Dificilmente, o reconhecimento é dado a quem serve. Mas a Universidade Federal da Bahia concedeu o Título de Doutora Honoris Causa à senhora Creuza Maria Oliveira, líder e representante das trabalhadoras domésticas no Brasil. A cerimônia de outorga foi realizada na noite de 24 de novembro de 2023, no Salão Nobre da Reitoria da UFBA, concedendo o título, que foi proposto pela Congregação do Instituto de Psicologia da UFBA (IPS) e aprovado pelo Conselho Universitário (Consuni), em votação na reunião realizada em 29 de junho de 2023.
Pela primeira vez, uma universidade federal concede o título de doutora a uma trabalhadora doméstica no Brasil, em reconhecimento à importância da atuação de Creuza Oliveira na luta pelos direitos e emancipação dos trabalhadores domésticos e colaboração para os estudos sobre decolonialidade, raça, gênero e classe, por meio das suas reflexões e posicionamentos. Também foi o primeiro título em atendimento à proposição do Instituto de Psicologia, por iniciativa das professoras Ilka Dias Bichara, Juliana Prates, Elisabete Aparecida Pinto, Marina Silva e Patrícia Zucoloto.
Já como doutora honoris causa, Creuza descreveu a sensação pelo reconhecimento concedido com “muita emoção”, lembrando as “companheiras de longas datas que fazem parte da minha história pessoal e da luta, então, isso para mim é muito importante. Portanto, não é Creuza que ganha, somos nós, são todas elas”, afirmou. Ela enfatizou que “é importante a gente não esquecer da nossa caminhada, de quem nos deu a mão. E até daqueles que nos trataram com indiferença. Você pode estar na linha de frente, mas existem outras pessoas que estão apoiando, dando incentivo, que estimula toda uma luta”, disse a doutora honoris causa Creuza. Ela ressaltou que “foi uma honra receber o título porque contribuirá para formar novas liderança e se aproximar da academia”.
Na cerimônia, o reitor Paulo Miguez reconheceu o momento como “magistral”, pois “se relaciona com as grandes lutas da humanidade: contra o racismo e pelo desafio das de vencer as desigualdades, principalmente no trabalho doméstico, que acontece dentro de nossas casas”. Ele pontuou que “nós é que agradecemos sua presença, aqui na nossa casa UFBA: uma casa em que o racismo não prosperará, nem a desigualdade e o desrespeito aos trabalhadores. A presença de Creuza Oliveira como uma doutora honoris causa da UFBA é que nos inspira”, disse Miguez.
A diretora do IPS, Cristiana Mercuri, agradeceu a Creuza enfatizando à homenageada que “sua vida nos educa no sentido mais pleno, porque educar é dar exemplo e se comprometer com a emancipação humana”. Ela também chamou atenção para o sentido do coletivo que marca a história de Creuza, desejando que todos estejam “dispostos a aprender com o exemplo de Creuza e seguir sua trajetória”.
A professora do IPS Elisabete Aparecida Pinto, que desenvolve pesquisas sobre o trabalho doméstico e coordenou o grupo responsável pelo memorial sobre Creuza para a análise da concessão do título, relembrou a vida marcada por “força, coragem, defesa de direitos humanos e incentivo à autoestima de várias mulheres, negras, periféricas, filhas e netas de empregadas domésticas presentes na comunidade universitária da UFBA”. Em resumo, Elisabete acrescentou firmemente: “somos todas Creuza”.
Várias autoridades locais e nacionais enviaram mensagens de reconhecimento e apreço pela honraria concedida pela Universidade. Assista aqui a cerimônia completa da outorga do título de doutora honoris causa a Creuza Maria de Oliveira.
Sobre Creuza Oliveira
Baiana, registrada como natural da cidade de Santo Amaro da Purificação, Creuza Maria Oliveira é mulher negra, tem 65 anos, é descendente de escravos e importante liderança entre as trabalhadoras domésticas do estado da Bahia e do Brasil. É ativista política, sindicalista, ex-vereadora de Salvador e, atualmente, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fentrad).
Foi protagonista na luta pela aprovação da “PEC das Domésticas”, em 2013 – a Proposta de Emenda Constitucional que garantiu às domésticas os mesmos direitos trabalhistas de outras profissões e que está completando dez anos em 2023. Sua trajetória se liga também à luta por conscientização acerca da violência contra as mulheres, o combate ao racismo, a exploração do trabalho infantil.
Creuza foi também a primeira presidente do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia e é presidenta de honra da Fenatrad. Creuza também é secretária de Formação Sindical e de Estudos do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia (Sindoméstico/BA) e coordenadora-geral do Instituto 27 de Abril (IEC).
Além de ser uma das fundadoras da Associação das Empregadas Domésticas da Bahia, Creuza também participou de atividades do Movimento Negro Unificado. Também é uma das idealizadoras do Conjunto Habitacional 27 de abril, nome alusivo ao Dia Nacional das Domésticas. A moradia fica no bairro do Doron, em Salvador, com apartamentos exclusivos para mulheres e trabalhadoras domésticas.
Somado ao recente Título de Doutora Honoris Causa da UFBA, Creuza recebeu, o título de comendadora da Ordem Dois de Julho – Libertadores da Bahia; o Prêmio Revista Cláudia, “Mulheres que fazem a diferença”, em 2003; o Prêmio Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal, em 2003 e em 2011, pela luta contra o trabalho infantil e por igualdade racial; e em 2005 recebeu a Ordem do Mérito do Trabalho no Grau de Cavaleira, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Creuza de Oliveira foi indicada para o Prêmio 1.000 Mulheres para o Nobel da Paz em 2005; recebeu ainda o Troféu Raça Negra da Faculdade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, no ano de 2013; e a homenagem “Mulheres Guerreiras”, da Previdência Social. No Senado Federal, recebeu o Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz, em 2015, entre outras diversas honrarias.