
A oceanógrafa Vanessa Hatje, professora do Departamento de Química Analítica da UFBA, recebeu neste ano o prêmio Paul Gast, importante premiação da área de geoquímica conferida conjuntamente pela Geochemical Society (USA) e pela European Association of Geochemistry. Esse prêmio é concedido a cientistas em meio de carreira por sua contribuição na área – o que, no caso especifico da pesquisadora, diz respeito ao trabalho que desenvolve com os chamados “elementos terras raras” – grupo de elementos químicos empregado para estudar a circulação dos oceanos, o fluxo de partículas, a origem de sedimentos, além de processos antrópicos, como a dispersão de efluentes hospitalares e domésticos em corpos d’água – em particular o elemento gadolínio (Gd).
“Receber este prêmio no momento em que vivemos uma crise tão aguda, com falta de recursos, precarização das universidades públicas e obscurantismo torna-se ainda mais significativo e, certamente, renovou meu ânimo para continuar trabalhando e minha esperança que tempos melhores virão”, declarou Vanessa Hatje ao Edgardigital.
Os elementos terras raras (REE- rare earth elements) são um grupo de 17 elementos químicos composto pelos lantanídeos (que incluem os elementos que vão desde o lantânio (La) até o lutécio (Lu)), além do escândio (Sc) e ítrio (Y). Este grupo de elementos apresenta propriedades físico-químicas similares e, portanto, são analisados em conjunto.
O gadolínio é um elemento utilizado como agente de contraste em exames de ressonância magnética, que por ser injetado no organismo em uma forma complexada, e é eliminado rapidamente pela urina. Este composto não é retido nos sistemas de tratamento de esgoto e hoje é encontrado contaminando águas fluviais, subterrâneas, marinhas e até água de torneira. O trabalho da cientista paulista começou na Baía de São Francisco na Califórnia e, posteriormente, ela veio realizar seus estudos na Baía de Todos os Santos e no mar adjacente, além de outras regiões.
A premiação
A entrega do prêmio Paul Gast foi feita durante a sessão de abertura da Conferência Goldschmidt, em julho de 2022, no Havaí, onde a oceanógrafa ministrou a palestra plenária de abertura (assista acima). Ela conta que esse prêmio foi particularmente simbólico. pois Paul Gast, que dá o nome ao prêmio, foi um dos pesquisadores pioneiros a trabalhar com os elementos terras raras.
“Paul Gast usou os elementos terras raras para entender a origem de formação do nosso planeta e o fluxo do manto no seu interior. Desde sua primeira utilização, a aplicação de terras raras cresceu substancialmente, e esse grupo de elementos químicos é empregado para estudar a circulação dos oceanos, o fluxo de partículas, a origem de sedimentos, além de processos antrópicos, como a dispersão de efluentes hospitalares e domésticos em corpos d’água”, explicou a professora da UFBA.
Tais processos, resultam em impactos antrópicos, que são todos os impactos positivos ou negativos causados pela ação do homem, na natureza.
A palestra

A palestrante em Goldschmidt faz uma viagem do continente ao oceano, apresentando os padrões de distribuição dos elementos terras raras e os processos que controlam a distribuição destes elementos nos oceanos.
“Uma parte grande da fala foi dedicada a explicar os processos que ocorrem em ecossistemas na interface continente-oceano, que é uma região extremamente dinâmica do ponto de vista químico. Os ecossistemas desta região são bastante sensíveis e altamente vulneráveis às atividades antrópicas e mudanças climáticas. Entre estes ecossistemas estão os estuários, manguezais e as gramas marinhas, os quais são ambientes altamente produtivos e diversos”, explica Hatje.
Na palestra, a cientista exemplificou com os estudos que realizou na Baía de Todos os Santos para ilustrar uma série de processos, como por exemplo, como variou o fluxo de deposição de terras raras ao longo do tempo no estuário do Rio Jaguaripe. Em outro exemplo, ela apresentou a relação e taxa de transferência de terras raras entre os solos e plantas, como as gramas marinhas na região de Itaparica. Além disso também mostrou um estudo inédito que revela o comportamento de terras raras ao longo do estuário do Rio Subaé.
“Durante a plenária, disse ainda, também comparei o comportamento de gadolínio de origem natural (que ocorre na natureza em uma grande diversidade de minerais, por exemplo, a gadolinita, a monazita e a bastnasita), em relação ao Gd de origem antrópica, empregado como contraste em exames de ressonância magnética. Para ilustrar este ultimo aspecto, mostrei dados que geramos em regiões marinhas próximas a desembocadura dos emissários do Rio Vermelho e Boca do Rio”, resumiu a oceanógrafa.
Entre os estudos que a professora Vanessa Hatje está desenvolvendo no momento estão a avaliação da contaminação de gadolínio em águas de torneira em várias regiões incluindo o Brasil, Chile, França, Espanha, Croácia, entre outros países e o emprego de elementos terras raras e isótopos de neodímio como traçadores de água no Ártico e na Antártica. Elementos terras raras e isótopos de neodímio (que é um elemento terra rara) são usados como traçadores de muitos processos naturais (e.g., circulação do oceano, fluxos de partículas, origem de sedimentos) e antrópicos (dispersão de efluentes, como o emissário do Rio Vermelho, da Embasa).
Quem é

Fonte: https://ecologia.ufba.br/en/vanessa-hatje-dra
A professora Vanessa Hatje é oceanógrafa formada pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande, RS (1993), tendo mestrado em Geociências (Geoquímica) pela Universidade Federal Fluminense, RJ (1996) e doutorado em Oceanografia Química pela Universidade de Sidnei, Austrália (2002). Entre 2003 e 2006, fez pós-doutorado por meio do programa PRODOC-CAPES, no Departamento de Química Analítica da UFBA. Em fevereiro de 2006, foi contratada como professora do Departamento de Química Analítica da UFBA, onde ensina oceanografia química, poluição marinha e impactos antrópicos para alunos de graduação e pós-graduação. Orienta alunos de pós-graduação nos programas de Ecologia, Química e Energia e Ambiente da UFBA e coordena os laboratórios do Instituto Kirimurê/Oceanografia Química no Centro Interdisciplinar de Energia e Ambiente (CIEnAm), onde desenvolve suas pesquisas, juntamente com alunos de pós-graduação e graduação.
Grande parte de seus projetos são desenvolvidos nos estuários e manguezais da Baía de Todos os Santos, mas tem também projetos em mar aberto, tanto no Atlântico (programas de pesquisa Geotraces, Sambar e Pirata), como no Ártico e Antártica (Programas de pesquisa Geotraces e Provoccar), onde mapeia processos naturais e antrópicos. Mais recentemente, tem desenvolvido estudos para avaliar a interação entre a biodisponibilidade, bioacumulação, toxicidade e especiação de poluentes e estressores associados a mudanças climáticas – por exemplo, aumento de temperatura, desoxigenação dos oceanos, aumento de ocorrência de eventos extremos, entre outros.