Investigação sobre história da mobilidade urbana em Salvador leva menção honrosa no Prêmio Capes

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Uma investigação acerca do Centro Antigo de Salvador que analisa a história sociocultural desse território a partir do movimento de pessoas, objetos e ideias rendeu ao jornalista Marcelo de Trói menção honrosa no Prêmio Capes de Tese 2022 na área multidisciplinar. Ele conta que defendeu sua “Salvador, cidade movente”, pelo Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC/UFBA), sob orientação do professor Leandro Colling, durante a pandemia e depois de “movências” (a citação do conceito do escritor martinicano Edouard Glissant é de Trói) em territórios nacionais e internacionais. A tese de Marcelo de Trói é uma das quatro da UFBA agraciadas neste ano pelo Prêmio Capes, sendo duas vencedoras do prêmio principal e duas menções honrosas.

Com base em um novo paradigma da mobilidade, a tese de Trói se propõe a contar a historia de quatro séculos de Salvador, principalmente a do Centro Antigo da cidade, a partir do modo como as pessoas e os objetos se movimentavam nela e como isso foi se transformando ao longo da historia e do tempo, observando os impactos provocados não só no espaço urbano, mas também na subjetividade das pessoas.

Assista à defesa:

Entre algumas conclusões a que chegou com o trabalho, Marcelo destaca a de que a chamada modernidade não se instaura completamente em Salvador, exceto quando da utilização do que é chamado de “artefatos modernos da modernidade”, como o automóvel e o bonde. Por outro lado, a modernidade acaba por se constituir, ela mesma, em uma barreira aos modos de vida dos “corpos dissidentes” não alinhados ao o eurocentrismo, subjugando, assim, as práticas de mobilidades indígenas e africanas, por exemplo, e negando-lhes o direito à cidade. Outra conclusão a que se chegou foi a de que a mobilidade tem sido capaz de aglutinar pessoas, interesses e de conquistar esse direito à cidade, promovendo acesso à cidadania.

Foto Arquivo pessoal

O pesquisador Marcelo de Trói

Marcelo de Trói lembra que a sua tese foi desenvolvida sem bolsa, em função dos cortes nos orçamentos dos últimos anos. E que, por isso, teve que trabalhar muito durante o doutoramento, até conseguir financiamento via edital da Capes Print da UFBA para complementar sua pesquisa em Lisboa, onde passou nove meses estudando no Instituto Universitário de Lisboa, sob a coorientação da professora Suzana Batel. “Salvador, cidade movente: corpos dissidentes, mobilidades e direito à cidade” foi escrita nas cidades de Paris, Marselha, Bordeaux, Salvador, São Paulo, Lisboa, Porto, José Bonifácio (SP), Ibiúna (SP) e Osasco (SP), de janeiro de 2019 à setembro de 2021, e defendida virtualmente a partir de São Paulo, em função da pandemia, em 29 de novembro de 2021.

A tese conclui também que pedalar e caminhar são ações importantes pra mitigar o impacto de mudanças climáticas, reduzindo a emissão de gases poluentes, o que aumenta as temperaturas e o nível do mar. Salvador, como uma cidade litorânea, é citada como lugar que pode sofrer graves consequências em relação ao chamado “efeito estufa”, já possuindo, inclusive, áreas mapeadas e que podem ser inundadas até o final do século 21, como a Península Itapagipana, a área do Comércio e da Gamboa.

A tese também percebe uma Salvador que tem a cultura alicerçada na ideia de movimento – até por isso o trabalho se intitula “Salvador cidade movente” – e que se costuma representar através de símbolos como o Carnaval, as procissões marítimas, os saveiros e até mesmo na festa da Independência da Bahia, o Dois de Julho, quando a multidão vai atrás dos carros emblemáticos do Caboclo e da Cabocla, atravessando a Cidade Antiga. Então, os grandes símbolos culturais da cidade de Salvador estão ligados ao movimento, estão ligados à mobilidade, conclui Marcelo.

Trói também identifica que os grandes conflitos urbanos da cidade de Salvador são causados por questões ligadas à mobilidade, a exemplo da greve dos ganhadores, humanos escravizados que moviam a economia colonial transportando pessoas e mercadorias pela cidade. A primeira greve dos ganhadores foi o primeiro conflito ligado a mobilidade, segundo o pesquisador. Depois, temos o “quebra bonde” de 1930 (ver foto), quando esses meios de locomoção foram destruídos; o “quebra-quebra” de 1981, quando os ônibus de Salvador foram destruídos pelos usuários inconformados com o aumento das passagens; a “Revolta do Buzu” em 2003, quando começa o movimento pelo “Passe Livre” e, mais recentemente, em 2013, as Jornadas de junho, que tiveram como motivo primeiro problema ligados à questão do transporte publico e da mobilidade.

Leia a tese aqui  https://repositorio.ufba.br/handle/ri/35036

quebra bondes 1930Foto utilizada na tese

O “quebra bonde”, em 1930

Prêmio e UFBA

“Eu fiquei bastante feliz em receber esse prêmio porque em geral essas premiações são dadas para pesquisas desenvolvidas no sudeste brasileiro. Então é um orgulho em estar na UFBA que é, para mim, uma das melhores universidades do Brasil, uma universidade que tem uma política de cotas de acessibilidade para pessoas negras, indígenas, pessoas trans e travestis”, declarou Marcelo de Trói.

“Deixar de ser uma universidade branca unicamente, continua ele, é um fator essencial para que essa universidade evolua, para que essa universidade acompanhe seu tempo e se torne referência naquilo que se propõe em estudar”. E a UFBA é esse lugar. Lá, no IHAC eu tive total liberdade pra desenvolver minha pesquisa. O IHAC é um centro de excelência de pesquisa e um dos poucos interdisciplinares no Brasil.

A orientação

Leandro Colling, orientador da tese de Marcelo de Trói,  é graduado em Comunicação Social pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1996), mestre (2000) e doutor (2006) em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. É professor associado III do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC) Professor Milton Santos, professor permanente do Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, da Universidade Federal da Bahia. É criador e coordenador do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, Gêneros e Sexualidades e um dos criadores e editores da revista acadêmica Periódicus, primeira e única inteiramente dedicada aos estudos queer no Brasil.

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Leandro Colling, professor orientador

O professor lembra que é a segunda vez que o Pós-Cultura é contemplado no Prêmio Capes de Tese e que “isso demonstra a qualidade dos trabalhos realizados. Para se ter uma ideia, diz ele, temos 134 programas em toda á área interdisciplinar. A orientação da pesquisa do Marcelo, ele complementa, foi de muito aprendizado e trocas incríveis. Eu já tinha sido o orientador dele no mestrado. Ele é um excelente pesquisador”, finaliza Colling.

Sobre Marcelo

Marcelo de Trói é jornalista  formado em 1999 pela Universidade Estadual Paulista  Juiz Mesquita Filho, na cidade de Bauru, São Paulo. Fez comunicação social e  trabalhou como jornalista durante vinte anos, em diversos veículos de comunicação, muitos deles no estado da Bahia. Tem experiência em assessoria na área governamental. Defendeu dissertação de  mestrado em 2018 e tese de doutorado em 2021, na área de cultura e sociedade pela Universidade Federal da Bahia, no instituto da Humanidade  Arte e  Ciência,  (IHAC/ UFBA.