Afinal, o que é conhecer?

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Salles: da bíblia de Wittgenstein ao problema de Gettier

Depois da bíblia de qualquer bom intérprete de Ludwig Wittgenstein, o Tractatus Logico-philosophicus, pequenas garrafas azuis de água mineral e duas “assistentes” serviram como “recurso audiovisual” para João Carlos Salles, professor de filosofia e reitor da UFBA, ilustrar a diferença entre uma proposição verdadeira e uma proposição falsa, em seus termos mais simples, para uma plateia pouco especializada na terminologia da lógica. O lugar da apresentação era o bar Barravento, na abertura da primeira edição do Pint of science em Salvador, na segunda-feira, 15 de maio.

Cabia a Salles conversar com esse público a partir de uma pergunta que ele mesmo propusera: “O que é conhecer?”. E por entre conceitos, recursos audiovisuais singelos e jogos de linguagem, ele caminhou das noções de proposição e de verdade à explicitação de por que, ainda que se conheça todas as proposições das ciências naturais e da história, não se penetrou todavia no processo de conhecer tal como percebido no olhar do filósofo.

Conhecer tudo que pode ser dito – ciência – não anula e não resolve aquilo sobre o que não se tem a possibilidade de falar, seja da ordem do ético, do estético ou do sublime, e diante do quê se deveria silenciar. E ao saber que estando no campo da fórmula lógica de toda reiteração se está na possibilidade de saber mais, sem saber profundamente, de uma certa maneira, explicou João Carlos Salles, se está refletindo sobre todo o passado da filosofia.

Esse passado levou o condutor da conversa ao mito da caverna de Platão (o filósofo seria aquele que deixa o reino das sombras onde os homens estão prisioneiros, conhece o mundo verdadeiro e retorna com suas luzes à caverna); e à unidade indissociável entre o verdadeiro, o belo e o bom que marca toda a história da filosofia até o Iluminismo e Kant, o grande pensador responsável por quebrar essa matriz e ao caráter indissociável  dos três termos. “O verdadeiro não é necessariamente belo, o belo não é sempre bom, e assim sucessivamente”. Entram em cena a faculdade da razão com seus valores universais, o entendimento e a faculdade do juízo – o que em termos corresponde à filosofia, às ciências e ao direito.

Mas a pergunta “o que é conhecer?” foi retomada por Salles nas pegadas de um dos seus grandes debatedores, Edmund Gettier, que num texto de 1963, em apenas três páginas, criou um problema epistemológico de tal monta que terminou por erigir em relação ao assunto aquilo que se tornaria exatamente “o problema de Gettier”.

Tudo porque ele apresentou contraexemplos à definição do conhecer como crença verdadeira justificada, que estava posta tranquilamente nos domínios da lógica e conseguiu provocar assim um razoável terremoto. Na fala de João Carlos Salles, Gettier apareceu em diálogo com outros filósofos recentes, como Ernest Sosa e Bertrand Russel.

Dois dias depois, em aula inaugural do Departamento de Filosofia, ele retomou o tema de forma mais profunda. “O texto de Gettier tem a candura de uma mensagem explosiva, que expressa, como se fora simples e óbvio, o que, todavia, nada perde em complexidade. Não por acaso, suas três páginas geram um verdadeiro programa de investigação, multiplicado agora em centenas de papers e diversos livros, como se exigisse de cada pesquisador uma resposta a seu desafio enigmático”, disse.

“Mesmo o eventual detrator do problema”, acrescentou, “alguém cuja tradição filosófica (ou cujo insuficiente fôlego filosófico) considere secundárias, miúdas ou insignificantes tais questões epistemológicas, concederá aplicar-se com vantagem a esse programa de investigação o dito do poeta Odysséas Elýtis: ‘Você aprenderá muitíssimo se estudar o Insignificante em profundidade’”.

No Barravento, João Carlos Salles terminara sua fala dizendo que “o processo do conhecimento é relevante, valioso e chega a ser sublime. Implica uma rede de confiança, é um processo de construção universal que admite a divergência”. Continuar a divergir significa que ninguém tem a verdade, porque senão se teria um caminho para a verdade. “O processo de conhecer é um jogo muito divertido de construir coletivamente”.

 

 

 

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