
Entre os dias 18 e 21 de outubro de 2023, Salvador sediou a 40ª. edição do Congresso Brasileiro de Psiquiatria, organizado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Neste evento, membros da Liga Acadêmica de Psiquiatria (LAPSI) da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB/UFBA) receberam o prêmio de melhor trabalho na sessão de Pesquisas e Artigos Científicos, com o artigo: Impact Analysis of the Brazilian Suicide Prevention Campaign “Yellow September”: an Ecological Study.
O artigo foi publicado na revista Trends in Psychiatry and Psicotherapy, um periódico internacional, com sede no Brasil, administrado pela Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. A pesquisa inicial teve como ponto de partida uma sessão de ensino da LAPSI, em setembro de 2022, durante a campanha anual do “Setembro Amarelo”, de prevenção ao suicídio, implantada no Brasil em 2014.
As ligas acadêmicas da FMB são uma iniciativa dos estudantes que se agregam por afinidade a uma área específica da medicina, com o objetivo de fomentar o protagonismo discente através de atividades extracurriculares de ensino, pesquisa e extensão universitária, sob a tutoria de um professor efetivo da faculdade. Nesta sessão entre alunos de graduação de Medicina, discutia-se sobre os fatores de risco e de proteção para o suicídio, quando surgiu a pergunta: a campanha do “Setembro Amarelo” é efetiva?
Para responder a esta pergunta, os estudantes Walter Cruz, Thiago Jesuíno, Hércules Moreno e Lara Garrido, da LAPSI, começaram a pesquisar sob orientação da psiquiatra e professora Amanda Galvão e a resposta veio logo em seguida: que a sua eficácia na redução da mortalidade ainda é desconhecida.

O estudo e os resultados
O trabalho é um estudo ecológico de série temporal interrompida que analisou as taxas de suicídio no país entre 2011 e 2019 e a sua associação com a implementação da campanha a nível nacional. Os dados foram fornecidos pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde (SIM). Após análise estatística, os resultados demonstraram a permanência da tendência histórica de crescimento das taxas de suicídio, aumentando, entre 2011 e 2019, de 4,99 para 6,41 suicídios por 100 mil habitantes, respectivamente. O modelo estatístico utilizado não indicou redução estatisticamente significativa das taxas de suicídio a partir da implementação da campanha.
“Além disso, informa a professora Amanda Galvão, é possível que algumas campanhas, entre 2017 e 2019, estejam associadas com o aumento significativo na mortalidade por suicídio, dado que não representa um efeito causal direto, mas que sugere a necessidade de reavaliar essa estratégia como única intervenção preventiva”
Para Amanda, os resultados são consistentes com a literatura mundial que propõe que campanhas focadas exclusivamente na mídia sejam pouco efetivas na redução das mortes por suicídio.
“Provavelmente, são necessárias ações multissetoriais coordenadas no sentido de reduzir o acesso aos métodos mais utilizados por pessoas que cometem suicídio, além de aumentar o acesso de pessoas em risco a profissionais de saúde capacitados, inclusive e principalmente da atenção primária à saúde, mas também da atenção especializada, ampliando a rede de atenção psicossocial”
A orientadora alerta ainda que a identificação precoce de pessoas em risco por outros profissionais habilitados como os do setor da educação e da segurança pública, mas também por líderes religiosos e comunitários, parece essencial.
“Em paralelo, a redução do estigma e do preconceito relacionado a pessoas que procuram tratamento e que estão em tratamento para transtornos mentais deve ser uma iniciativa mantida por toda a sociedade civil, uma vez que a quase totalidade das pessoas que comete suicídio tem alguma condição clínica tratável”, acrescenta Amanda, sempre tomando como base os resultados da pesquisa realizada pelos estudantes, sob a sua orientação.
Walter Cruz na sessão de apresentação do artigo científico. Foto: Acervo LAPSI.
Já para o estudante Walter Cruz, um dos autores do artigo, os achados são importantes na medida em que trazem a tona a necessidade de repensar o que se tem feito no Brasil pra reduzir a crescente estatística de óbitos por suicídio, atestando a insuficiência de uma medida meramente publicitária.
“Além disso, ele acrescenta, o trabalho traz informações da literatura científica sobre como melhorar a campanha, baseado em exemplos de outros lugares do mundo. Ações como melhor treinamento dos profissionais de saúde e da mídia, desenvolvimento de multiplicadores comunitários, programa de triagem e acompanhamento de grupos de risco e, principalmente, o aumento da oferta de serviços de saúde mental são medidas essenciais para que o país possa avançar nessa importante pauta de saúde pública”, finaliza o estudante pesquisador.
E para os ligantes da LAPSI a premiação foi “especialmente notável” pelo reconhecimento da Associação Brasileira de Psiquiatria, uma das organizações proponentes e administradoras da campanha.