Acordos do TSE com redes sociais não impedem desinformação nas eleições, aponta estudo

Download PDF

redes sociais

A garantia de um processo eleitoral democrático seguro e transparente para o pleito de 2022 é essencial para a sociedade brasileira, num momento em que cresce a disseminação de informações falsas e a desinformação nas várias plataformas de mídias sociais. Um estudo realizado por pesquisadores, ligados ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), revela que mesmo os  acordos assinados, no dia 15 de fevereiro de 2022, entre o Tribunal Superior Eleitoral e representantes do Twitter, TikTok, Facebook, WhatsApp, Google, Instagram, YouTube e Kwai, não serão suficientes para conter a propagação de informações falsas, relacionadas ao processo eleitoral deste ano.

De acordo com a pesquisadora de pós-doutorado Maria Paula Almada, o acordo não consegue avançar substancialmente no principal problema para o combate à desinformação e ao discurso de ódio: como e com que velocidade identificar e impedir a circulação desses tipos de mensagem”.  Além disso, o compromisso foi firmado por meio da assinatura de memorandos de entendimento – um tipo de documento que reúne diretrizes e ações de comprometimento das plataformas – “portanto, não há qualquer indicativo de sanções, caso não se cumpra o que foi acordado”, enfatizou.

Almada afirma que “poderia ter havido mais avanços no sentido de incorporar termos e temas específicos para retirar do ar, determinados conteúdos. Ficou meio genérico”, disse ela, explicando que “para retirar algum conteúdo do ar, ficou meio nebuloso sobre como deve ser o procedimento, pois não foram delimitados termos e temas.  E também, a questão da própria transparência de como é que vão fazer essa fiscalização, como vão ter o controle de tudo que circula dentro das plataformas, o controle de como é que vão retirar conteúdo das plataformas”.

O estudo, realizado nas duas primeiras semanas do mês de março e em parceria com o também pós-doutorando, Rodrigo Carreiro, baseou-se numa análise qualitativa dos memorandos e constatou que “em muitos casos, os acordos já existiam e estão apenas sendo renovados. São falhos na falta de aspectos mensuráveis e verificáveis; na falta de ações mais rígidas para proibir anúncios que deslegitimem as eleições e não houve nenhuma ação direta nos dois principais pontos no que diz respeito a desinformação no Brasil: alta produção de vídeos no Youtube com conteúdo desinformativo e circulação/viralização e disparo em massa de mensagens, principalmente Whatsapp”.

A pesquisa aponta que não houve “nenhuma mudança nos mecanismos de engajamento das plataformas, isto é, os sites não estabeleceram que tipo de conteúdo pode ter seu alcance de engajamento limitado. O Twitter e o Youtube já haviam anunciado medidas anteriormente, mas nada específico é citado a respeito de temas ligados à eleição” Além disso, “quesitos como proteção de dados também deixaram a desejar”, destacam os pesquisadores.

“De repente”, pontua Almada, “até como possíveis avanços, seria interessante que o TSE considerasse e  autorizasse agências de fact-checking  (checagem de fatos) ou entidade da sociedade civil que trabalham nessa área, a ajudarem o TSE a checar quais informações e conteúdos devem ser retirados ou devem ser mantidos no ar.  Porque essa atribuição ficou a cargo do próprio Tribunal Superior Eleitoral e, como sabemos que é um ‘trabalhão’,  provavelmente, eles não terão mão de obra suficiente para checar todo o volume de notícias falsas”, explicou a pesquisadora, que é mestre e doutora em comunicação e cultura contemporâneas.

“Atacar o problema da desinformação passa, também, por identificar os financiadores da desinformação, o que vai muito além do acordado. Para além do acompanhamento das próprias plataformas, é preciso que se estruture um modo de acompanhar as organizações ilícitas que promovem a desinformação”, concluíram os pesquisadores do INCT.DD, cujo laboratório está localizado na Faculdade de Comunicação da UFBA.

Medidas insuficientes

As medidas não são suficientes para conter a desinformação, mas colaboram muito, pois apresentam alguns avanços em relação às eleições de 2018. Conheça alguns pontos e fragilidades dos memorandos de entendimento, relacionados às plataformas mais usadas pelos brasileiros:

Meta que reúne o Facebook, Instagram e WhatsApp – > O acordo não separa as plataformas que estão debaixo do guarda-chuva da Meta. Facebook e Instagram são tratados sob uma mesma lógica, mas ambos possuem modos de funcionamento completamente diferentes. Nos Estados Unidos, as ações implementadas pelo Facebook e Instagram eram específicas para proibir anúncios que deslegitimavam as eleições ou declaravam vitória antes do fim do pleito eleitoral.   Não há sequer um indicativo de mudança no modo como o Facebook identifica e pune casos de desinformação. O canal de comunicação extrajudicial transfere para o TSE a prerrogativa de identificar casos de desinformação.

No WhatsApp não há nenhum comprometimento ativo para identificação de disparos em massa, mesmo que esse seja um expediente proibido pela própria plataforma. Há uma sinalização de apoio para que o TSE consiga derrubar telefones suspeitos de disparos em massa. Mas o trabalho de identificar e analisar as suspeitas fica a cargo do TSE, que terá de montar uma estrutura de gerenciamento constante desses dados. O banimento de números de telefone só será feito a partir de denúncia do TSE.

Os avanços no WhatsApp, em relação a 2018, é que antes havia a possibilidade de várias pessoas, participarem de grupos, agora é restrito para 256 pessoas e isso aí já evita a disseminação de notícias falsas. E a restrição de não encaminhar conteúdo que está sendo encaminhado com frequência para vários outros grupos.  São medidas que o WhatsApp tomou para que em 2022, não se repita a disseminação de desinformação que houve em 2018”, afirmou a pesquisadora.

– Kwai -> O acordo com a Kwai é um pouco mais detalhado com indicação mais específica de ações e medidas a serem tomadas: criação de um canal de comunicação extrajudicial circunscrito às regras estabelecidas pela própria plataforma. A plataforma se compromete em remover conteúdos maliciosos assim que forem identificados, bem como contas falsas e conteúdo inautêntico, mesmo sem processo judicial.

– YouTube -> Ficaram escondidas  questões específicas sobre o funcionamento dessa rede, pertencente ao Google e que mais propaga conteúdo de desinformação no Brasil.  Mas o YouTube prometeu retirar do ar todos os vídeos que sejam de ataque às urnas eletrônicas, o que também é uma medida importante de combate à desinformação nessas eleições de 2022. O acordo assinado com o TSE não menciona casos de derrubada de conteúdo reincidente ou possíveis punições para essas situações, o que poderia diminuir consideravelmente o alcance de canais desse tipo.

– Tik Tok -> Haverá um canal exclusivo para denúncias, mas funcionando sob as regras e termos da plataforma. Também promete dar celeridade a ações judiciais e publicará página especial com informações oficiais sobre as eleições, além de abrir um canal para recebimento de denúncias e acelerar o processo.

– Twitter -> A plataforma se compromete a ter uma atuação especial na análise de violações, mas o detalhe é que essas violações só dizem respeito às regras e políticas da plataforma. Caso o Twitter avalie que não viola suas regras, mesmo com indicativo de crime pelo TSE, o conteúdo não sairá do ar. Isso só será possível por meio de processo judicial.

Programa de Enfrentamento à Desinformação

O estudo realizado pelos pesquisadores que fazem pós-doutoramento no INCT.DD,  sinaliza que “as ações firmadas com as empresas dialogam com os eixos destacados pelo Programa de Enfrentamento à Desinformação: informar, capacitar e responder”.

A parceria entre o TSE e as plataformas digitais faz parte do Programa de Enfrentamento à Desinformação, iniciativa instituída pelo Tribunal em 2019, que integra o conjunto de iniciativas para coibir a produção e a disseminação de conteúdos falsos ou enganosos na internet e nas redes sociais, durante o período eleitoral. Este programa se tornou permanente em agosto 2021 pela Portaria TSE no 510/2021.