Congresso abordou temas da política, como autoritarismo e reconstrução da democracia brasileira

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Iasmin Santos, monitora do Congresso UFBA 2023

_DSC1250Aristides Alves / Comunicação UFBA

O cenário político brasileiro e a fragilidade da democracia foram temáticas em destaque nos três dias do Congresso UFBA 2023. A programação contou com mesas que debateram a conjuntura atual e os efeitos do bolsonarismo no país, tendo abrigado também discussões envolvendo a formação política do Brasil e suas características, enquanto país sul-americano no sistema capitalista.

Mediada por Ponciano de Carvalho, professor da Faculdade de Direito da UFBA, a mesa “Democracia, poder e direito: a reinstitucionalização da democracia brasileira em um horizonte de esperança e tentativas de destruição (ou a democracia que queremos e os entulhos da ultradireita golpista)” reuniu pesquisadores do Brasil em uma discussão sobre os principais eventos que abalaram a nossa democracia recentemente e como reconstruí-la.

Participaram do debate da mesa Marcelo Neves, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB); Marília Muricy, jurista e professora da Faculdade de Direito da UFBA; e Emiliano José professor aposentado da Faculdade de Comunicação da UFBA, jornalista, escritor e militante histórico. A mesa contou também com uma saudação do reitor Paulo Miguez, além das presenças do diretor da Faculdade de Direito, Júlio Rocha; da vice-diretora, Mônica Aguiar; e da representante estudantil Jéssica Baiano. O debate ocorreu no Espaço Cultural Raul Chaves, na Faculdade de Direito.

O movimento bolsonarista e os atos antidemocráticos foram definidos pelo professor Ponciano como resquícios políticos da ditadura militar brasileira que se manifestaram sem medo na última década. “Bolsonaro nunca enganou ninguém. Toda a transparência do seu discurso de ódio e de seus seguidores revela a destruição ideológica e o nojo à democracia que a extrema-direita na ditadura militar foi capaz de produzir”, declarou.

Ponciano discorreu sobre como a campanha de Bolsonaro e os métodos utilizados para propagar suas ideias seguem o projeto da direita e da burguesia brasileira que se iniciou desde o Estado Novo. Segundo ele, “é sempre importante relembrar que a democracia é uma conquista muito recente, analisando que o fim da ditadura militar somente ocorreu no final da década de 1980. Porém, os efeitos das rupturas institucionais anteriores repercutem hoje”.

O constitucionalista Marcelo Neves exemplificou como o cenário descrito por Ponciano se localiza no sistema democrático internacional. Segundo Neves, a fragilidade e instabilidade da democracia brasileira são resultado de um país colonizado pós-escravista, que não reestruturou sua sociedade após a abolição, e cuja reinvenção ainda está sujeita aos impasses e normas do imperialismo.

Na sequência de sua análise, Neves ressaltou que a crise da democracia se expressa em todo o sistema mundial, não sendo, portanto, problema apenas do Brasil, mas sim reflexo da hierarquização e da co-dependência de centro e periferia do capitalismo.

“Tudo o que vivemos hoje é a dialética da história da humanidade e de como o capitalismo funciona. Se há ‘trumps’ no norte global, também há ‘bolsonaros’ no sul global. E essas figuras não surgiram do nada. Elas foram produzidas por um sistema neoliberal que determina que o que vale não é a democracia ou a falta de direitos, mas o lucro em cima de cada país e as suas riquezas naturais”, defendeu.

Já o jornalista e ex-preso político da ditadura militar Emiliano José fez uma análise mais intimista e subjetiva de como os ataques à democracia brasileira desestabilizam as emoções e as perspectivas de mudança estrutural. Ele refletiu, a partir da própria vivência, sobre como o discurso bolsonarista é inimigo das normas democráticas e sobre quão assustadores foram os últimos quatro anos de governo do Jair Bolsonaro. “Para quem já viveu e sofreu em uma ditadura, qualquer agressão à liberdade e a falta de respeito com a constituição democrática é sinal de retorno de tempos obscuros”, lamentou o jornalista.

Concluindo a mesa de forma esperançosa, a professora Marília Muricy ressaltou como a posse do presidente Lula, em meio a essa crise, significa uma renovação e atualização da nossa democracia. “O que sempre esteve em jogo no Brasil não foi impedir que a democracia fosse fraturada ou se houve corrupção em algum período da história. Ela já estava fraturada. Agora o foco é se haverá condição de retornar à trilha democrática, de recompor o que foi destruído, de reconstruir o nosso Brasil”, afirmou.

Crise da democracia e autoritarismo

Na mesa “Crise da democracia e autoritarismo no Brasil’’, realizada no auditório da Faculdade de Comunicação no dia 17 de março, a discussão foi centrada nas características do bolsonarismo e seus cúmplices. A mesa contou com a presença de dois pesquisadores da área jurídica: Geovane de Mori Peixoto, docente da da UFBA e Faculdade Baiana de Direito, e Thiago Borges, professor de direito internacional da Faculdade Baiana de Direito.

De Mori iniciou o debate com um apanhado histórico sobre como o pacto da burguesia com a direita, desde a ditadura, para frear os avanços sociais construídos por governos progressistas. “O ódio às passagens de avião baratas, às ações afirmativas, o Fora Dilma, o Não Vai Ter Copa não foram movimentos de indignação contra as mazelas sociais, a corrupção, as desigualdades, mas sim, contra o pobre que estava conseguindo alavancar minimamente na sua trajetória com o pouco, com as migalhas, que uma gestão de esquerda estava possibilitando”, argumentou.

Os atos antidemocráticos e sua ligação com eleições passadas foi outro fator citado por De Mori. “O movimento que o Aécio Neves faz em contestar a vitória da Dilma, em 2014, não revela apenas uma falta de diplomacia, maturidade política ou um machismo na sua postura, mas é uma atitude que vai virar uma faísca de inspiração para os fascistas que virão depois, que cresceram e viraram manifestantes no 8 de janeiro”, diz.

O pesquisador ressaltou a composição da gramática bolsonarista e como toda a materialidade verbal ressoa em um deslocamento da política econômica para a política dos costumes e dos valores, em uma sociedade em que as questões econômicas apresentam um léxico distante do grande eleitorado. “A agenda dos valores culturais pautou a candidatura de Jair Bolsonaro. Ele se apoiou no discurso de combate à diversidade, cuja retórica se desdobra em uma violência simbólica que culmina em projetos contra ‘a ideologia de gênero’ e a favor da ‘cura gay’, da ‘Escola sem Partido’ etc, já que não tinha capacidade para falar de forma qualificada sobre economia ou outros temas.”

Em sua campanha, Bolsonaro foi narrado como inimigo do comunismo, da “partidarização” das escolas, da “ideologia de gênero”, da “guerra cultural gramsciana”, do feminismo, da corrupção, dos direitos humanos, da vitimização da sociedade, do “mimimi” e do politicamente correto. Para o professor Thiago Borges, “Bolsonaro conseguiu se eleger porque ele defende a manutenção do status quo e representa o arquétipo do homem, branco, cisgênero, cristão, heterossexual, neoliberal e classe média, que deteve todas as oportunidades e privilégios para ser bem sucedido, mas que agora as minorias e o comunismo estão roubando as oportunidades de seus filhos. Assim nasce esse reacionarismo ideológico e as figuras que acolhem esse discurso”.

Os fatores estruturais do autoritarismo e como ele é resultado dos mecanismos do liberalismo é ressaltado pelo professor de direito internacional na mesa. Para ele, um exemplo disso é o fato de não haver uma esquerda verdadeiramente radical em Estados liberais. Assim também como a burguesia nacional é submissa às estrangeiras, fazendo com que a burguesia brasileira seja reacionária e apoie os ideais de direita para conseguir manter seu poder econômico – afinal, as estruturas da ordem internacional permanecem a favor apenas de 2 fatores: do Estado, como forma de gerir a sociedade, e a prevalência do Estados do norte global aos Estados do sul global.

“Não podemos mais deixar que o nosso pêndulo democrático oscile sempre pro lado do autoritarismo. Ou a gente se organiza socialmente ou sempre vamos perder essa disputa”, finalizou Borges.