Pandemia de Covid-19 no Brasil: cinquenta dias depois do Natal

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Eduardo Mota

No final do ano passado falava-se em “fim da pandemia”. Algumas prefeituras de grandes centros urbanos cogitavam realizar as festividades de fim de ano, o carnaval e outras grandes aglomerações festivas. As restrições à circulação de pessoas foram suspensas, pelo menos parcialmente, e se discutia a necessidade de manter a obrigatoriedade do uso de máscara em áreas abertas; em alguns locais as máscaras foram até abolidas. E pior do que tudo isso, campanhas antivacinistas e contrárias ao distanciamento social insistiam na liberação geral, atuando intensamente com desinformação “a favor do vírus”.

A comparação entre o que ocorreu com a pandemia nos últimos meses de 2021 e o que tem ocorrido nos primeiros cinquenta dias deste ano oferece a dimensão desses desacertos. Nos primeiros dias depois do Natal de 2021, ocorreu aumento da incidência da Covid-19, marcando o início da onda atual com a variante ômicron do vírus SARS-CoV-2 no Brasil.

Com efeito, nos meses de novembro e dezembro de 2021, foram registrados no Brasil 476.666 novos casos e 11.232 mortes pela Covid-19. Esses quantitativos corresponderam à incidência média diária de 37,2 novos casos por milhão de habitantes e mortalidade média diária de aproximadamente um óbito por milhão de habitantes. Em janeiro de 2022 aconteceu a explosão de novos casos, que alcançou no final daquele mês uma incidência diária de mais de 800 casos por milhão de habitantes.

Assim, entre os dias 1º de janeiro e 19 de fevereiro de 2022, acumularam-se 5.880.006 novos casos e 24.824 óbitos pela Covid-19. Neste período, foram registrados doze vezes mais casos e duas vezes mais óbitos do que nos dois últimos meses de 2021. Esses números superlativos representam o excedente de casos e mortes do rastro da terceira onda da pandemia no país. Desde o início da pandemia até o momento, o país perdeu 644.286 vidas para a Covid-19, e ocupa o segundo lugar no mundo em número de mortes pela doença.

Tomando em conta o que ocorreu em muitos países, inclusive nos que tinham cobertura vacinal maior que a brasileira, e a rápida disseminação mundial da variante ômicron, se poderia considerar inevitável uma terceira onda da pandemia no Brasil no início deste ano. Ou, talvez, uma nova onda de menor intensidade, com muito menos casos e muito menos mortes. Uma cobertura vacinal maior e a manutenção das medidas protetivas poderiam ter evitado o pior.

Em 31 de dezembro de 2021, depois de quase um ano do início da vacinação contra a Covid-19, registrou-se cobertura vacinal completa de 67,0% da população e cobertura da dose de reforço de 12,4%. Em 31 de janeiro de 2022, a cobertura da vacinação completa ainda era de 70,1% e da dose de reforço de 22,1%, proporções insuficientes para conter a explosão de casos e mortes que ocorreu. E a vacinação de crianças de 5 a 11 anos foi iniciada com atraso de mais de um mês.

O novo coronavírus já cobrou e ainda cobra um preço altíssimo em doença, sofrimento, sequelas e vidas perdidas. A sobrecarga dos serviços de saúde e as despesas com assistência ambulatorial e hospitalar, inclusive com recursos públicos do SUS, perfazem a outra face do impacto da terceira onda.

Observa-se agora em fevereiro o descenso da curva de novos casos e óbitos. Todavia, é possível que outra onda da pandemia suceda a atual, caso surja outra variante viral de transmissibilidade equivalente à que predomina atualmente, e se a cobertura vacinal não for ampliada a níveis superiores a 95% da população, mantendo-se a dose de reforço. Assim, o que for feito neste momento, na gestão da crise sanitária, com a aplicação das medidas de proteção coletiva, incluindo a vacinação, irá determinar se ocorrerá outros cinco milhões de casos da doença e dezenas de milhares de óbitos a mais em uma próxima onda.

De todo modo, tem-se como certo que a pandemia da Covid-19 não passará em pouco tempo. Com a manutenção de cobertura vacinal elevada, será possível retomar as atividades presenciais e maior circulação de pessoas, com o uso de máscara, com distanciamento, evitando aglomerações e preservando as medidas protetivas habituais, de acordo com a evolução da situação epidemiológica. Portanto, como desafios a vencer, será necessário estabelecer uma maneira mais inteligente e efetiva de lidar com um cenário de pandemia ativa, aplicando conhecimentos e informações científicas, integrando esforços e articulando todos os setores da sociedade. E quanto mais cedo, melhor.

20 de fevereiro de 2022

Eduardo Mota é epidemiologista, professor do Instituto de Saúde Coletiva e coordenador do Comitê de Assessoramento da Covid-19 na UFBA.