Pedro Duarte: a condição humana está em perigo

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O conhecido ditado popular “nessa vida há remédio para tudo menos para a morte”, citado pelo professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Pedro Duarte, na conferência “A condição humana”, no Ciclo Mutações, já revela que, independente de ser cientista, pensador, cristão ou pagão, a condição humana de mortalidade e finitude é bem conhecida por todos.  Muito além do senso comum, o filósofo abordou a temática em torno da efemeridade da existência do ser humano com uma análise minuciosa, realizada durante a quinta conferência do ciclo, realizada no último dia 10/10, no salão nobre da Reitoria da UFBA.

Tomando como referência o prefácio do livro, também intitulado “A condição humana”, escrito pela filósofa alemã, Hannah Arendt, o conferencista  considerou que essa nossa condição humana “está em perigo”, já que “só tomamos tempo para refletir sobre algo que está correndo risco”.  Aliando seu raciocínio com o da “pensadora da liberdade”, Duarte destacou que essa ameaça se dá porque o ser humano está disposto a trocar a existência tal como nos foi dada, por algo que nós mesmos produzimos, o que pode ser identificado pelos seguintes sintomas históricos: o anseio de sair da Terra; a produção do nascimento em proveta e o desejo de viver além dos 100 anos.

Desse modo, a busca constante por tais artifícios, substitui cada vez mais a vida natural, cortando os laços com a condição humana, como somos, explicou o professor que também é jornalista, chamando atenção para o fato de que essa retirada de autoridade da natureza em relação ao homem provoca um “momento de transformação irrevogável da nossa condição”.  Mas ele considera essa mutação – compreendida por Arendt em sua obra, como “rebelião do homem” – como uma “abolição da condição humana”, no sentido de superar todos os condicionamentos para viver sem limites.

Entretanto, essa libertação dos limites, quando o ser humano tenta produzir condições de vida fora da terra, planejar nascimento e até a morte, é vista por Duarte como uma lembrança do sonho antigo de vencer a finitude e a morte, acalentado desde a Antiguidade e registrado na doutrina metafísica de Platão e também presente nas promessas do que a ciência pode fazer por nós, mediante os variados avanços tecnológicos.  O apelo à eternidade que torna-se o valor primordial, calcado na esperança de escapar do condicionamento da vida humana finita como conhecemos, não é uma transformação, considerou o docente, destacando que essa é uma mutação contemporânea nova e velha, recente e antiga, pois transcende a condição humana e parece exigir somente os avanços científicos.

Ele também contrapôs afirmando que “tudo que nós fazemos só tem sentido a partir de nossa finitude”.  Ou “que sentido teria viver livre desses condicionamentos impostos pelo caráter fugidio da vida?”, questionou o filósofo lembrando que “o labor, o trabalho e a ação”, a possibilidade de amar, produzir obras de arte e poesia não teriam sentido fora da nossa condição de finitude. “O que seres imortais fariam com todas essas possibilidades de realizar, já que a eternidade seria um estado estático?”, perguntou o filósofo que citou emocionadamente, alguns versos do dramaturgo grego, Sófocles, como: “Há muitas maravilhasmas nenhuma é tão maravilhosa quanto o homem”.

Considerando que a morte é a definição interna da condição humana, Pedro Duarte acentuou que ela está iminentemente colocada a cada instante de nossa vida.  “Presente, já que ninguém sabe ao certo quando morrerá”, racionalizou, enfatizando que “ela [a morte] nos condiciona sem nos dar a completude e totalização do nosso ser”.  Daí, “nunca somos velhos demais para nascer”, disse ele, trazendo à tona que a condição humana é aberta e por isso, sempre seremos incompletos, mesmo em avançada idade. Então “sempre há a possibilidade de tentar algo novo”.

A possibilidade de começar algo novo remete a outro aspecto da nossa condição – a natalidade que precisa ser vista como uma dimensão mais profunda e interessante do que a mortalidade, afirmou o docente.  E como uma solução para a angústia da existência que se ocupada para fugir da morte, ele lembrou que “os homens, embora devam morrer, não nascem para morrer, mas para começar” e ilustrou com a história de vida de Hannah Arendt que, ao morrer, deixou a epígrafe de um novo livro em sua máquina de escrever, na qual havia trabalhando naquele dia. “Ela morreu começando”, finalizou deixando a lição de como devemos lidar com a finitude  da condição humana: “começando algo novo, sempre”.

 

O Ciclo Mutações prossegue com as seguintes palestras que podem ser acompanhadas ao vivo pelo link aovivo.ufba.br/mutacoes:

13/10 – Luiz Alberto Oliveira Novas configurações do mundo

14/10 – Renato Lessa – A invenção das crenças

17/10 – Eugênio Bucci – Muito além do espetáculo

19/10 – Francisco Bosco – O homem máquina

21/10 – Jorge Coli – Fontes passionais da violência

26/10 – Marcelo Coelho – O silêncio dos intelectuais

31/10 – Marcelo Jasmin – Tempo e história

25/11 – Guilherme Wisnik – O futuro não é mais o que era

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