Políticas migratórias e direitos humanos foram tema de debate com representantes do Ministério da Justiça e do Itamaraty

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namirOs avanços e retrocessos das políticas migratórias foram abordados em mesa do Congresso da UFBA realizada no dia 17 de março, no Salão Nobre da Reitoria, com a proposta de “estabelecer uma discussão sobre a proteção internacional em Direitos Humanos no Brasil e a migração e refúgio na contemporaneidade”.

Durante o encontro, foi anunciado o lançamento do livro “Migração, Refúgio e Direitos Humanos: Reflexões de Pesquisas Contemporâneas”, disponível no formato e-book . A publicação é uma iniciativa da Rede Universitária de Pesquisas e Estudos Migratórios (Rupem), do Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados da UFBA (Namir) e da Cátedra Sérgio Vieira de Melo da Agência da ONU para Refugiados (Acnur).

Na abertura do evento, o reitor Paulo Miguez ressaltou o seu compromisso pessoal com a causa dos refugiados, lembrando o período em que trabalhou, nos anos 1980, em Moçambique, na África, país que travou uma luta pela sua independência e sofreu com as consequências dos conflitos armados. Miguez apontou a importância das ações desenvolvidas pela Universidade por meio do seu Núcleo de Acolhimento a Imigrantes e Refugiados. “Através do Namir, continuaremos atuando para assegurar condições de acolhimento para aqueles que são obrigados a assumir a condição de refugiados”, afirmou.

O diplomata Felipe Ferreira Marques, representante do Ministério das Relações Exteriores, falou sobre a complexidade das políticas migratórias, citando os exemplos de Venezuela, Afeganistão e Haiti. Recordou a crise no Haiti, que se agravou a partir do terremoto que atingiu o país em 2010, e afetou mais de 3 milhões de pessoas. Em 2021, um novo terremoto de grandes proporções atingiu o Haiti, que enfrenta um cenário de crise de combustíveis e escassez energética, e proliferações de gangues e violência urbana.

“Cento e cinquenta mil haitianos passaram a residir no Brasil, aproximadamente 1% da população daquele país”, disse o diplomata. O aumento do fluxo migratório da população haitiana foi “um caso bastante desafiador para o governo brasileiro”, acrescentou. Como avanços, Ferreira Marques apontou a criação da Lei de Migração (Lei n. 13.445/2017), que dispõe sobre os direitos e os deveres do migrante e do visitante, regula a sua entrada e estada no País e estabelece princípios e diretrizes para as políticas públicas para o emigrante; e a Portaria n. 70/2023, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que designa membros do Grupo de Trabalho voltado ao estabelecimento da Política Nacional de Migrações e Refúgio.

A diretora do Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça (MJSP), Tatyana Friedrich, falou sobre a construção da política nacional de migração para o Brasil que está em discussão a partir da criação do referido grupo de trabalho. Ela enfatizou que essa política deve ser distributiva, com ações afirmativas para a população refugiada, e constitutiva, com o envolvimento de todas as esferas governamentais e com cidades solidárias preparadas para acolher as pessoas. “A gente precisa ter instituições que tenham permanência e estejam prontas para atuar em situações emergenciais”, avalia.

Tatyana Friedrich, que também é professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), apontou entre as iniciativas desenvolvidas pela instituição a reserva de vagas para refugiados nos seus cursos de graduação e pós-graduação, assim como acontece na UFBA. Além disso, destacou a necessidade de um processo especial de revalidação de diplomas de migrantes e refugiados, com o reconhecimento e a valorização dos conhecimentos que esses estudantes trazem consigo.

Álvaro Lima, diretor de pesquisas da Prefeitura de Boston e fundador do Instituto Diáspora Brasil, falou sobre a imigração transnacional, defendendo “um novo modelo de (re)integração”. Apontou atuação dos governos em relação aos fluxos migratórios, chamando atenção para a situação nos Estados Unidos, com a crise nas suas fronteiras que provoca muitas prisões, inclusive de crianças. A presença dos mais diversos perfis de migrantes foi destacada por ele, dando o exemplo de médicos, pesquisadores e tantos outros profissionais estrangeiros que atuam naquele país, rompendo com a ideia de que imigrantes são motivados apenas por uma situação de pobreza em busca de uma terra de oportunidades.

Lima lembrou a luta pelos direitos humanos e civis da população negra e dos imigrantes nos Estados Unidos. Ele considera importante pensar novas possibilidades nas políticas de integração, com o desenvolvimento de programas que deem conta de assegurar para essas pessoas as condições de educação, saúde, moradia, trabalho, etc. Também considera necessário garantir esses direitos para migrantes que muitas vezes mantêm o fluxo entre os seus países de origem e os países de “assentamento”.

De acordo com o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia, Felipe Freitas, os fluxos migratórios revelam tensões, questões políticas e ambientais que precisam ser consideradas. Essas questões, segundo ele, desafiam a pensar sobre a repartição global do poder e a possibilidade de circulação de pessoas, e temas como racismo e xenofobia.

Freitas lembrou o assassinato do jovem congolês Moïse Kabagambe, no Rio de Janeiro, em 2022, o que considera ser “a imagem mais perversa do que é o cotidiano das migrações no Brasil”. “Existe um desafio muito grande no campo da proteção social dessas pessoas”, analisa Freitas, que apontou a necessidade inicial de regularização da documentação e do acesso à saúde, educação e a tantos outros direitos para uma cidadania plena.

A professora Míriam Reis, diretora do campus dos Malês da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), evidenciou que instituição que foi criada a partir do princípio da solidariedade entre os povos, para o desenvolvimento dos territórios em que está inserida e o acolhimento a estudantes africanos. Nos campus dos Malês, situado no município de São Francisco do Conde, atualmente estão matriculados 346 estudantes vindos do continente africano, conforme revelou a diretora. “A universidade pública é o lugar da classe trabalhadora, das marisqueiras, dos indígenas, quilombolas, ciganos, migrantes e refugiados”, defendeu.

De acordo com Júlio Cesar Rocha, diretor da Faculdade de Direito da UFBA, “não é possível falar em migração e refúgio sem falar da diáspora africana”. Rocha, que coordena na UFBA a cátedra Sérgio Correia da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), considera que é necessária uma reflexão sobre as instituições, suas práticas e ideologias. Ele anunciou o lançamento do livro “Migração, Refúgio e Direitos Humanos: Reflexões de Pesquisas Contemporâneas”, disponível no formato e-book.

“O século XXI é um século de migração, de mobilidade humana. Isso está relacionado com a vulnerabilização dos indivíduos”, analisou a professora Mariângela Nascimento, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do Namir. “As pessoas circulam porque elas querem viver com dignidade”, acrescentou.

Mariângela informou sobre a discussão de um plano de políticas migratórias para o Estado da Bahia, que deverá envolver as Secretaria da Educação do Estado, Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, e Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte, Justiça. Ela também anunciou a inauguração, no próximo mês de abril, do balcão solidário que prestará apoio aos migrantes no Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO) na Bahia, com orientação para regularização de documentos, revalidação de diplomas, cursos de idiomas, e distribuição de cartilhas sobre leis trabalhistas, Sistema Único de Saúde (SUS), weducação, e violência de gênero, entre outras. Também estão planejadas inciativas para promover inserção no mercado de trabalho e geração de renda.

“Novas formas de resistência da mulher migrante”, “Contexto migratório internacional na contemporaneidade baiana”, “Corpo e sexualidade na experiência imigratória”, e a exibição do documentário “Sob o mesmo céu”, que aborda a cultura e acolhimento de migrantes na Bahia, foram outros temas abordados na programação do Congresso da UFBA 2023.