Transversalidade da cultura na vida universitária deve ser objeto de discussão permanente

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Debate na mesa sobre a Institucionalidade da cultura e das artes nas universidades brasileiras.

A importância de as universidades se reconhecerem como “casas de cultura” e se articularem em torno do setor cultural nacional foi a ênfase das discussões realizadas na abertura do I Encontro Nacional de Cultura e Arte nas Universidades Federais Brasileiras, na manhã do dia 03 de julho, na Reitoria da UFBA, com a presença de autoridades públicas e representantes de várias instituições federais de ensino superior.

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Ainda no clima de comemoração pelo dia 02 de julho de 2023 – quando se celebraram os 77 anos de fundação da UFBA e os 200 anos de independência do Brasil na Bahia – , a Orquestra Sinfônica e o Madrigal da Universidade deram o tom cultural ao evento, cujo objetivo foi estreitar laços entre sujeitos e práticas das universidades com agentes de órgãos governamentais, setores sociais e dos campos cultural e artístico brasileiro e global.

Corroborando esta ligação, o vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Dácio Roberto Mateus, enfatizou que “educação, ciência e tecnologia estão inseridas na cultura. A cultura antecede a educação, por isso, é importantíssimo discutir a cultura no espaço da universidade com uma ação incentivadora”. Mateus, que é reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC), acrescentou ainda, que “é preciso promover a descolonização da cultura, promovendo diálogos de criativos entre a universidade e a sociedade”.

E o desejo de que “essas discussões possam gerar políticas para a construção de uma cultura democrática em todas as universidades” foi amplamente manifestado pelo reitor da UFBA, Paulo Miguez, que enfatizou a contribuição das universidades federais para um “intercâmbio cultural em torno das artes brasileiras para a construção e consolidação de uma cultura cidadã e democrática, para evitar o retorno da barbárie”.

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“Arte e cultura também libertam e capacitam para a boa luta pela democracia”, disse a presidente da Fundação Nacional das Artes (Funarte), Maria Marighella, em concordância com as colocações do reitor da UFBA, apontando também a “necessidade de refundação do papel das artes e da cultura a partir do incentivo de políticas públicas”.

Tais políticas, contudo, só poderão ser concretizadas mediante a superação de desafios nacionais e a cooperação das pastas ministeriais que cuidam da educação e cultura no país – o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Cultura (Minc). “Será preciso uma agenda integrada entre Minc e MEC para aproximar o conhecimento científico da cultura e das artes”, pontuou, na mesa sobre o tema, o secretário de Formação Cultural, Livro e Leitura do MinC, Fabiano Piúba.

E para superar os possíveis desafios é fundamental “a formação de uma articulação entre as universidades, realizando discussões diárias, no cotidiano, para que o saber acadêmico dialogue com os saberes dos vários segmentos da sociedade”, afirmou o ex-secretário de cultura do Estado da Bahia e professor aposentado da UFBA, Albino Canelas Rubim, que também participou da mesa.

Pró-reitorias de cultura

Um modelo de organização administrativa para a elaboração de um plano de ações e estratégias que possa ser executado levando em conta as particularidades de cada universidade esteve em pauta no debate sobre a Institucionalidade da cultura e das artes nas universidades brasileiras, que aconteceu no início da tarde do dia 03.

De acordo com estatísticas apresentadas pelo pró-reitor de Extensão da UFBA, Guilherme Bertissolo, existe uma diversidade de setores que comportam as ações relacionadas à cultura nas universidades federais brasileiras, sendo que apenas três delas têm uma pró-reitoria dedicada integralmente à cultura. A maioria realiza a gestão cultural por meio das pró-reitorias de extensão – entre as quais a UFBA – e outras poucas através de instâncias administrativas variadas.

Entre as três universidades que criaram uma pró-reitoria exclusivamente para pensar e gerir ações culturais está a Universidade Federal do Cariri (UFCA), no Ceará. Representando a UFCA, a professora da Aglaize Damasceno contou como foram desenvolvidos os fundamentos e a trajetória para a institucionalização e validação de uma pró-reitoria de cultura em sua universidade.

Damasceno explica que, na UFCA, concebeu-se um “cruzamento das dimensões ensino, pesquisa, extensão e cultura, tornando-se, em vez do conhecido tripé, um quadripé, que leva em conta a indissociabilidade entre os quatro eixos. Assim, foi possível elaborar um plano de cultura, artes e esportes exequível.

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O professor Fernando Mencarelli, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também trouxe a experiência da implantação de uma pró-reitoria de cultura na UFMG – algo que ocorreu após 18 anos de discussões entre a comunidade universitária. Mencarelli chamou atenção para o fato de que, neste momento de profundas transformações, cada universidade precisa “pensar o fortalecimento de seus setores culturais, pois é o campo onde estão tecidos os valores e modos de viver e pensar, onde se disputa as políticas de poder e controle”.

Mencarelli avalia que, para dar início a um processo de criação de uma “pró-cult” numa universidade, deve-se “considerar como [a instituição] vem trabalhando a cultura em sua organização, estrutura e realidade. Cada universidade tem um caminho, a partir de sua história e singularidades, para pensar o lugar de gestão de suas políticas culturais”, acrescentou.

Para o professor da Unicamp Fernando Hashimoto, o atual sistema adotado no Brasil surgiu tardiamente e é “fatiador das áreas do conhecimento, focado na pesquisa para a formação acadêmica”. Para ele, “é preciso o entendimento da cultura como tudo que faz parte da atividade humana. Desse modo, a cultura está no ensino, na pesquisa e na extensão”.

Hashimoto apontou a característica da transversalidade da cultura, que a torna presente em todas as áreas da universidade. Nesse sentido, afirmou que um passo adiante para a transformação das universidades seria levar em conta a transversalidade da cultura e sua inclusão entre os conceitos básicos de missão e visão e no plano de desenvolvimento estratégico e institucional ou PDI de cada uma. “E isso não se observa na maioria das universidades brasileiras”, disse ele após ter realizado uma verificação em vários PDIs de universidades.

Hashimoto não defende a criação de um quarto eixo na missão da universidade, nem criação de pró-reitorias de cultura, mas uma reflexão profunda sobre a transversalidade da cultura. Mencarelli, da UFMG, também entende não ser impositiva a adoção de um modelo único, com pró-reitorias específicas para a cultura, mas sim que a pauta seja debatida e esteja inserida em todas as práticas da universidade, “pois a cultura é o campo de disputa de poder na sociedade, por isso é urgente se pensar que tipo de profissionais estamos formando”, concluiu.

Extensão com cultura e arte para inclusão

“A cultura e as artes, mediante as ações de extensão da universidade, podem ser vistas como uma força capaz de reparar erros históricos”, acredita a pró-reitora de Extensão e Cultura da Universidade Federal do ABC, a produtora cultural Gabriela Maruno, na mesa sobre cultura e arte na extensão das universidades federais brasileiras.

Maruno acredita ser necessária a realização de uma autocrítica em relação às práticas perpetuadas nos ambientes de cada universidade, a fim de se tornar mais consciente, inclusiva, estimulante e sintonizada à sobrevivência como comunidade. “As atividades de extensão, cultura e artes realizadas nas universidades é que permitem a avaliar o que está sendo feito em termos de reparação e inclusão. É a cultura e arte que farão a universidade voltar a ser inspiração”, destacou Maruno. “É preciso fazer muito mais que dar aulas e projetos, cursos e eventos abertos ao público, mas promover o pertencimento de todos”, disse.

A oportunidade de mostrar essa relevância também foi enfatizada pelo pró-reitor de Extensão da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Richard Santos, quando ele ressaltou que “é preciso pensar quem somos e por que estamos aqui”. Ele convidou a uma reflexão sobre como a universidade pode se tornar um lugar de inclusão e inserção da ‘maioria minorizada’ e não continuar como uma universidade branca e eurocêntrica. “E ‘quiçá’ esse caminho seja o da insurgência, chamado decolonialidade ou descolonialidade”, pontuou Richard, explicando que “é preciso completar o ciclo de emancipação política para avançar”.