Ação de combate ao trabalho escravo desenvolvida por UFBA e MPT pode inspirar política pública federal

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Foto: ASCOM/MPT-5a.Região

Trabalhadores resgatados em vinícolas no Rio Grande do Sul visitaram terreno no município de Monte Santo/BA, onde será implementado um dos polos do Programa Vida Pós Resgate. Foto: ASCOM/MPT-5a.Região

Os 207 trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão na colheita da uva para vinícolas no Rio Grande do Sul, no mês de março deste ano, denunciaram a grave situação de exploração do trabalho e violação dos direitos humanos no Brasil – onde, de acordo com o Observatório de Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, foram encontrados 60.251 trabalhadores em condições semelhantes à escravidão, entre 1995 e 2022.

O Programa Vida pós Resgate, criado em 2017 através de uma parceria da UFBA com o Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT), vem desenvolvendo ações voltadas para apoiar as vítimas resgatadas em situação análoga à escravidão. O programa busca assegurar o acesso à terra e a condições de produção para que esses trabalhadores e seus familiares possam romper com o ciclo de exploração a que estão sujeitos, buscando erradicar as formas contemporâneas de escravidão.

Com o foco na produção de alimentos saudáveis, a implementação dos assentamentos atende a dois critérios básicos: a não utilização de agrotóxicos na produção dos alimentos; e a inexistência de patrões e empregados – ou seja, não há trabalho assalariado. Esse modelo de ação poderá, em breve, ter seu alcance ampliado nacionalmente, já que o coordenador do programa – o professor da Faculdade de Economia da UFBA Vitor Filgueiras – assumiu em maio a gerência de projetos da Fundação Centro Nacional de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho (Fundacentro), do Ministério do Trabalho.

Em abril, Filgueiras, acompanhado da procuradora do trabalho Carolina Ribeiro, visitou terrenos nos municípios baianos de Monte Santo e Conceição do Coité destinados a beneficiar trabalhadores resgatados nas vinícolas de Bento Gonçalves (RS). Também foram assinados termos de cooperação com as prefeituras locais para prestar suporte aos trabalhadores. Em Monte Santo, após análise técnica, foi identificado um terreno para a possível implantação de uma unidade de produção intensiva de caprinos.

Cerca de 20 famílias de trabalhadores resgatados em ocasiões anteriores já contam com o apoio do Programa nos municípios de Aracatu e Una, com cerca de 10 famílias estabelecidas em cada localidade, conta Filgueiras. Associações dos trabalhadores já foram formadas para a produção de cacau e outras frutas, em Una, e sistema integrado de produção (peixes, hortaliças e galinhas poedeiras) em Aracatu.

O programa é viabilizado por meio da atuação do Ministério Público do Trabalho, que destina recursos provenientes de danos morais coletivos de empregadores que cometem irregularidades para viabilizar a compra de terrenos e aquisição de equipamentos e insumos necessários para a produção dos trabalhadores resgatados em situação análoga ao trabalho escravo.

“Por meio do acesso à terra e aos meios de produção, as pessoas resgatadas têm a legítima expectativa de atingir um grau de emancipação social há tanto tempo esperado. No mesmo passo, os órgãos públicos que atuam contra as formas contemporâneas de escravidão têm a possibilidade de oferecer a essas pessoas uma resposta estatal mais satisfatória e de fato libertadora. As universidades têm, também, condições de unir pesquisa e extensão em ações com maior potencial para a transformação social”, afirma Lys Sobral Cardoso, procuradora da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do MPT, no artigo “Projeto Vida Pós Resgate e a emancipação social de vítimas de escravidão no Brasil”.

Segundo Filgueiras, muitos trabalhadores resgatados permanecem vulneráveis em razão da falta de apoio para permanecer e produzir no campo. Por isso, ele ressalta a importância de políticas públicas e da articulação entre universidade, estado, municípios e as diversas instituições públicas, para apoiar esses trabalhadores com assistência técnica e condições de produção. “Estamos agora em vias de formalizar a parceria com o governo federal para tornar o Programa Vida Pós Resgate uma política pública nacional e permanente”, antecipa o professor.