Debate na UFBA: Medida Provisória do ensino médio limita o futuro do país

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Por Mariluce Moura e Murilo Guerra

A mesa de debates “A reforma do ensino médio proposta através da Medida Provisória”, que encerrou na quinta feira, 20 de outubro, o seminário “Reflexões sobre o Ensino Médio Brasileiro: impactos da Medida Provisória 746/2016”, mediada pelo reitor da UFBA, João Carlos Salles, deixou uma proposta clara de ação para quem se reuniu ao longo de todo o dia no salão nobre da Reitoria da UFBA: é preciso lutar em todos os fronts possíveis contra a aprovação de uma MP que, a rigor, ameaça o futuro do país, ao empobrecer o ensino médio e restringir o alcance da educação para milhões de jovens, por meio de sua orientação precoce e exclusiva ao mercado de trabalho e atendendo aos interesses do mercado.

Ao mesmo tempo em que é necessário expandir e ampliar o debate na sociedade sobre melhoria do ensino médio, na linha de uma legislação democrática e socialmente inclusiva que vinha sendo construída desde 2003, é preciso trabalhar em ritmo de urgência para evitar a aprovação da Medida Provisória que exatamente hoje completa um mês, alertaram os participantes da mesa. Esse tipo de instrumento tem trâmite muito rápido: exige aprovação em 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias. Isso significa que, sem uma firme ação contrária, já em janeiro de 2017 o ensino médio no país terá que está em conformidade com o que propõe a MP 746.

Ou seja, nesse novo ensino médio, sociologia, filosofia, artes e educação física estarão fora do currículo obrigatório, disciplinas essenciais, a depender do manejo da carga horária, poderão ocupar não mais que 30% do tempo de aulas, que, aliás, deve flutuar do tempo integral previsto só para uma minoria de escolas a tempo insuficiente na maioria delas, professores estarão dispensados de uma formação específica em favor de um mal definido notório saber, e o ensino técnico orientado para o mercado dispensará a formação crítica e humanística do estudante, entre outras características.

A última mesa do seminário organizado pela Reitoria da IFBA foi integrada pelos professores José Aritmatéia Dantas Lopes, reitor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Sandra Regina Paz da Silva,pró-reitora de Graduação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL),  Ariane de Sá, pró-reitora de Graduação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Heleno Araújo, coordenador do Fórum Nacional de Educação, Almerico Lima, da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) e Célia Maria Benedicto Giglio, coordenadora geral do Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada de Profissionais da Educação Básica da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP),

Ao abri-la, o reitor João Carlos Salles lembrou que convidara pessoalmente para participar do seminário, na mais recente reunião da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a secretária executiva do Ministério da Educação (MEC), Maria Helena Guimarães. E ela publicamente aceitou o convite. Entretanto, terminou não vindo ao seminário nenhum representante do MEC, o que impediu um diálogo entre as partes envolvidas na discussão da reforma do ensino médio.

João Carlos Salles também fez referência às justificativas do ministro da Educação, José Mendonça Bezerra Filho, para a MP do ensino médio, em artigo publicado na Folha de S. Paulo em 16 de outubro. Dizia o ministro, “O novo ensino médio permite ao estudante escolher áreas de conhecimento de acordo com sua vocação e projeto de vida. Possibilita, também, que opte pela formação técnica. Outra parte do ciclo será comum a todos pela base curricular. O jovem vai projetar seu futuro, seja no ensino superior, seja no técnico profissional” Isso após deixar clara sua visão sobre a maioria da população pobre e jovem do país ao observar que “É inaceitável que o Brasil, oitava economia do mundo, conviva com 1,7 milhão de jovens entre 17 e 19 anos que nem estudam e nem trabalham, que vivem como invisíveis. Muitos estão em situação de vulnerabilidade, sendo atraídos pela criminalidade e pelas drogas”.

Ao comentar esses argumentos, o reitor da UFBA observou que projetar de forma invertida utopias, sonhos, desejos, é uma operação de natureza ideológica conhecida. E indagou que escolha é essa que podem fazer nossos jovens ante uma proposta que se lhes impõe rápida e abruptamente. “Escolher o quê? Quem pode escolher é uma diminuta camada, Outros estão escolhendo por milhões desses jovens e essa reforma do ensino médio limita gravemente o futuro do país”.

 

Base Nacional Curricular

A segunda mesa do seminário, coordenada pelo pró-reitor de Graduação da UFBA, Penildon Silva Filho, foi dedicada ao debate sobre a Base Nacional Curricular Comum (BNCC).  O professor Adeum Sauer, da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) observou que a MP não busca resolver nenhum dos problemas estruturais da educação no país, a exemplo da precariedade da carreira docente, a realidade social dos jovens que precisam começar a trabalhar ainda na idade escolar e a consequente evasão dos estudantes das salas de aula. “A MP é autoritária, fala em nome dos interessados sem o devido processo democrático. Não há legitimidade no processo em curso”, alertou.

Segundo Sauer, a MP traz uma concepção de ensino médio instrumental ao sistema, com uma divisão de oportunidades entre ricos e pobres, na qual os filhos dos trabalhadores serão lançados o mais rápido possível ao mundo do trabalho, enquanto as elites teriam acesso a uma outra educação, ampliando a sua formação no nível universitário.

Em seguida, Ney Campello, Superintendente de Educação Básica da Secretaria de Educação da Bahia, apresentou informações do IDEB que, segundo ele, demonstram que o ensino médio está estagnado, com altas taxas de distorção entre a idade do aluno e sua série e fraco desempenho dos estudantes nas várias disciplinas. Diante disso, considerou urgente promover o debate sobre o ensino brasileiro.

O secretário criticou o governo federal por levar à frente uma decisão sobre assuntou tão importantes através de um instrumento precário como é a Medida Provisória, sem discutir adequadamente o tema junto à sociedade. Ele também chamou atenção para a PEC 241, que considera que representará um desinvestimento na Educação.

Também foram apresentados pelo secretário números da consulta pública nacional sobre a BNCC, que teve mais de 12 milhões de contribuições recebidas na Bahia.  E destacou  a exclusão da Educação Física, Artes, Filosofia e Sociologia das disciplinas obrigatórias do ensino médio,  incorporadas à BNCC por meio de lei.

Na visão do professor Gustavo Balduíno, secretário executivo da Andifes, além da discussão sobre o ensino médio, é muito importante mobilizar esforços para combater a PEC 241 que representa uma ameaça a educação, a saúde, segurança e tantas outras áreas fundamentais.

Ele também afirmou que o problema mais sério não é dos alunos que estão ensino médio, mas sim daqueles milhares de estudantes que não conseguem nem estudar nesse nível de ensino. Ele considera que a realidade atual, com ou sem a MP, é complexa. “É preciso contemplar na discussão temas como a condição socioeconômica dos estudantes e suas famílias, a formação dos professores e o piso nacional da carreira docente”.

A professora Claúdia Maria Mendes Gontijo, do  Centro de Educação da Universidade Federal do Rspírito Santo (UFES) apontou as iniciativas que têm como objetivo precarizar e reduzir o currículo diante da redução de recursos para a educação. “Essa é a política atual”, denunciou. Na sua fala foram destacadas as tentativas de controle social e a proposta de duas trajetórias opostas para classes sociais distintas. Dessa maneira, questionou, que condições os estudantes terão para fazer suas escolhas diante de um modelo que privilegiará apenas os mais ricos.

Sobre a exclusão de determinadas disciplinas do currículo obrigatório, como a Educação Física, ela afirma que isso jamais poderia acontecer em razão da BNCC que preconiza a formação integral do indivíduo. Ela disse que a MP altera dispositivos centrais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB (artigos 24, 26, 36, 61), cria uma cisão entre a formação acadêmica e a formação profissional e tecnológica e que a reforma proposta empobrece as áreas do conhecimento.

Por fim, a professora Roseli Sá, da Faculdade de Educação da UFBA, chamou atenção para “uma onda conservadora que ronda o debate sobre currículo”. Ela fez críticas aos formatos de “currículos oficiais únicos”.

Em seu entendimento, o discurso de que nada deu certo na educação e que se apresenta como inovador, na verdade traz consigo enormes retrocessos, a exemplo do projeto “escola sem partido”. Segundo ela, a MP desconsidera toda a discussão sobre a BNCC que está em andamento e promove alterações em artigos fundamentais da LDB.Ela criticou medidas contidas na medida como a proposta de privilegiar explicitamente apenas certas áreas de conhecimento em detrimento de outras. “Isso é um retrocesso”, finalizou.

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