
A coordenadora do Programa Ciência de Dados na Educação Pública, Professora da Escola Politécnica da UFBA, Karla Patrícia Oliveira Esquerre. (Foto: Ascom/UFBA)
Em meio ao crescimento de aplicações de dados digitalizados e inteligência artificial na sociedade atual, o conhecimento sobre essas áreas torna-se necessário para a formação educacional das novas gerações. O Programa Ciência de Dados na Educação Pública, realizado por professores e estudantes voluntários de cursos das engenharias elétrica, química, dos transportes, ambiental e civil da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia, promove o letramento em ciência de dados e inteligência artificial, com foco na formação científica e cidadã de jovens de seis escolas públicas de Salvador.
O objetivo, segundo a coordenadora do programa, a professora da Escola Politécnica da UFBA Karla Patrícia Oliveira Esquerre, “é promover o ensino e a aprendizagem nessa área, fortalecendo o protagonismo juvenil e incentivando a justiça social”. Desse modo, o programa possibilita que estudantes tenham a oportunidade de desenvolver o pensamento computacional, analítico e estatístico para aprender como funciona a Ciência de Dados – que, atualmente, está inserida nas mais diversas áreas do conhecimento, além das exatas – e também atue na eliminação de vieses relacionados a raça e gênero.
A iniciativa, que atua “usando uma abordagem interdisciplinar da ciência – ciência de dados, inteligência artificial e pensamento científico – e integra ensino, pesquisa e extensão, busca fortalecer a compreensão da importância de enfrentar problemas cotidianos com estudantes e professores de escolas públicas, envolvendo-os, ativamente, em encontros presenciais e virtuais para discutir questões urbanas e sociais”, explica Esquerre.
Para conscientizar professores estudantes sobre a importância da ciência de dados em diferentes contextos de conhecimento e nas mais variadas áreas, são desenvolvidas estratégias que promovem o interesse dos estudantes em carreiras relacionadas a ciência e tecnologia, incentivando a participação em atividades extracurriculares e eventos científicos.
As atividades são orientadas para promover discussões e reflexões que possam contribuir para a construção de políticas públicas que incluam a ciência de dados no currículo da educação pública no Brasil. Dessa forma, “busca-se impulsionar a inserção dessa área no ensino público e preparar os estudantes para os desafios e oportunidades do mundo moderno”, acredita a professora.
O Programa Ciência de Dados na Educação Pública é um programa de extensão permanente para formação de jovens para sejam agentes críticos em um mundo altamente tecnológico e fundamentado em dados e algoritmos. “Mas, é claro, que a continuidade das ações depende dos apoios financeiros e institucionais”, observa Esquerre.
Estudantes alcançados
Entre os estudantes alcançados pelo PCDEP está a aluna do ensino médio Yasmin Santana, que participa do Ciência de Dados na Educação Pública desde de julho de 2021. Ela conta que “o programa mudou totalmente sua vida, o jeito de ver o mundo e a perspectiva em relação a perguntas como: “Como isso ocorre?”, “Será que ocorre com frequência?”, “O que podemos fazer para mudar isso?”.
Diante de tais questões, já desenvolvidas com base no pensamento científico, a jovem afirma que “talvez, querer mudar o mundo possa parecer impossível, mas com as perguntas, os dados, as análises e as pesquisas conseguimos, realmente, entender e encontrar soluções. Por isso, tenho total certeza de que o projeto não mudou somente a minha vida, mas a vida de todas as pessoas que participaram”, afirma.
Yasmin atualmente, é estagiária na Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), onde aplica, na prática, os conhecimentos aprendidos no projeto. Ela também participa de uma liga de programação na UFBA, com a parceria do laboratório Gamma – a SSACode. E “tudo isso, graças ao programa”, diz ela.
Semelhante a Yasmin, mais de mil estudantes matriculados no ensino fundamental II e médio de escolas públicas de Salvador, e majoritariamente negros, foram beneficiados pelo programa. Cerca de 300 deles participaram de encontros semanais, e 170 receberam bolsas de iniciação científica júnior. Mais de 500 estudantes se envolveram em 150 projetos científicos, abrangendo diversas áreas do conhecimento e promovendo temas como sustentabilidade, inovação e combate ao racismo.
Ao todo, oito projetos receberam prêmios em eventos científicos regionais. As escolas que participam como parceiras, desde 2021, são: Colégio Estadual Evaristo da Veiga; Colégio Estadual Henriqueta Martins Catharino; Colégio Estadual Ypiranga; Escola Municipal Cidade de Jequié; Colégio Estadual Mário Costa Neto e Colégio Estadual da Bahia.
Em 2019, os encontros foram realizados em algumas escolas e na Escola Politécnica da UFBA. Em 2020 e 2021, devido ao contexto da pandemia de Covid-19, os encontros passaram a ser online. Em 2023, foi retomado o formato presencial, realizado na UFBA, pois o ambiente escolar ainda se encontrava fragilizado, devido à pandemia.
Atividades realizadas por estudantes e professores
O Programa reúne eixos relacionados à pesquisa, ao ensino e à extensão, de uma forma muito integrada. A aplicação nas escolas envolve práticas que podem ser divididas em quatro etapas distintas:
Etapa 1 – Aproximação do público-alvo -> nessa fase, são realizadas discussões e atividades lúdicas com o objetivo de despertar o interesse dos estudantes e da escola pelo tema. Essas atividades ocorrem em uma média de 1 a 2 horas por semana.
Etapa 2 – Processo Formativo e Informativo -> aqui, são promovidas mediações com estudantes e professores para discutir temas sobre ciência de dados, inteligência artificial, pensamento científico e protagonismo social, racial e de gênero. Essas interações ocorrem em uma média de 1,5 a 3 horas por semana.
Etapa 3 – Conexão entre teoria e prática -> nessa etapa, há o estímulo ao desenvolvimento de projetos multidisciplinares relacionados à criação de um website lúdico-informativo chamado “(re)Conhecendo Salvador”, bem como a participação em Feiras de Ciências. Essas atividades ocorrem tanto nos encontros com os estudantes e professores como em outras instâncias.
Etapa 4 – Protagonismo de Gênero, Racial e Social -> nessa fase, são criadas e utilizadas ferramentas, como podcasts, jornais e rádio escolar, para promover discussões sobre questões raciais, sociais e de gênero no Brasil. Essas atividades se conectam às vivências e ao contexto do mundo dos participantes, que são os professores e alunos.
Os professores também adotam uma postura de aprendizado, incorporando novos conteúdos em suas aulas, principalmente na disciplina de inteligência artificial, ministrada por professoras de duas escolas, em colaboração com a equipe da UFBA. Por outro lado, os estudantes demonstram um desenvolvimento notável, adquirindo habilidades para compreender as dinâmicas cotidianas em seus bairros e na cidade em geral.
Cada uma das etapas desempenha um papel importante no desenvolvimento do programa, proporcionando uma abordagem abrangente e significativa para o ensino e a aprendizagem de ciência de dados e temas relacionados, informou a coordenadora do programa.
Origem do programa
O Projeto Meninas na Ciência de Dados, realizado desde 2019, teve apoio CNPq/MCTIC, Edital nº 31/2018 – Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação. Desde a sua concepção, em 2020, o Programa Ciência de Dados na Educação Pública é apoiado pela Fundação Itaú para Educação e Cultura. Durante os últimos quatro anos, os recursos destinados estão em torno de R$ 550 mil.
O germe para a concepção do Programa Ciência de Dados na Educação surgiu em 2012, com o grupo de pesquisa Gamma, da Escola Politécnica da UFBA, que se dedica à pesquisa e ao ensino de ciência de dados em níveis de graduação e pós-graduação. “Mas a ideia de trabalhar com um público mais jovem surgiu de uma experiência nos Estados Unidos, em 2015, quando eu era pesquisadora visitante na UCSD. Observando minha filha, então com 9 anos, desenvolvendo um projeto de ciências que envolvia coleta e análise de dados, percebi como o ensino de dados no nível fundamental era uma realidade distante no Brasil”, recorda a professora Karla.
Para promover a equidade em uma área predominantemente masculina, foi fundado o grupo R-Ladies Salvador em 2018. Em 2019, começou o Projeto Meninas na Ciência de Dados, voltado para estudantes do sexo feminino do ensino fundamental II. Esse projeto evoluiu para o Programa Ciência de Dados na Educação Pública, abrangendo também estudantes do ensino médio e sem distinção de sexo biológico.
Desde o início do programa, há uma equipe multidisciplinar composta por professores, profissionais, doutorandos, mestrandos e graduandos que participam ativamente das ações, seja como voluntários ou por meio de bolsas de pesquisa. Essa equipe é dinâmica, com estudantes de graduação e pós-graduação envolvidos de forma contínua.
Também há uma equipe permanente da Escola Politécnica da UFBA, composta pelos seguintes membros-chave: a coordenadora pedagógica e líder das atividades relacionadas aos protagonismos, Daniele Lima; os orientadores de projetos científicos que oferecem suporte e direcionamento aos estudantes, Silvia Miranda e Tiago Paes e os doutorandos que lideram as temáticas de ciência de dados e inteligência artificial, Cedma Firmino e Robson Pessoa.
Essa equipe permanente desempenha um papel fundamental no planejamento, coordenação e orientação das atividades, garantindo a qualidade e o sucesso do programa. Além disso, há participação constante de outros membros da equipe como professores e profissionais de diferentes áreas, que enriquecem as experiências e contribuem para uma abordagem interdisciplinar eficaz.