Ditadura Nunca Mais: debate e lançamento de livros na UFBA marcaram os 60 anos do golpe militar

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WhatsApp Image 2024-03-27 at 16.24.47(3)Anseio por justiça e saudade deram o tom do debate “Os 60 anos do Golpe e a Impunidade dos Crimes da Ditadura de 1964-85”, realizado em conjunto com a apresentação, em Salvador, dos livros A revolta das vísceras e outros textos, da jornalista e pesquisadora baiana Mariluce Moura, e Pela Memória de um paí[s]: Gildo Macedo Lacerda, Presente!, da professora de filosofia da Universidade de São Paulo (USP) Tessa Moura Lacerda, no Salão Nobre da Reitoria da UFBA, no dia 18 de março. Participaram da mesa Diva Santana, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos; Lucileide Costa Cardoso, líder do Grupo de Pesquisa Memórias, Ditaduras e Contemporaneidades da UFBA; Sônia Haas, que teve seu irmão desaparecido e morto durante a ditadura; e Isaura Botelho, que também teve seu marido desaparecido na época.

O clamor por repostas, pelo destino dos vestígios ósseos e pela reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) – cuja atribuição é tratar dos desaparecimentos e mortes de pessoas, devido às atividades políticas no período de setembro de 1961 a agosto de 1979, e que foi extinta no final de 2022 – marcou o evento, que reuniu representantes de vários segmentos da sociedade local, parentes de cidadãos aprisionados e dados como desaparecidos e presos políticos sobreviventes, como os jornalistas e professores aposentados da UFBA Mariluce Moura e Emiliano José, mediador da mesa.

“A remissão ao passado, que não passa e não permite nos apropriarmos da expressão dos criadores da cultura do golpe no Brasil, não foi ainda enfrentada, graças a acordos que impediram o julgamento de suas lideranças, durante e após a transição política”, destacou a integrante de grupos que lutam por verdade, memória e justiça em prol dos familiares desaparecidos Sônia Haas, que e peregrina em busca de respostas sobre o desaparecimento de seu irmão mais velho, João Carlos Sobrinho Haas, em 1972.

O sentimento de busca por justiça diante das arbitrariedades preponderantes nos anos da ditadura, também foi exposto pela professora Mariluce Moura, manifestando seu alerta, mediante a comparação das práticas e “mentiras deliberadas” daquele período com a onda de desinformação disseminada na atualidade. “É um projeto fascista em andamento, é a destruição da democracia, a desmontagem do espaço civilizado do debate e da diferença é aniquilação do pensamento divergente e do outro até a sua eliminação física”, alertou Mariluce, que atuou na área de divulgação científica de várias instituições produtoras de conhecimento, em especial na UFBA, entre 2016 e 2019.

WhatsApp Image 2024-03-27 at 16.24.47(2)A professora da USP Tessa Moura Lacerda, que nem chegou a conhecer o pai – Gildo Lacerda, que foi preso, torturado e morto quando sua mãe, Mariluce Moura, ainda estava grávida – declarou que não quer vingança, mas justiça. “Não se trata de vingar a morte de meu pai, mas pelo menos, poder contar, de peito aberto, para toda a sociedade brasileira, o que fizeram com o meu pai”.

A pesquisadora enfatizou que “trata-se de narrar a dor e o medo de crescer sem a presença física desse pai, por ele ter sido assassinado pelas forças do estado brasileiro. Trata-se de vencer o medo, um medo que não é racional e nem compreensível. E dizer que não é justo, não dá pra aceitar. É preciso que a sociedade brasileira compreenda que a ferida aberta que nós carregamos não é apenas nossa. Ela atinge como se gere o todo o tecido social. Esse tecido no Brasil é feito de violência”, concluiu, a professora de filosofia da USP.

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A jornalista Mariluce Moura (ao microfone)

“Essa luta não acabou porque nunca nos disseram o que foi feito das nossas famílias Então, é uma ferida que continua aberta. Nós queremos a verdade, nós queremos justiça e queremos que a memória seja resgatada”, sustentou a advogada Diva Santana, que foi representante dos familiares e conselheira da Comissão Nacional da Verdade, até a sua extinção em 2022.

Sobre os livros

Os livros A revolta das vísceras e outros textos   e   Pela Memória de um paí[s]: Gildo Macedo Lacerda, Presente! abordam, de pontos de vista diferentes crimes da ditadura militar brasileira, relacionados ao sequestro, prisão, assassinato sob tortura e ocultação do cadáver do militante Gildo Macedo Lacerda, em 1973. As autoras das obras, respectivamente, Mariluce e Tessa Moura são esposa e filha do professor Gildo Macedo Lacerda, preso em Salvador, considerado subversivo, militantes da ação popular leninista e declarado morto, na cidade de Recife (PE).

Capas-dos-livros-A-revolta-das-visceras-e-outros-textos-e-Pela-Memoria-de-um-pais-

  • A revolta das vísceras e outros textos, de Mariluce Moura, narra com prosa moderna e envolvente a história da jovem militante Clara, que foi inspirado na própria experiência de Mariluce, viúva de Gildo. O livro foi publicado pela editora Codecri e se tornou segundo colocado na categoria romance inédito, no prêmio da editora José Olympio em 1981. É um raro relato romanceado de um ponto de vista feminino sobre a vida na ditadura e foi objeto, na década passada, da pesquisa de doutorado de Cris Lira, pela Universidade da Georgia. O livro traz ainda reflexões da autora escritos durante sua prisão, antes e depois da morte do marido, além de artigos e entrevistas para diferentes veículos e apresentação do militante e ex-deputado federal Emiliano José.
  • Pela Memória de um paí[s]: Gildo Macedo Lacerda, Presente!,  traz a visão da filha de Mariluce e Gildo, Tessa Moura Lacerda, que era um feto enquanto seus pais viviam o terror nas mãos da ditadura. O texto traz quatro ensaios que, escritos de forma fluida e pungente e referenciam-se em obras de Bertolt Brecht, Sófocles e Jeanne Marie Gagnebin e abordam temas como a necessidade da edificação de uma memória sobre alguém que não se conheceu; a subjetividade de uma criança, marcada por uma trágica ausência e a monstruosidade da negação dos rituais fúnebres pela ditadura.

Esses livros compõem integram um conjunto que contam uma história pouco conhecida de crimes, ainda impunes, cometidos pelo Estado brasileiro entre 1964 e 1985. “Para que nunca se esqueça, para que não se repita!”, como trazem os livros e repetiram os diversos participantes do evento.

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