Um dos mais importantes poetas do país e letrista inigualável de clássicos da MPB, como “Papel Machê” e “Soy loco por ti América”, o baiano José Carlos Capinan foi agraciado, na sexta-feira (13), com o título “Doutor Honoris Causa” pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). O eminente poeta de 83 anos, dedicou 60 deles às artes, cravando seu nome no movimento Tropicalista. Imortal da Academia de Letras da Bahia, presidente de honra do Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira, em Salvador, é um incansável produtor cultural desde a década de 1960. O reitor da UFBA, Paulo Miguez, entregou o título a Capinam diante de uma plateia emocionada.
O Salão Nobre da Reitoria da UFBA foi além de um local destinado a homenagens, ganhando, charmosamente, o direito de abrigar um pequeno sarau onde canções de Capinan, ao ritmo do piano e do violão, se encaixavam entre um discurso e outro, todos ratificando a importância do poeta na história cultural do país. “Soy loco por ti América” arrebatou a todos.
O título de “Doutor Honoris Causa” para Capinan foi uma iniciativa da Faculdade de Medicina da UFBA, a qual cursou, e da Escola de Música da instituição. Submetido ao Conselho Universitário no dia 27 de maio de 2024, o pedido, feito conjuntamente pelas duas unidades, foi analisado e aprovado por unanimidade.
Aliás, a mesa formada para homenageá-lo contava com o reitor Paulo Miguez, o diretor da Faculdade de Medicina, Antônio Alberto Lopes, o diretor da Escola de Música, José Maurício Brandão, e pela escritora e professora Edilene Matos, titular do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC).
Entre reminiscências e visivelmente emocionado, Capinan, um apaixonado pelo Brasil, como fez questão de frisar, “notável país da América, do qual soy loco”, lembrou sua origem de filho de pai indígena e mãe negra, e declarou: “Esse legítimo mestiço recebe comovido o título de Doutor Honoris Causa”. E voando no tempo, inspirando-se nas falas que vinham dos componentes da mesa, Capinan acabou por se autodefinir à plateia “como um humanista radical em busca do homem universal”.
O reitor Paulo Miguez, por sua vez, tão emocionado quanto Capinan, declarou que de todas as músicas feitas por ele a que mais gosta é Clarice, composta com Caetano Veloso. Lembrou de uma ocasião em que o viu atendendo pacientes num Posto de Saúde, no bairro da Boca do Rio: “Não sabia se prescrevia palavras ou comprimidos!”
Mais adiante, Miguez declama um verso do livro “Balança, mas Hai-Kai”, de Capinan: “Somente a sorte cigana me ensinou os caminhos dos sonhos e da vida”, para, em seguida, olhando para o poeta, finalizar: “Aqui nós temos, com a sorte cigana, o privilégio se tê-lo como filho!”
Confira a solenidade na íntegra no canal da TV UFBA:
Linha do tempo do grande poeta e agora Doutor Honoris Causa da UFBA:
1941 – Capinan nasce, em 19 de fevereiro, em Arraial de Três Rios (BA), mas é registrado em Esplanada (BA);
1960 – Aos 19 anos, muda-se para Salvador e passa a estudar Direito na UFBA, onde foi aluno da Escola de Teatro, participa do Centro Popular de Cultura (CPC), movimento cultural liderado pela UNE, e se filia ao Partido Comunista do Brasil (PCB);
1964 – Depois do golpe de Estado, em março, sai de Salvador, retornando à casa dos pais. Em seguida, vai para o Rio de Janeiro e posteriormente para São Paulo, onde trabalha como publicitário e começa a compor;
1967 – Vence o III Festival Internacional da Canção, da TV Record com “Ponteio”, feita em parceria com Edu Lobo. Naquele ano, explode o “Tropicalismo”;
1968 – Retorna ao Rio de Janeiro e se torna um dos compositores mais vitoriosos da sua geração nos festivais em parcerias com Edu Lobo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Paulinho da Viola e Jards Macalé;
1970 – No Rio Janeiro, o poeta começa a estudar Medicina, na Federal do Rio, concluindo-o, tempos depois, na Federal da Bahia;
1971 – De volta à Bahia, faz parceria com Geraldo Azevedo, Moraes Moreira, Robertinho do Recife, Fagner, Batatinha, Edil Pacheco, Ederaldo Gentil, Carlinhos Cor das Águas, Lula Gazineo, Roberto Mendes, entre outros artistas brasileiros e baianos, totalizando mais de 200 trabalhos em mais de dez anos;
1986 – Torna-se secretário da recém-criada Secretaria da Cultura do Estado da Bahia, no governo Waldir Pires;
1989 – Participa da criação do Ecodramas, movimento que destaca a importância da questão ambiental na rotina da sociedade
2004 – Assume a diretoria do recém-fundado Museu Afro Brasil;
2006 – Entra para a Academia Baiana de Letras, sendo o primeiro compositor de música popular brasileira a fazer parte dela;
2024 – Capinan lança “Cancioneiro Geral (1962-2023)”, que reúne os seus livros de poesia, além de poemas esparsos e uma vasta seleção das canções escritas por ele entre 1965 e 2023. A obra foi organizada por Claudio Leal e Leonardo Gandolfi.
Livros
“Inquisitorial” – 1995
“Confissões de Narciso” – 1995
“Poemas: antologia e inéditos” – 1996
“Uma canção de amor às árvores desesperadas” (poemas) – 1996
“Vinte canções de amor e um poema” – 2004
“Balança, mas Hai-Kai” – 2011
“26 Poetas Hoje” (2023), organizado por Heloisa Buarque de Holanda,
Cancioneiro geral – 2024
Músicas
Com Gil
“Viramundo” (1965), “Ladainha” (1966), “Miserere nobis” (1968) e “Soy loco por ti, America” (1968), tributo ao revolucionário argentino Che Guevara (1928 – 1967) – gravação de Caetano Veloso;
Com Edu Lobo
“Ponteio” (vencedor do III Festival Internacional da Canção, da TV Record – 1967), “Viola fora de moda” (1973) e “Repente” (1976);
Com Macalé
“Gothan city” (1969) e “Movimento dos barcos” (1971);
Paulinho da Viola
“O acaso não tem pressa” (1971), “Vinhos finos, cristais” (1971), “Coração imprudente” (1972), “Orgulho” (1972), “Sofrer (1978), “Viver sem amor” (1981), “Mais que a lei da gravidade” (1983) e “Prisma luminoso” (1983).
Geraldo Azevedo
“Moça bonita” (1981);
João Bosco
“Papel machê” (1984);
Teatro
“Bumba meu Boi” (1963)