Professores da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia vêm desenvolvendo, em parceria com a Universidade de Coimbra (UC), em Portugal, pesquisas voltadas ao desenvolvimento de produtos de menor impacto ecológico e de efeito mais duradouro no combate ao mosquito da dengue, o Aedes aegypti. Entre os bons resultados já alcançados está o desenvolvimento de produtos à base de óleos naturais, extraídos de plantas nativas do Brasil e da Ásia, para controlar a proliferação das espécies de mosquito responsáveis pela transmissão de doenças como a dengue, zika, chikungunya e febre amarela.
A UFBA participa desse projeto através do Laboratório de Nanotecnologia Supercrítica do Departamento de Engenharia Química da Politécnica, com o apoio do Programa de Pós-graduação em Engenharia Industrial (PEI), trabalhando com o Grupo de Pesquisa em Processos Verdes e Sustentáveis do Departamento de Engenharia Química da Universidade de Coimbra e com a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), contando ainda com a colaboração da Faculdade de Farmácia da UFBA.
Essa cooperação, financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) – órgão de fomento à pesquisa do Ministério da Educação e Ciência de Portugal – e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), já resultou em um conjunto de projetos de pesquisa e inovação, orientação conjunta de teses de doutorado, organização de eventos e cursos, publicação de artigos em periódicos internacionais, além do intercâmbio de professores e pesquisadores.
No momento, entretanto, com o fim do convênio de cooperação e a falta de apoio para as pesquisas desenvolvidas pelas universidades públicas brasileiras, os professores estão buscando novos apoiadores e editais, para que os bons resultados já alcançados até agora, não se percam (leia mais abaixo).
Bons resultados
Os produtos desenvolvidos à base de óleos naturais, extraídos de plantas nativas do Brasil e da Ásia, apresentam elevada atividade biológica frente ao mosquito Aedes aegypti sem causar danos colaterais. São produtos biodegradáveis, sem propriedade tóxica ou perigosa para humanos, animais e ao meio ambiente, explica a professora Elaine Cabral Albuquerque, do Departamento de Engenharia Química da Politécnica, que pesquisa o assunto e participa do projeto.
“Os produtos podem ser facilmente manipulados pela população, porque são adicionados a água ou aos reservatórios que acumulam água parada, e não são tóxicos na dosagem que usamos, pois afetam somente a larva do mosquito. A ideia é liberar os bioativos de plantas na água, efeito larvicida, ou no ar, repelente ou atrativo, sem danos aos outros seres vivos no entorno”, informa a professora Elaine Cabral.
Ainda segundo a pesquisadora, “o diferencial do trabalho foi conseguir prolongar o efeito dos bioativos de plantas no ambiente, uma vez que a maioria dessas substâncias é volátil e tem curto tempo de ação quando aplicados de forma livre. Além disso, os bioativos de plantas não são solúveis em meios aquosos, justamente onde as larvas dos mosquitos se proliferam. Nosso produto permite que elas se difundam em meio aquoso e sejam internalizados pelo mosquito”.
Ao longo desse período, foram produzidas e testadas várias formulações a base de estruturas biodegradáveis contendo produtos naturais de plantas obtidos inclusive aqui na Bahia, como o óleo resina de copaíba, que até tem uma espécie endêmica no Estado, óleo de melaleuca e bioativos do açafrão.
Casos continuam a crescer
O número de casos de dengue nas Américas aumentou nas últimas quatro décadas, passando de 1,5 milhão acumulados na década de 1980 para 16,2 milhões na década de 2010-2019. No Brasil e na Bahia, a situação não é diferente, porque o principal vetor de transmissão, o mosquito Aedes aegypti, tem se caracterizado como um inseto de comportamento estritamente urbano e que se prolifera com o crescimento da população, ocupação desordenada do ambiente e falta de infraestrutura dos grandes centros urbanos, de acordo com dados fornecidos pela professora Elaine Cabral.
Em geral, a dengue no Brasil tem ciclos endêmicos e epidêmicos, com epidemias explosivas ocorrendo a cada 4 ou 5 anos. Sabe-se que o mesmo mosquito transmissor da dengue, pode ser responsável também pela transmissão dos vírus Zika e Chikungunya, ainda segundo a professora, e a sua proliferação pode desencadear outras epidemias, como a que marcou a história recente da saúde pública no Brasil com os inúmeros casos de microcefalia em bebês.
Futuro incerto
Com o fim do convênio de cooperação e a falta de apoio para as pesquisas desenvolvidas pelas universidades públicas brasileiras, os professores estão buscando novos apoiadores e editais. O projeto de cooperação expirou sem possibilidade de renovação, e isso dificulta a continuidade dos estudos, porque termina a verba para pesquisas e para bolsas. E ainda há muito a se fazer nessa linha, adverte a professora Elaine. “Infelizmente, a descontinuidade ou falta de investimento faz com que o ciclo de pesquisas demore muito mais a ser concluído ou nunca seja concluído”, lamenta.
No Brasil, o fomento à pesquisa nas universidades públicas está passando “pela maior crise de todos os tempos”, lembra o professor associado da Escola Politécnica Silvio Vieira de Melo, que também participa do convênio de cooperação com Coimbra. “Até quando iremos esperar para que o Aedes aegypti transmita outras doenças que nem se conhece ainda?”, ele pergunta. Para o professor, a pesquisa é o “seguro obrigatório” que todo país deve pagar para manter sua soberania e a dignidade da sua população, sem o qual não há futuro viável.
“Não há dúvidas, conforme diversos estudos científicos já indicaram, de que o aquecimento global, aliado à crescente urbanização e adensamento populacional dos países, levará à proliferação de insetos e outros transmissores de doenças, muitas das quais chamadas de ‘doenças negligenciadas’, porque afetam sobretudo as populações mais carentes dos países mais pobres, ou com maiores desigualdades econômicas e sociais”, informa Vieira de Melo.
Para o pesquisador, o Brasil é um estudo de caso perfeito para a pesquisa do combate ao Aedes aegypti, por ser um país tropical, com várias regiões onde a incidência de chuva e calor faz a combinação ideal para o mosquito se propagar e onde as condições sanitárias, sobretudo das periferias dos grandes centros urbanos, complementam “a tragédia”, segundo o pesquisador.
“Sem dúvida, lembra o pesquisador baiano, a pandemia da Covid-19 no Brasil ofuscou outras tragédias menores que acontecem todo dia, às quais acabamos nos acostumando pela repetição da mídia e falta de ação dos órgãos públicos. As pesquisas no Brasil estão, desde 2016, passando por uma crise de financiamento sem precedentes. Infraestrutura sucateada, bolsas de pesquisa e formação com valores completamente defasados, e a falta de uma “política de estado” para nortear os rumos da ciência, tecnologia e inovação para os próximos 30 anos, ao invés de olhar o horizonte eleitoral de 4 em 4 anos”, recomenda o professor.
Vieira de Melo finaliza afirmando que “será difícil recuperar 5 anos de paralisia no fomento. Mas as universidades públicas têm uma resiliência imensa, construída com o conhecimento e força de trabalho dos professores, pesquisadores e estudantes ao longo de muitos anos”.