Notório Saber UFBA: poeta Ricardo Aleixo investiga a palavra em múltiplos espaços e linguagens

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Foto: Natália Alves.

Ricardo José Aleixo de Brito é um dos professor visitante com notório saber, aprovado no primeiro edital Notório Saber da UFBA. Ele também é um belo-horizontino de 1960, membro da Academia Mineira de Letras, que o tornou imortal em maio de 2024. Artista de múltiplos meios, bem influenciado pelo movimento concretista, reúne sua profícua produção artística para dar formas e performances a expressões que muitas vezes se encarrega ele mesmo da produção para a sua função pública. É um humano do qual pode-se dizer, sem medo de errar, “um artista completo”, embora essa “completude” esteja sempre “incompleta”: “Uma obra(permanente) em obras”, como escreveu no seu memorial artístico e intelectual apresentado ao Pós- Lit Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da FALE/UFMG, como requisito para a obtenção do título de Doutor em Letras Estudos Literários, nos termos que regulamenta o reconhecimento de Notório Saber pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A titulação, concedida em outubro de 2021, foi reconhecida pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), local em que o mineiro tornou-se professor visitante ligado ao Instituto de Letras da UFBA (ILUFBA), durante o primeiro semestre letivo de 2024. Na instituição, reconhece que tem espaço para experimentar a palavra além do seu conteúdo, mas também nas suas dimensões sonoras e visuais, como concretista que é, transitando linguagens. “Um espaço intermídia de pesquisa”, como ele deseja que seja.

Aleixo confessa que foi com grande alegria que se candidatou a uma das vagas para professor visitante da UFBA, “na expectativa de poder vir a participar mais ativamente do cotidiano do ILUFBA, marcada pela presença iluminadora de professoras e professores do mais alto gabarito”. Foram esses docentes que deram o seu aval à candidatura do criador mineiro a uma vaga, por meio do edital de 2023, à condição de professor visitante. Entre essas presenças iluminadoras, destaca-se da professora Denise Carrascosa, com quem o poeta trabalhou diretamente.

O professor visitante da UFBA acrescenta que este projeto de docência, o qual define como “Uma arte em movimento: afrodiaspórica, experimental, intermídia”, representa a possibilidade de propor diálogos, consolidando uma trajetória de mais de 40 anos como profissional que atua na criação intermídia, da reflexão teórica sobre a poesia em relação com os demais sistemas semióticos e da formação e qualificação artísticas de indivíduos e grupos.

Aleixo afirma que “fez da luta pelo direito à existência e à livre circulação da chamada arte expandida pedra-de-toque de toda a minha vida como artista e pesquisador independente”. Ele explica: “expandida, no meu entendimento, porque toma o corpo como medida para a relação da pessoa artista com as várias camadas do real imediato, o espaço urbano, os meios técnicos e tecnológicos e com as demais pessoas, inclusive as não humanas”.

E continua: “o edital para a contratação de Professoras/es Visitantes Com Notório Saber abre, para mim, uma rara oportunidade de desenvolver, de forma continuada, ao longo de um ano, uma sistemática de trabalho coletivo que só tenho tido chance de coordenar em curtas temporadas de, no máximo duas semanas, na condição de Artista Visitante, em instituições como as universidades de Zurique, na Suíça, Berkeley, Boston e NYC”

O edital para professor visitante da UFBA é um dos programas da Pró-Reitoria de Extensão (Proext) da UFBA que busca fortalecer projetos de Ação Curricular em Comunidade e em Sociedade (ACCS), a curricularização da extensão e as relações da UFBA com comunidades, territórios e demais setores da sociedade. Ao todo, seis candidatos foram selecionados em 2023. O Edgardigital (doravante ED) entrevistou todas as Mestras e os Mestres para a série “Notório Saber UFBA”. As fotos que ilustram essas reportagens são do acervo pessoal das pessoas entrevistadas e foram por elas cedidas. Vamos então saber um pouco mais do professor Ricardo Aleixo (doravante RA), a partir da entrevista abaixo.

Em Berlim ao lado do monumento a Karl Max em 2013.

ED E sobre as viagens que fez?

RA São muitas as viagens. Desde 2000, já fui à Argentina, Alemanha, Portugal, Franca, Suíça, Angola, Espanha, ao México e aos EUA, em alguns desses países eu já viajei mais de uma vez. Sempre vou a trabalho, convidado por festivais ou por universidades. O melhor dessas viagens são as trocas com poetas e artistas de outros países. Neste exato momento, preparo-me para passar uma temporada longa nos Estados Unidos, como pesquisador visitante do departamento de Performanc Studies da NYU/University of New York. Será uma oportunidade ímpar de cruzar o que pesquisarei por lá com os projetos que continuarei a desenvolver no âmbito da atuação como professor visitante no ILUFBA.

 ED E sobre os momentos difíceis, aqueles quando dá vontade de “desistir de tudo”…

 RA Momentos difíceis surgem sempre, mas não têm tido força bastante para me levar a querer desistir de tudo. A tenacidade talvez seja a minha maior qualidade. Nunca penso em desistir. O que faço, quando o pior da vida dá as caras, é tirar um tempo para respirar fundo, refletir sobre está acontecendo, tomar fôlego e seguir adiante.

O melhor está por vir

ED E sobre os mais gratificantes?

RA Também são muitos, e têm ocorrido cada vez com maior frequência. Sinto-me muito acarinhado, digamos assim, nesta fase da vida em que o reconhecimento do meu trabalho como artista e intelectual acontece em diversos âmbitos e em diferentes situações, aqui no Brasil e fora. É fascinante o perfume dessas “flores em vida”, para citar o belo samba de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, sobretudo porque já não corro o risco de, nesta altura da vida, me desviar do rumo que tracei para a minha vida, no final da adolescência, em termos de dedicação à literatura e às artes. Ainda tenho muito o que realizar, digo sempre que ainda não fiz o meu melhor, o que significa que o mais gratificante também está por vir.

ED Quando se sentiu um ser adulto e um criador também “adulto”, no sentido do “amadurecimento”?

RA Não é certo que amadureci. Nem mesmo sei se quero amadurecer um dia – a próxima etapa, depois do amadurecimento, só pode ser o apodrecimento. O termo “vou vivendo”, que dá título a uma linda música de Pixinguinha, aparece em dois poemas que escrevi em diferentes épocas: ali por volta de 2010 e no ano passado. Tenho lembranças boas do que vivi em diferentes momentos dessa minha vida que, como escrevi no livro Sonhei com o anjo da guarda o resto da noite – Memórias (Todavia, 2022), “já vai se tornando longa”, mas não tenho saudade de nada, nem tampouco tenho do que me lamentar em relação às não poucas escolhas duvidosas que fiz. Sou um “presentista”, o que me interessa é o aqui e agora e, sinceramente, não sei se isso tem a ver com amadurecimento.

 Sobreviver a Minas não é pouca coisa

O jovem Aleixo em Ouro Preto.

ED Fale um pouco da sua juventude em Minas Gerais.

RA Não sei se pensava em mim mesmo como “jovem”, quando contava vinte, vinte e poucos anos. Sabia que era pobre, mas não me lembro de ter desenvolvido, naquele tempo, qualquer reflexão acerca do ser um “jovem pobre”. O mesmo se diga do modo como comecei a pensar sobre o racismo: até pelo isolamento em que eu vivia, decorrente dos fatos de viver num bairro de periferia e de ter optado por não cursar uma universidade, eu não fui exatamente um “jovem negro”. Agora, viver em Minas Gerais, independentemente de faixa etária, cor, raça ou gênero, é uma barra pesadíssima. Minas Gerais é faca que corta rente. As marcas ficam para sempre. Posso dizer, numa síntese precária, que sobrevivi a Minas Gerais, e isso não é pouca coisa.

Na escola, segundo Aleixo a contragosto.

ED E a Infância?

RA Recebi do meu pessoal, do meu núcleo familiar, todo o apoio possível, sobretudo se pensarmos no significado de o filho mais novo tentar ser artista, ao invés de se lançar num subemprego qualquer. Sem meus pais e minha irmã eu não teria sequer saído do lugar, em termos de luta pela realização dos meus propósitos artísticos e intelectuais.

ED Considera-se um “militante” das suas artes?

RA Não. Sou um artista e pensador da cultura, e essa conjugação de interesses já se torna, muitas vezes, aos olhos dos que se pensam donos do Brasil, um tipo de militância.

ED E a militância política, pratica? No seu Memorial você “tece elogios” à gestão de Patrus Ananias de Souza quando prefeito de Belo Horizonte (1992)

RA Não teci elogios. Escrevi o que escrevi da perspectiva de alguém que trabalhou como assessor do gabinete da Secretaria Municipal de Cultura, sobre o significou, para Belo Horizonte, uma primeira gestão de esquerda. Nunca pertenci a nenhum partido, mas força é reconhecer, neste momento em que a extrema-direita avança confortavelmente em todo o país, que nós dispomos de modelos de administração democrática das cidades.

ED Religião?

RA Não tenho. Fui criado no catolicismo, que já não sigo há décadas. Mas tenho fé. Muita. Uma fé que dispensa religião – qualquer uma.

ED Estado civil

RA Sou casado com a pesquisadora dos estudos urbanos Natália Alves.

ED Tem filhos?

RA Tenho três crias: Iná, Flora e Ravi.

ED Onde mora?

RA Até o próximo dia 17 de setembro, no bairro Campo Alegre, em Belo Horizonte. Depois parto para uma longa temporada em NY, na companhia da Natália.

Um livro sobre o meu melhor lugar no mundo.

Principais obras escritas

Tornei de Luanda um kota (Impressões de Minas/LIRA, 2024);

A poesia não (Tipografia do Zé/LIRA, 2023);

Diário da Encruza (LIRA/Organismo, 2022);

Sonhei com o anjo da guarda o resto da noite – Memórias (Todavia, 2022);

Campo Alegre (Conceito Comunicação, Col. BhH – A Cidade de Cada Um, 2022);

Extraquadro (LIRA/Impressões de Minas, 2021);

Palavrear (Ed. Todavia, São Paulo, 2018);

Pesado demais para a ventania (Ed. Todavia, São Paulo, 2018);

Caderno ventania (Ed. Todavia, São Paulo, 2018);

Antiboi (Ed. Crisálida/LIRA, Belo Horizonte, 2017);

Ricardo Aleixo (Azougue Editorial – seleta de entrevistas publicada na Col. Encontros);

Impossível como nunca ter tido um rosto (Ed. do Autor, Belo Horizonte, 2015);

Mundo palavreado (Ed. Peirópolis, São Paulo, 2013);

Modelos vivos (Ed. Crisálida, Belo Horizonte, 2010);

Céu inteiro (Ed. Tipografia do Zé, Belo Horizonte, 2008);

Máquina zero (Ed. Scriptum, Belo Horizonte, 2004);

Trívio (Ed. Scriptum, Belo Horizonte, 2001);

A roda do mundo (Mazza Edições, Belo Horizonte, 1996, em parceria com Edimilson de Almeida Pereira);

Festim (Ed. Oriki, Belo Horizonte, 1992).

Mostras, curadorias e performances

Mostra coletiva História da poesia visual brasileira, com curadoria de Paulo Bruscky e Adolfo Montejo Navas, no Sesc Belenzinho, em São Paulo, entre junho e setembro de 2019;

Mostra coletiva Textos y visualidades, em Córdoba, Argentina, de maio a julho de 2019 – curadoria de Guillermo Daghero;

Performance sem título no Cabaret Voltaire, em Zurique, Suíça, junto com o rapper angolano Diamondogg, em julho de 2018;

Performance de encerramento do festival Babel Brasil na cidade de Bellinzona, Suíça, em setembro de 2018;

Performance solo no Cabaret Voltaire, Zurique, Suíça, em setembro de 2017;

Mostra Instante infinito, com o artista Jorge dos Anjos, na Galeria BDMG Cultural, em 2017;

Performance Antiboi, na FLIP / Festa Literária Internacional de Paraty, em 2017;

Performance Nictografia, com o artista Paulo Bruscky, durante a Ocupação Ricardo Aleixo, na Casa Una, em Belo Horizonte, em junho de 2015;

Performance Pesado demais para a ventania, no festival Poesía en Voz Alta.13, realizado na Cidade do México, em maio de 2013;

Performance Pesado demais para a ventania, no festival 2011 Poetas por km2, em Madri, Espanha, em novembro de 2011;

Performance “Música para modelos vivos movidos a moedas”, como parte da mostra Poética expositiva, realizada nas Cavalariças do Parque Lage, no Rio de Janeiro, em março de 2011, sob a curadoria de Sonia Salcedo Del Castillo;

Participação no programa Radiovisual, parte do projeto Ao redor de 4´33“, que integrou a 7ª Bienal do Mercosul, com a obra “As orelhas humanas não têm aspecto muito agradável”;

Performance Um ano entre os humanos, durante o projeto Errática – Poema ao vivo, realizado no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, no período de março a junho de 2007;

Performance Um ano entre os humanos, durante o festival A moveable feast: Poetry in portuguese, promovido pelo Departamento de Português e Estudos Brasileiros da Brown University, em Rhode Islands, EUA, no período de 4 a 8 de maio de 2007;

Instalação Para uma eventual conversa sobre poesia com o fiscal de rendas, parte da mostra Poiesis <Poema> Entre_Pixel_e_Programa<\>, realizada no Oi Futuro/Rio de Janeiro, sob a curadoria de André Vallias, Friedrich W. Block e Adolfo Montejo Navas, de 02 de outubro a 02 de dezembro de 2006;

Performance Um ano entre os humanos na Semaine Culturelle de Belo Horizonte, organizada em Paris, França, pela Fundação Municipal de Cultura entre os duas 05 e 10 de dezembro de 2005;

Participação na performance coletiva “Brossa.Bros.Br”, parte da Mostra de Arte Catalã, realizada em paralelo à exposição Joan Brossa – de Barcelona ao Novo Mundo, no Centro Universitário Maria Antonia da USP, em São Paulo, de 13 de outubro a 27 de novembro de 2005;

Participação na mostra Portuñol / Portunhol, realizada pela Fundação de Estudos Brasileiros, em Buenos Aires, Argentina, sob a curadoria de Ivana Vollaro, entre os dias 30 de agosto e 27 de setembro de 2005;

Performance Trívio, na mostra Sinais na pista, realizada, em maio de 2005, no Museu Imperial de Petrópolis, sob a curadoria de Adolfo Montejo Navas, Neno Del Castillo e Sonia Salcedo Del Castillo;

Performance Um ano entre os humanos, no V Encontro Internacional de Poetas, realizado, no período de 27 a 30 de maio de 2004, pelo Grupo de Estudos Anglo-Americanos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal;

Espetáculo Quilombos urbanos, como integrante da Cia SeráQuê?, de dança, durante o festival Brasil Move Berlim, realizado entre os dias 16 e 20 de abril de 2003, em Berlim, Alemanha;

Mostra individual Objetos suspeitos, realizada, sob curadoria de Adolfo Montejo Navas, na Grande Galeria do Centro Cultural UFMG, em junho de 1999.

Ver mais em:

Memorial_Ricardo_Aleixo__watermark.pdf

 

 

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