tirania, liberdade e coragem em torno da Diatribe 1.19 de Epicteto.

Já a abordagem de Jean-Jacques Rousseau sobre democracia no seu Contrato social é o assunto de Uma palavra que o sonho humano alimenta: Rousseau e a democracia como um desafio, de Genildo Ferreira da Silva, da UFBA, e Israel Alexandria Costa, Universidade Federal de Alagoas.

O amor à nação é tema tratado por Geraldo Martins da Cunha, da Universidade Federal de Lavras, em Nacionalismo e democracia: Fichte leitor de Maquiavel. Este ensaio trata especificamente do capítulo “De la démocratie” do Contrato social.

Na sequencia, Nietzsche: precursor da democracia agonística? de André Luís Mota Itaparica, da Unicampo, apresenta a crítica de Nietzsche à democracia liberal.

Contradições entre capital e democracia: reflexões a partir de Marx, de Vinícius dos Santos, da UFBA, procura entender a natureza da ideia de que a democracia está em crise ou de que ela está morrendo.

Essa seção é fechada com um capítulo escrito pela filósofa argentina Verônica Tozzi Thompson, da Universidade de Buenos Aires: ¿Por qué la filosofía narrativista de la historia interesa a la democracia?, que aborda a relevância da história e da narrativa histórica para a esfera pública.

A quarta seção do livro, epistemologia da democracia, reúne os trabalhos O que a epistemologia pode fazer pela democracia? de Felipe Rocha L. Santos, da UFBA, que considera que se partimos do pressuposto de que um país que permita participação popular pelo voto, que garanta as liberdades e tenha instituições independentes, esse é um país mais próximo do ideal de democracia.

Em Epistemologia social para tempos de crise, Breno Ricardo Guimarães Santos, da  Universidade Federal de Mato Grosso, explora as consequências epistêmicas das nossas interações sociais em tempos de polarização política e de uma consequente e suposta crise epistêmica ou crise do conhecimento.

Democracia e humildade intelectual, de Kátia M. Etcheverry, doutora pela PUC-RS, encerra a seção, propondo a aproximação entre um campo de estudos específico da epistemologia social, conhecido como epistemologia do testemunho, e a epistemologia das virtudes. (SOSA, 2007).

Na quinta e última seção, a democracia e seus lugares, Delamar José Volpato Dutra, da Universidade Federal de Santa Catarina, em Estado, democracia e direito: a Constituição brasileira entre o Estado democrático de direito e Estado de direito democrático recorre à filosofia política e do direito para tratar de temas como autonomia pública e privada e da relação entre Constituição e democracia a partir de autores como Thomas Hobbes, Jürgen Harbermas, Isaiah Berlin e do filósofo brasileiro Carlos Nelson Coutinho.

O capítulo seguinte aborda um tema do momento e que tem abalado democracias deliberativas: fake news. Leonardo Jorge da Hora Pereira, da UFBA, explora isso em A pós-verdade e o futuro da filosofia e da democracia: entre realismo e imaginação.

No último capítulo do livro, a filosofia e a política, elas mesmas, são questionadas no texto não filosófico do psicanalista Marcelo Veras que escreveu O Outro entre uns e outros.

 

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