Dissertação da UFBA identifica “meta-fronteira” europeia na África e ganha prêmio

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As fronteiras externalizadas da União Europeia através de acordos com países terceiros.Fonte: EUCR, 2018.

As fronteiras externalizadas da União Europeia através de acordos com países terceiros.

A aluna do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI/IHAC/UFBA) Lisa Benevides conquistou o prêmio de melhor dissertação de mestrado da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI) de 2023.

Orientada pelo professor Daniel Aragão (IHAC), a dissertação, intitulada “Externalização de Responsabilidades e Securitização dos Fluxos Migratórios: a construção de uma meta-fronteira europeia no continente Africano”, analisa como a União Europeia e países-membros têm estendido suas fronteiras em direção aos países do Norte da África, criando “ uma meta-fronteira” europeia em solo africano. Deste modo, segundo a autora, a contenção migratória poderia iniciar onde o migrante se localizava, em seu país de origem. Leia o trabalho premiado aqui.

“A externalização dos controles de fronteira não é, por si só, uma novidade, mas sim a busca pelo aprofundamento deste controle de operação remoto, associado a novos desdobramentos de ações para prevenir os fluxos aos países de destino termina por criar novas configurações de espaços”, argumenta Benevides.

Para ela, a mobilização de países terceiros, por meio da realização de acordos bi e multilaterais, ou ainda a própria intervenção direta dos países europeus em políticas preventivas gera um aumento na securitização, vigilância e práticas de controle migratório. O trabalho de Lisa Benevides realiza, então, uma investigação acerca de como este controle é efetivado, examinando o aumento da militarização das fronteiras externas da União Europeia e a transferência da responsabilidade a países terceiros, majoritariamente do norte da África ou estratégicos na Ásia – a exemplo da Turquia.

“Assim, faz parte da pesquisa a visualização de como os procedimentos de externalização de fronteiras realizados por meio dos acordos bilaterais efetivamente moldaram o Norte da África em um grande cordão de contenção migratória dos seus próprios conterrâneos, com centros de detenções africanos para africanos, em prol de uma mobilidade seletiva europeia”, conclui a egressa.

É o segundo ano seguido que uma dissertação do PPGRI do IHAC/UFBA leva esse prêmio. Em 2022, a ex-aluna Blenda Santos de Jesus recebeu a mesma premiação com a dissertação “Entre ativismos e panafricanismos: ‘travessias’ internacionais de mulheres negras”, orientada pelo professor Victor Coutinho Lage.

Discussão crítica e contributiva

Para o professor orientador Daniel Aragão, a dissertação de Mestrado de Lisa discute criticamente os processos de controle de população da Europa em África, respondendo a questões como: 1) De que maneira foi possível para os europeus desenvolver formas de controle de migrantes africanos antes mesmo deles chegarem na fronteira territorial europeia? 2) Que mecanismos disfarçados de ajuda ao desenvolvimento e que processos de cooperação com agentes públicos nacionais estabelecem essa fronteira estratégica dos europeus em países do norte de África? E 3) Quais os direitos humanos são violados nesses processos?

“Respondendo a essas e outras questões, Lisa Benevides contribui substantivamente com sua pesquisa para diversos estudos relevantes no campo de relações internacionais: governança global, migrações, segurança, estudos europeus, estudos africanos, cooperação para o desenvolvimento, entre outros.” Aragão acredita ainda que, que para além da contribuição no debate acadêmico, o estudo também possibilita um olhar crítico da sociedade em geral sobre as relações de poder e controle social neocolonial exercida pela Europa em África. “Com extensa pesquisa e análise de dados e documentos, Lisa Benevides se centra no enfoque de flexibilização e transferência de responsabilidades, observando como este processo se dá travestido de uma narrativa de cooperação, quando na realidade se trata de um processo de contenção e controle de fluxos migratórios”, revela o orientador.

Dedicação e coragem

Foto arquivo: Lisa Benevides.

Vindo de uma formação como bacharel em direito para um mestrado em Relações Internacionais, Lisa Benevides confessa que ficou muito feliz só de ser indicada como representante do PPGRI ao concurso – o que, segundo ela, “já trazia o reconhecimento da qualidade da minha dissertação ser escolhida entre meus pares para isto, então a ideia de vencer a premiação sequer passava por minha cabeça”.

Benevides lembra ainda da importância do reconhecimento acadêmico a pesquisas realizadas no Nordeste, ao saber que algo que produziu por longos anos alcançou uma premiação nacional. E finaliza citando o escritor Guimarães Rosa: “O que a vida quer da gente é coragem”.