Um estudo multidisciplinar realizado com a participação de pesquisadores da UFBA investigou a relação entre as causas de mortalidade e o tamanho da população das cidades, a partir da reunião de dados de 742 metrópoles em 10 países da América Latina e nos Estados Unidos, coletados a partir do projeto Salud Urbana en America Latina (Salurbal), que é coordenado pela Universidade Drexel e reúne pesquisadores de todo o continente. No Brasil, o projeto conta também com a colaboração do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de São Paulo (USP). Os resultados da pesquisa, que utilizou como método a análise de escala, estão apresentados no artigo “Scaling of mortality in 742 metropolitan areas of the Americas”, publicado no periódico Science Advances.
“Análise de escala é uma ferramenta para estudar sistemas complexos. É uma área de conhecimento da Física que utilizamos para comparar estruturas de diferentes tamanhos, como, por exemplo, o contingente populacional”, explica o professor do Instituto de Física da UFBA, Caio Porto, pesquisador associado ao Cidacs e um dos autores do artigo. “A maioria dos parâmetros de mortalidade observados não crescem linearmente de acordo com o tamanho da população de cada cidade”, diz ele sobre os resultados do estudo que analisou as seis principais causas de morte e a sua relação com o quantitativo populacional de áreas metropolitanas com 100.000 residentes ou mais.
A pesquisa destaca como principais causas de mortes: câncer; doenças cardiovasculares; óbitos por doenças transmissíveis, maternos, neonatais e nutricionais, e por doenças não transmissíveis; as taxas de mortalidade por lesões não intencionais, como é o caso dos acidentes; suicídio; e homicídio. As informações abrangem o período de 2012 a 2016 – exceto para El Salvador, país que teve informações disponíveis para os anos de 2010 a 2014. Por isso mesmo, a covid-19 não é uma causa de mortalidade considerada no estudo.
Os dados demonstram que, quanto maior a cidade (mais populosa), maior é a violência e as mortes por homicídio. Por outro lado, as cidades maiores podem ser protetivas para determinadas causas de mortalidade, a exemplo do câncer, devido a uma uma melhor infraestrutura de saúde que permite o diagnóstico precoce e o acesso ao tratamento. “Determinados tipos de doença não são possíveis diagnosticar em cidades menores do interior”, aponta. Já as cidades menores podem ser fator protetivo para as doenças cardiovasculares, segundo o pesquisador, que cita o exemplo de pequenas cidades em que o sistema de transporte é insuficiente e os seus habitantes costumam se deslocar a pé ou de bicicleta, combatendo o sedentarismo. As grandes cidades, inclusive, têm procurado estimular a prática de atividades físicas entre suas populações, com a construção de parques e bicicletários, conforme observa.
No seu entendimento, uma enorme gama de outros fatores exercem influência sobre a mortalidade, como os indicadores econômicos, educacionais, culturais e de infraestrutura. Além disso, podem existir diferentes realidades dentro de uma mesma cidade. De uma maneira geral, verificou-se que as cidades mais populosas são mais protetivas nos Estados Unidos, enquanto que na América Latina essa diferença não ficou evidenciada, e, portanto, morar numa cidade grande não é fator mais protetivo do que viver em cidades menores na região, conforme destaca Caio Porto. “Mas isso não é uma regra”, pondera, sinalizando a desigualdade social que marca a realidade do continente.
“O escalonamento sublinear de algumas causas de morte indica que cidades maiores podem se beneficiar da eficiência nos serviços, das oportunidades educacionais e de trabalho e de ambientes e políticas que possam promover a saúde. Em contrapartida, o dimensionamento superlinear destaca as correlações potencialmente negativas das cidades maiores, como aglomeração, poluição, violência e desigualdade”, destacam os autores do artigo, que consideram que os achados revelam padrões distintos em todas as Américas, sugerindo nenhuma relação universal entre o tamanho da cidade e a mortalidade. Por isso defendem a importância de compreender os processos que explicam a heterogeneidade no comportamento de escala ou mortalidade para avançar ainda mais as políticas de saúde urbana.
“Uma vez entendida como a mortalidade varia de uma cidade para a outra, podemos discutir como o tamanho da cidade e o número de habitantes influencia na saúde da população”, afirma o professor Caio Porto. “O objetivo do nosso estudo é que essa informação seja filtrada e chegue aos entes públicos para contribuir com a solução dos problemas observados”, acrescenta ele, defendendo que essa análise é fundamental para ajudar a localizar onde determinadas políticas públicas devem ser aplicadas.