
Combinação Coronavac-Pfizer melhora a eficácia vacinal para 92,7% e proteção de 97,3% contra casos graves.
À medida que as vacinas contra a Covid-19 eram aplicadas nos cidadãos brasileiros, em 2021, o Grupo VigiVac – formado por pesquisadores da UFBA e de outras instituições públicas brasileiras de ensino e pesquisa – monitorou o desempenho dos imunizantes, a fim de medir a eficácia vacinal e fornecer informações para orientar políticas públicas de imunização. O estudo, publicado pela revista Nature Medicine, constatou que uma dose de reforço da vacina fabricada pela Pfizer/BioNTech (a BNT162b2, que utiliza mRNA), seis meses após a segunda dose da vacina CoronaVac (fabricada no Brasil pelo Instituto Butantã e que utiliza o vírus desativado), melhora a eficácia vacinal contra a doença para 92,7% e previne resultados graves em 97,3%.
“Com base nos resultados encontrados, constatamos o grande papel protetor da vacinação, especialmente contra quadros graves da doença”, informa a professora da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) da UFBA, Viviane Boaventura, orientadora da pesquisa, realizada com o doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da FMB Thiago Cerqueira Silva. “A ideia da avaliação surgiu cerca de um mês após o início da aplicação das doses de reforço pelo Ministério da Saúde, em setembro 2021”, explica o doutorando.
O estudo teve ampla repercussão e artigos publicados em periódicos científicos, assinados por vários pesquisadores do Grupo VigiVac, dentre eles,os da UFBA: Manoel Barral-Netto (FMB), Maurício Barreto (Instituto de Saúde Coletiva – ISC), Vinícius de Araújo Oliveira (PPGCS/UFBA), Juracy Bertoldo Junior (ISC), além de Viviane Boaventura e Thiago Cerqueira.
A pesquisa
O pesquisador explicou que foram acompanhadas “as publicações globais sobre a efetividade das vacinas contra Covid-19″, salientando que “existia uma lacuna nos dados em relação à CoronaVac, apesar de a CoronaVac/SinoVac representar quase 50% das doses aplicadas no mundo”. Levando isso em conta, o grupo resolveu “investigar com os dados do Brasil, para poder nortear o uso dessa combinação em possíveis políticas públicas de outros países”.
Foram usados dados nacionais de quase 14 milhões de brasileiros na avaliação da eficácia de duas doses de CoronaVac contra infecção confirmada por SARS-CoV-2 e desfechos graves de Covid-19 (hospitalização e morte), desde a vacinação em comparação com indivíduos não vacinados.
“O estudo traz dados do ‘mundo real’ sobre o efeito da vacinação contra Covid-19 na população brasileira. Essas informações são úteis para orientar políticas públicas, como por exemplo avaliar o efeito da terceira dose ou identificar grupos mais vulneráveis, como idosos, onde a resposta vacinal precisa ser monitorada de perto”, afirmou a professora Viviane Boaventura.
A pesquisa faz parte do projeto VigiVac. Foram monitorados de modo progressivo os desempenhos das vacinas contra Covid-19 desde junho de 2021, de forma que os resultados de estudos passados são utilizados em outros projetos. “Por isso, é difícil delimitar a duração da pesquisa”, explica Thiago. Em artigos anteriores, o grupo já havia investigado o efeito das duas doses da CoronaVac e da Vaxzevria (vacina fabricada pela Astrazeneca em parceria com a Universidade Oxford) contra infeçção e eventos graves no Brasil, e a redução da proteção da Vaxzevria, com necessidade de reforço vacinal, com o passar do tempo.
Com a administração da terceira dose em vários países, diversos artigos trouxeram dados sobre a efetividade das vacinas da Pfizer, Moderna e Vaxzevria, as mais aplicadas em países do hemisfério Norte. Em relação a esses estudos, foram publicados artigos sobre a duração da proteção com a Vaxzevria, na The Lancet – Regional Health- Americas; e sobre a efetividade da CoronaVac e Vaxzevria (AstraZeneca), na The Lancet. Entretanto, havia uma lacuna de conhecimento sobre a duração da proteção pela CoronaVac, vacina amplamente utilizada no Brasil, e o efeito do reforço com a Pfizer, que levou à publicação do artigo CoronaVac+ BNT162b2 –Pfizer, no periódico Nature Medicine.
“Durante a pandemia, houve uma enxurrada de fake news sobre as vacinas. A realização do estudo com publicação de artigos nos fornece evidências concretas para lutar contra esse tipo de desinformação. Sinto que estou ajudando a sociedade a se desvencilhar das mentiras divulgadas”, comemorou Thiago.
“A próxima etapa, que tem sido um desafio, é fazer com que essa informação, baseada em dados científicos, seja ouvida e compreendida pela população. Assim esses dados podem contribuir para ampliar a cobertura vacinal, especialmente alertar para a necessidade da dose de reforço. As vacinas estão salvando a vida de milhares de brasileiros e podem salvar ainda mais pessoas. É preciso confiar na ciência e combater a desinformação”, conclui Viviane Boaventura.
Graduação e doutorado ao mesmo tempo

O doutorando-pesquisador Thiago Cerqueira Silva.
Já doutorando, o jovem Thiago graduou-se em medicina no último dia 10 de fevereiro. O pesquisador confessa seu interesse em especializar-se na área da saúde pública e pesquisa aplicada, que, segundo ele, “acaba sendo dissociada da prática clínica ou cirúrgica”. Contudo, ele diz que “ainda nutre afeto em relação à patologia, e quem sabe um dia vá para essa área”.
Simultaneamente à graduação, desde 2017, ele passou a cursar o doutorado, pelo Programa em Ciências da Saúde da FMB. O primeiro sentimento para ele foi de “desafio”, afinal “foi a primeira vez que a faculdade abriu esse edital, então não tinha para quem eu perguntar: ‘Como que é? É tranquilo?'”.
“E por ser um programa extremamente novo, há muitas coisas a se aprimorar. Por exemplo, não há flexibilidade do aluno desse programa em relação às disciplinas do curso da graduação, o que por vezes complicava bastante minha vida. Mas foi uma experiência bastante enriquecedora por superar as dificuldades e conviver com diversos pesquisadores, que durante a graduação eu não teria tal oportunidade”, resume.
A pesquisa de doutorado de Thiago realiza a investigação dos diferentes tipos de resposta imune em pacientes infectados pelo vírus Chikungunya, visto que parte deles desenvolve dor articular crônica. “O objetivo final é desenvolver uma espécie de ‘kit’ que possa ajudar na conduta de pacientes da Chikungunya, para mitigar o impacto dessa doença na sociedade”, conta o pesquisador.
“A pesquisa é de ciência básica, com vários experimentos de bancada e de bioinformática, que exige bastante investimento. Grande parte do projeto é tocado por colaboração com outros grupos de pesquisa da própria instituição ou de outros. Fora isso, sempre estamos atentos aos editais que abrem para conseguir alguma verba a mais para aprimorar algum experimento”, disse.
Como ele já tinha matrícula ativa para cursar a graduação na FMB/UFBA, não pôde ser matriculado no programa de pós-graduação da mesma unidade, o que seria requisito para ter uma bolsa mantida pela CAPES ou CNPq. Entretanto, Thiago conseguiu “obter bolsa através de projetos de pesquisa aprovados pelo grupo VigiVac, mediante o comprometimento da orientadora, Viviane Boaventura”.
O VigiVac

A professora-orientadora Viviane Boaventura.
O VigiVac é um grupo de avaliação digital contínua da campanha nacional de imunização anti-Covid-19 e tem uma equipe formada, principalmente, por pesquisadores brasileiros que trabalham em instituições públicas de pesquisa, como as universidades federais da Bahia (UFBA) e do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O projeto teve início em junho de 2021 e está sob a coordenação do professor da FMB Manoel Barral-Netto.
Desde então, tem sido um trabalho intenso e contínuo analisar o grande volume de dados que vão surgindo. Esse estudo, especificamente, foi realizado entre setembro e dezembro, enquanto a submissão para revista, resposta aos avaliadores e ao editor ocorreram entre a segunda quinzena de dezembro e a primeira de janeiro, explica Boaventura.
O projeto VigiVac exige um grande recurso computacional, que é financiado principalmente pela Fiocruz. A equipe de pesquisadores é formada principalmente por brasileiros que trabalham em instituições públicas. Apenas alguns dos pesquisadores recebem bolsa de produtividade do CNPq mas o projeto também utiliza recursos do programa ‘Fazer o bem faz bem’ da empresa JBS, enfatizou Thiago.
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