Discussões sobre física quântica, democracia digital e cerveja artesanal marcaram o segundo dia do festival de divulgação científica Pint of science. No Barravento, o professor Olival Freire Jr. discutiu a curiosidade de outras áreas pela física quântica e o misticismo que envolve o assunto (ver matéria). O Caranguejo do Porto foi tomado por uma conversa descontraída sobre a noção de “democracia digital” com os professores Wilson Gomes e Othon Jambeiro, da Faculdade de Comunicação da UFBA. O terceiro local contemplado pelo Pint of science foi o Red Burguer’N Bar, na Pituba, no qual o engenheiro agrônomo e cervejeiro caseiro Celso Duarte Filho deu uma aula sobre fabricação de cerveja.
Poder digital
A empolgação de debater sobre as possibilidades de participação popular nas esferas do poder político, através das ferramentas disponibilizadas pelas novas tecnologias da comunicação, marcou a conversa descontraída sobre “democracia digital” com os professores da Faculdade de Comunicação da UFBA Wilson Gomes e Othon Jambeiro, no Porto do Caranguejo, na Barra.
Temas como as possibilidades de produzir mais e melhor democracia nos ambientes digitais, o uso de novas tecnologias pelos poderes legislativos e executivos dos municípios brasileiros e como grupos minoritários da sociedade podem se beneficiar das plataformas digitais foram abordados em meio à descontração do ambiente do bar, que muitos frequentam só para relaxar e jogar conversa fora. Com uma linguagem leve, os coordenadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Democracia Digital (INCT-DD) conseguiram responder aos questionamentos que brotavam dos ouvintes, entre um e outro brinde, e destacaram pontos dos projetos de pesquisa realizados pelo grupo de pesquisadores do Instituto.
Em plena noite de terça-feira, o andar superior do bar ficou com todas as mesas completas por um público composto por pessoas de várias idades e procedências, que apresentaram questões abordando desde as “tretas” presentes nas redes sociais, a polêmica aprovação do PDDU pela Câmara de Vereadores de Salvador e até as recorrentes crises políticas que assolam as instituições políticas brasileiras. O papo, harmônico e sem polarização, concluiu apontando para a importância da participação nos rumos políticos do país, principalmente nesse tempo em que as plataformas digitais são facilitadores e verdadeiros ambientes sociais de inserção.
Cerveja of Science
“Beba menos, beba melhor!” Assim o engenheiro agrônomo e cervejeiro caseiro Celso Duarte Filho começou sua palestra no Red Burguer’N Bar (Pituba). O tema escolhido foi “Cervejas Artesanais e o Álcool: malvado favorito?”
Duarte apresentou uma verdadeira aula sobre fabricação de cerveja, fazendo com que o público pudesse entender mais a fundo algo que está acostumado apenas a provar do resultado final. Para ampliar a percepção, o engenheiro destrinchou a insuspeitada diferença entre gosto e sabor. Enquanto o primeiro está restrito a cinco possibilidades (doce, salgado, azedo, amargo e umami), o sabor é uma combinação de sensações, de gostos e aromas, de sutilezas. Por isso o professor, que se define como um amante da cerveja puro malte, tanto se entusiasma com as cervejas artesanais. A maioria esmagadora das cervejas produzidas no Brasil, a fim de baratear seus custos, utiliza uma grande quantidade de milho transgênico em sua composição, e o brasileiro está acostumado e preferir beber em quantidade, em detrimento da qualidade.
Para entender melhor, ele esmiuçou o processo de produção da cerveja, que, em sua fórmula clássica, conta com apenas quatro ingredientes: água, malte, levedura e lúpulo. A água, ao contrário do que reza o senso comum, não precisa ser de uma fonte especial – basta ser pura e insípida, ou seja, não ter sabor, além de não ter cloro, é claro. O malte, principal ingrediente da cerveja, não é um cereal em si, mas um produto obtido a partir da germinação e torra da cevada ou do trigo. A torra leve produz as cervejas mais claras, como a pilsen, hegemônica no Brasil. Uma torra maior produz cervejas escuras. Membro da família cannabinaceae, gênero cannabis (ou seja, parente da famigerada cannabis sativa, embora sem seus efeitos), o lúpulo traz amargor e aroma para a cerveja, fazendo parte desta receita clássica há milhares de anos. A levedura provoca a fermentação que irá gerar o álcool. “Nós só preparamos o mosto; quem faz a cerveja é a levedura”, comentou o professor.
Depois desta aula de fabricação, Celso Duarte Filho apresentou uma série de estudos acadêmicos sobre cerveja. Com surpresa, o público descobriu que ela é utilizada no fortalecimento da saúde, na prevenção de doenças e na preparação de atletas. A Universidade de Granada, na Espanha, promoveu um estudo, intitulado “Idoneidade da cerveja na recuperação do metabolismo dos desportistas”, e demonstrou que o consumo de alguns tipos de cerveja pode ajudar na recuperação do metabolismo hormonal e imunológico depois da prática desportiva de alto rendimento, além de prevenir de dores musculares.
O professor apresentou ainda alguns resultados da pesquisa “Plantas regionais como ingredientes em cervejas artesanais”, realizada na Faculdade de Farmácia da UFBA. Ele e os outros participantes utilizaram cipó milome (Aristolochia cymbifera), quina-quina (Coutarea hexandra) e cassutinga (Croton argunphyllus Kunth) na preparação da bebida, dando um toque tipicamente baiano e abrindo um mercado em potencial.
O mal do excesso
O farmacêutico-bioquímico e doutor em dependência ao etanol Rodrigo Moloni Leão iniciou a segunda palestra da noite num contraponto à anterior, chamando a atenção para os malefícios causados pelo consumo excessivo do álcool. O uso do álcool na sociedade data de aproximadamente 6000 anos a.c. e o primeiro relato de embriaguez consta na bíblia: foi o de Noé, retratado na Capela Sistina por Michelangelo.
Dando um salto na linha histórico cronológica, foi durante a revolução industrial que aconteceu o aumento tanto da produção quanto do consumo de bebidas alcoólicas, iniciando diversos problemas de saúde e sociais como agressões e abusos. Em 1920 foi instituída a Lei Seca nos Estados Unidos, única lei revogada no país, anos depois, após estudos comprovarem que o uso moderado e recreativo da bebida faz bem ao organismo.
Em 1952 o alcoolismo foi diagnosticado como uma doença psiquiátrica, o professor ressaltou que “a dependência não se dá por desvio de caráter, pois é uma doença mental” e que deve ser tratada como outra qualquer. Rodrigo apresentou estudos ilustrando o consumo de drogas lícitas no mundo. Segundo a ONU, 2 bilhões de pessoas entre 15 e 64 anos consomem álcool no mundo, sendo que a maior parte não faz o uso moderado e consciente, criando preocupação aos órgãos de saúde pública.
No Brasil um levantamento feito pela UNIFESP, em mais de 200 cidades, apontou que 74,6% da população entrevistada já havia consumido álcool pelo menos uma vez na vida. Destes 12% são dependentes da substância, sendo 7% jovens entre 12 e 17 anos. Outro dado alarmante é o de 22,3% da população indígenas ser dependente do álcool. 3,3 milhões de mortes no mundo são relacionadas ao álcool, tornando-o a maior causa de morte evitável, mais do que qualquer outra doença. Entre as causas diretas desses óbitos estão os homicídios, suicídios e 40% do total de acidentes automobilísticos.
Rodrigo Moloni enfatizou a importância de um debate mais aprofundado na sociedade acerca da descriminalização e liberação de drogas ilícitas, pois, no Brasil, a liberação de substâncias como o álcool e o tabaco contribuiu para aumentar a procura e o consumo, causando graves danos sociais e de saúde pública. Torna-se de suma importância “esclarecer onde o consumo abusivo dessas substâncias podem te levar” para que se possa fazer um uso moderado, recreativo e consciente.