Professor visitante da UFBA publica artigo de capa na revista científica Science Advances

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Turbante multifuncional Rajashtani,em forma de hélices. Ilustração publicada no artigo. (crédito da foto: Lauren Cohen)

 

“A torção de folhas (em borracha), como estratégia para formar fios funcionais (com propriedade mecânica melhorada para armazenar energia elétrica), vem sendo praticada há milênios pela humanidade, como na fabricação de catguts (cordas de instrumentos musicais e suturas cirúrgicas, por exemplo) e tecidos, mas ainda carece de princípios abrangentes para guiar suas intrincadas arquiteturas”. A afirmação é do professor Julien Chopin, doutor em física pela Université Paris 6 (2010) e mereceu destaque de capa em recente artigo publicado pela Science Advances, revista multidisciplinar de acesso aberto da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS).

O artigo de Chopin foi feito entre 2017 a 2021, quando ele atuou professor visitante do Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia (IF-UFBA) e pode ser traduzido como “Dobragem por torção tensionada de folhas em fios enrolados de várias camadas”. Segundo o físico, que trabalhou em coautoria com o colega americano Arshad Kudrolli, professor da Clark University, nos Estados Unidos, o estudo que resultou na publicação revelou que, sob condições controladas, uma folha elástica se dobra sobre si mesma de maneira muito ordenada, como um origami. “Desenvolvemos um arcabouço teórico combinando elasticidade e geometria para entender os mecanismos de automontagem envolvidos na torção de folhas elásticas”, explica.

Chopin é um dos 157 docentes que o Edital de Professor Visitante trouxe à UFBA desde 2017, já contabilizando os 30 novos selecionados na edição deste ano. O total em seis anos chega a 74 docentes de outros países e 83 nacionais de diversas partes do Brasil.

Doces embrulhados: um exemplo antigo de folhas torcidas (Fonte: Ilustração publicada no artigo

História antiga

O simples ato de torcer uma folha plana vem sendo amplamente realizado pela humanidade há milhares de anos para a confecção de cordas de arco, suturas cirúrgicas, instrumentos de acordes musicais, raquetes esportivas, embalagens de salsichas e doces e para reciclar folhas de plástico em fios para confeccionar os turbantes usados na Índia. Esses turbantes, feitos de um tecido comprido, podem ser redistribuídos para diversas finalidades, desde a coleta água de um poço até a proteção contra intempéries. “No nosso dia a dia, usamos torções para torcer água de uma toalha”, exemplifica Chopin.

Como um origami

“Apesar dessa onipresença e importância – garante o articulista – , uma descrição formal das transformações de dobra de torção subjacentes não foi relatada e muito menos compreendida.” O professor continua explicando adiante: “Esta folha torcida oferece um exemplo surpreendente da formação espontânea de uma dobra de origami. Normalmente, os origamis são feitos dobrando, às vezes de forma tediosa, uma folha de papel, seguindo um padrão pré-definido”.

“Aqui – continua – o diagrama de origami não é pré-definido, mas depende apenas das propriedades da folha e da tensão aplicada. É essa facilidade de controlar a dobra das folhas que pode ser usada para desenvolver processos avançados de fabricação de fios estruturados, que podem acomodar materiais de interesse no centro de sua dobra para, por exemplo, ser usados na fabricação de baterias elétricas, têxteis inteligentes e dispositivos biomédicos, além de utilização no campo da robótica”.

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Escultura granular auto organizada. (Fonte: Ilustração publicada no artigo)

Castelos de areia

O professor Julien Chopin se diz “fundamentalmente” interessado na física dos objetos e materiais que nos cercam, que podemos tocar e manipular, como as folhas elásticas e tecidos do estudo publicado, mas também as fitas adesivas, relacionando composição química e capacidade de adesão, e materiais granulados (feijão, arroz), como a areia com que se constroem “castelos na areia”, modelando a dinâmica do material usado, de modo a antecipar um deslizamento de solo ou uma erosão, por exemplo. “Mas não devemos nos enganar: embora estejamos muito familiarizados com [todos esses materiais], ainda entendemos muito pouco de seu comportamento”.

“Isso decorre – explica – do fato de eles não reagirem proporcionalmente à solicitação que lhes é imposta. Este é o campo de estudo da física não linear. É o caso das folhas torcidas, que resiste à torção até ceder e formar suas dobras helicoidais (em forma de hélices, como, por exemplo, a forma do DNA). A mesma coisa com um espaguete, que você dobra, aumenta a força, aumenta a curvatura, até quebrar de repente. É muito imprevisível”, adverte.

“O milagre é que podemos ter abordagens genéricas para esses problemas, que nos ajudam a enfrentar outros problemas relacionados ao desenvolvimento dos órgãos dos seres vivos (morfogênese) ou à previsão de terremotos (relacionados à mecânica da fratura)”, conclui.

Professor visitante

O professor Julien Chopin achou muito proveitoso o período que passou como professor visitante na UFBA, onde diz ter encontrado estudantes motivados e com vontade de aprender. Durante esses anos, destaca a experiência com o grupo de Física Estatística e Sistema Complexos, liderado pelo professor Roberto Andrade.

“Me dediquei também ao  ensino da física macroscópica experimental, por meio de projetos com os  alunos de iniciação científica. Em extensão, desenvolvi o projeto “Democratização da física experimental”, em parceria com o professor José Garcia. Nessas atividades, introduzi o novo método de trabalho usando a  plataforma Gitlab, na área da computação, que incentiva o compartilhamento do trabalho e a colaboração. Todas essas atividades e a vida em Salvador me trouxeram uma experiência pessoal e profissional muito rica”, confessou Julien ao EdgarDigital.

Professor Julien Chopin (Foto: arquivo pessoal.)

O professor Julien Chopin nasceu na França. Possui doutorado em La physique de la particule à la matière condensée – Université Paris 6 (2010). Realizou Pós-Doutorado na Clark University (2011-2013), na universidade Federal do Rio de Janeiro (2013-2014) e na Université Paris 6 (2014-2015). Maître de Conférence Contractuel (ATER) na ESPCI Paris Tech (2015-2017). Professor Visitante no Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia (2017-2021). Áreas de Atuação: Dinâmica de Interface e de Superfície, Física Estatística de Fenômeno Fora do Equilíbrio, Física não linear e Formação de Padrão.