Com a presença de ambientalistas e pesquisadores sobre o tema, a mesa “Emergência do Clima: uma transição ecossocial para o Brasil” propôs uma reflexão sobre a ligação intrínseca que existe entre o modelo de exploração capitalista do trabalho e da natureza e o colapso ecológico. A atividade fez parte da programação do Congresso da UFBA, no dia 16 de março, no Auditório da Faculdade de Arquitetura,
O debate sobre a crise climática foi mediado pelo professor Charleston Ribeiro Pinto, da Faculdade de Farmácia da UFBA, e contou com a participação online dos demais convidados – o climatólogo e professor da Universidade Estadual do Ceará (UFC), Alexandre Araújo Costa; o professor da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado, José Correa Leite; e o geólogo e ambientalista Marcos Mendes.
Ribeiro enfatizou que o clima está mudando a passos acelerados com o aquecimento da temperatura do planeta ano após ano, provocando eventos cada vez mais extremos, como tempestades, secas extremas e incêndios florestais. As evidências científicas demonstram que esse processo têm se acelerado em razão da emissão dos gases de efeito estufa, sobretudo o dióxido de carbono (CO2), emitido a partir da queima de combustíveis fósseis e das queimadas, e do metano (CH4), resultante da atividade pecuária.
Charleston Ribeiro condenou o negacionismo climático e as práticas que conduzem para um “colapso ecológico”. Os efeitos extremos do clima, conforme observa, são sentidos de maneira desigual pelas pessoas em razão das questões de classe, gênero e grupo étnico-racial. Os países ricos do hemisfério norte são os principais responsáveis pelas emissões de carbono, porém os efeitos extremos afetam mais o sul global, países pobres e os refugiados climáticos. Contra a barbárie capitalista que tem provocado o colapso ambiental, Ribeiro propôs pensar a orientação de uma outra sociedade em harmonia com a natureza.
Conforme explicou o climatólogo e professor da Universidade Estadual do Ceará (UFC), Alexandre Araújo Costa, é preciso haver equilíbrio entre os fluxos de energia estabelecidos a partir da radiação do sol e a capacidade do planeta Terra de refletir essa irradiação. O efeito estufa é acentuado quando esse fluxo de energia solar passa a ser absolvido pelos gases acumulados na atmosfera do planeta, que vai se tornando cada vez mais quente. “Boa parte do que seria emitido a partir da superfície terrestre rumo ao espaço em várias direções é interceptado antes de chegar no topo da atmosfera”, explicou o climatólogo.
As mudanças na atmosfera, com o aumento da concentração desses gases, fazem ligar um “alerta vermelho”, acrescentou. “Nós não temos mais todo tempo a nossa disposição”, analisa o pesquisador, que considera que é preciso enfrentar as mudanças no clima e na biodiversidade do planeta e superar um sistema econômico predatório, voltado para o lucro e a acumulação. Para assegurar o equilíbrio do sistema climático, Costa defende uma mudança radical no sistema energético e alimentar, com o abandono dos combustíveis fósseis e o fim dos desmatamentos, e mudanças na forma de produção e consumo de alimentos.
Alexandre Costa falou também sobre a preocupação da comunidade científica de que esse desequilíbrio ambiental chegue a um “ponto de não retorno”, com o derretimento das geleiras e calotas polares e a destruição de áreas de vegetação importantes para o mundo como a Amazônia. O pesquisador trouxe dados do Painel Intergovenamental sobre Mudanças Climáticas para afirmar que “a temperatura da superfície global continuará a subir até pelo menos a metade do século em todos os cenários de emissões considerados. Os aquecimentos globais de 1,5°C e 2°C serão excedidos no século XXI caso não ocorram reduções consideráveis de CO2 e outros gases de efeito estufa nas próximas décadas (…) e haverá um aumento na ocorrência de alguns eventos extremos sem precedentes no registro observacional com um incremento do aquecimento global, mesmo que a 1,5°C”, acrescenta o relatório.
Na avaliação de José Correa Leite, professor da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, “nós não estamos não somente em uma crise climática, estamos diante de uma crise ambiental. Nosso problema não é simplesmente o clima, mas um modo de vida que ataca o planeta em todas as direções”, afirmou o pesquisador, lamentando a perda da biodiversidade, a poluição química e a situação crítica dos oceanos.
Leite lembrou que o Brasil tem o maior rebanho bovino do mundo, com um modelo pecuária e de exploração do solo que gera grandes quantidades de gás metano. “80% do desmatamento da Amazônia é provocado pela pecuária”, afirmou ele, que também considera que é necessário transitar para um novo modelo alimentar e para fontes de energias renováveis.
“A Amazônia é vital para todo o planeta”, disse Correa, sinalizando que, nos dois primeiros meses deste ano, foram registrados os maiores índices de alertas de desmatamento na Amazônia, segundo dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). “A floresta pode colapsar nos próximos anos se não forem adotadas as medidas necessárias”, alertou. No seu entendimento, é preciso construir consciência social e vontade política majoritária para reverter os processos destrutivos que foram acelerados nos últimos anos.
Em sua participação, o geólogo e ambientalista Marcos Mendes fez referência aos dados sobre o aumento da temperatura divulgados pelo Painel Intergovenamental sobre Mudanças Climáticas, que geram preocupação também em razão do aumento do nível dos oceanos e a consequente ameaça a cidades litorâneas, como é o caso de Salvador. “No longo prazo, o nível do mar já está comprometido por séculos, até milênios, devido ao aquecimento contínuo do oceano profundo e degelo de mantos de gelo, e continuará elevado por milhares de anos”, diz o documento.
O ambientalista também criticou a atuação do agronegócio, com desmatamento e uso de agrotóxicos “que provocam prejuízos à saúde da população”. Mendes denunciou ainda a grilagem de terras que expulsa as populações indígenas, quilombolas e pequenos agricultores de seus territórios, exatamente as populações que “ajudam a manter a floresta em pé”, disse ele, que ressaltou que o processo de desmatamento tem atingido os diversos biomas brasileiros, como o cerrado, a caatinga e a mata atlântica.
Mendes abordou também a situação de cidades como Salvador, que têm sistemas de transporte como principais emissores de gás carbônico. “A gente precisa ter a consciência de como pensamos o consumo, a sociedade que queremos, com qual modelo de transportes”, afirmou, defendendo a importância do consumo consciente e de um processo produtivo que esteja de acordo com uma consciência política e ecológica, uma consciência ecossocial. Por fim, apontou a agroecologia entre as experiências que apresentam bons resultados rumo ao futuro desejado.
Dentre as diversas atividades realizadas no Congresso da UFBA 2023, foram apresentados trabalhos sobre agroecologia nas cidades, inovação social e agroecologia, a feira da Reforma Agrária na UFBA, a feira agroecológica da UFBA “como ato político e sociocultural” e as boas práticas de manejo utilizadas pelos agricultores familiares que participam das atividades extensão promovidas pela Universidade.